• Nenhum resultado encontrado

V GILGAMESH E ISHTAR

6. Á fúria de Ishtar

Quando Ishtar ouve isso, Ishtar prorrompe em fúria e sobe aos céus. Ishtar foi perante Anu, seu pai; Ela foi perante Antum, sua mãe, e disse: "Meu pai, Gilgamesh me insultou. Gilgamesh enumerou os meus feitos fétidos, Meus feitos fétidos e meus atos podres". Anu abriu a boca e disse, Dirigindo-se à poderosa Ishtar: "Tu mesma conuidaste o...

E assim Gilgamesh enumerou os teus feitos fétidos. Os teus feitos fétidos e os teus atos podres". Ishtar abriu a boca e disse. Dirigindo-se a Anu, seu pai:

"Meu pai, cria para mim o touro celeste para que destrua Gilgamesh!" (Tab. VI, linhas 80-94, Heidel, pp. 52s)

Este diálogo entre Ishtar e seu pai Anu é valioso do ponto de vista psicológico. Ishtar sente-se profundamente ferida e se queixa a ele a respeito de Gilgamesh. O que o leitor pensa a respeito da sua fala: "Ele enumerou os meus feitos fétidos e os meus atos podres"? Speiser traduz da seguinte forma: "Ele relatou em minúcias os meus feitos fétidos, o meu fedor e a minha sujeira". Que atitude em Ishtar mostra isso? Que atitude tem ela em relação ao seu próprio comportamento?

* Nota do editor: a fonte da tradução supra, infelizmente, não pôde ser encontrada entre os escritos da autora. Uma tradução de RJ. Stephens, do texto completo da mesma prece, pode ser encontrada em ANET, pp. 384s.

OBSERVAÇÃO: Ela não nega que praticou aquilo. Assume plenamente aquilo que fez. Sim, este é um aspecto muito positivo, e nós precisamos fazer distinções nesse ponto. Ela merece os nossos elogios pela sua franqueza em reconhecer o seu lado sombrio, não é? Mas acho um pouco perigoso isso, porque ela não tem realmente nenhum discernimento. Se ela reconhecesse honestamente aquilo que fez, isto mudaria alguma coisa nela. Sua fúria se abrandaria. Se ela realmente reconhecesse e dissesse: "Bem, afinal de contas eu sou realmente assim, mas por que ele deveria...?" Isto seria um discernimento superior da parte dela. Ela não integrou isso.

Gravura 5: Ishtar com um pé sobre o leão

OBSERVAÇÃO: Isto soa como uma filha mimada.

Justamente isso! Entendo o comentário do leitor, porque, se ela pensasse que é tão maravilhosa e tão boa, seria ainda pior. Ela se reconhece,mas, e aqui surge uma amoralidade natural. Ela não tem nenhum conflito por ser dessa forma. Ela reconhece, mas isso não importa nada para ela. Podemos dizer: "Esta é a minha sombra", e tudo bem, parece perfeitamente esclarecido, mas o que nós pensamos a respeito disso? O que fazemos em relação a isso? Se, ao mesmo tempo, não nos tornamos mais mo- destos, isto não passa de um "Eu sou assim, e você simplesmente aceite isso!" Mas ela quer vingança! O que sugere isso? Que Gilgamesh naturalmente deve engolir os seus feitos perversos e os seus atos podres, e não tem direito de se opor aos mesmos. Isto tem a qualidade tentadora de um discernimento pleno. Como sabemos isso? Porque isto não muda a sua atitude. Pelo menos não em relação a Gilgamesh, como veremos mais adiante. É realmente interessante. Ela está livre de todo conflito moral, que, em sentido mais profundo, é uma situação não-humana. Certa vez Jung afirmou: "O que torna o homem humano é o fato dele ter conflitos". Ela tem uma amoralidade natural que se expressa no fato de não estar enfurecida por causa das censuras de Gilgamesh, mas pelo fato dele ousar pronunciá-las. Este é o lado mau. Ele não estava errado, naturalmente, ela fez tudo isso. Mas, azar dele, ele ousou lhe dizer isso! Anu tenta trazê-la para a razão e confortá-la. Isto se parece com uma sessão de análise:

Ishtar: Cria para mim o touro celeste, para destruir Gilgamesh!

Anu: Mas não tens isto dentro de ti? Tu mesma provocaste (o insulto), e assim Gilgamesh enumerou os teus feitos fétidos e os teus atos podres.

Ishtar: Meu pai, cria para mim o touro celeste, para destruir Gilgamesh.

E assim por diante. Qual é a reação àquilo que disse Anu? Nenhuma. Ela não chega até mesmo a entender o que ele disse, como se ele não tivesse dito nada. E isto é sinal característico do quê?

OBSERVAÇÃO: De inconsciência.

Inconsciência. Diria até que é um sinal de estar possuída. Pela sua fúria — ou, poderíamos até dizer, estando possuída por um estado deanimus. Ela não consegue nem mesmo ouvir o que o outro

diz. Simplesmente segue perambulando. Ela quer ter o seu touro, o touro que, através dos seus urros, representa a sua própria fúria. Ela ameaça:

"Mas, se não quiseres criar para mim o touro celeste, Destruirei a porta dos infernos e quebrarei o ferrolho; Deixarei a porta escancarada;

Farei com que os mortos ressurjam e comam como os vivos, Para que os mortos sejam mais numerosos que os vivos!" Anu abriu a boca e disse,

dirigindo-se a Ishtar:

"Se eu fizer o que desejas de mim, Haverá sete anos de palhas vazias. Ajuntaste grãos suficientes para o povo?

Cultivaste pasto suficiente para o gado?" Ishtar abriu a boca e disse,

Dirigindo-se a Anu, seu pai: "Armazenei grãos para o povo, Cultivei pasto para o gado. Se houver sete anos de palhas vazias. Armazenarei grãos suficientes para o povo, E cultivarei pasto suficiente para o gado".

(Tab. VI, linhas 96-113, Heidel, p. 53)

E suas ameaças são muitas e vigorosas. Suas ameaças, mesmo se ele não cedesse, mostram-na em sua plena força. É capaz de trazer novamente os mortos para a vida, para que comam junto com os vivos. Assim, ela pode destruir toda a criação. A forca destruidora de um estado possessivo não podia ser mais claramente demonstrada aqui. Poderia parecer como se Anu fosse fraco e cedesse. Mas acho que ele é prudente. Escolhe o mal menor. Concede-lhe o touro celeste, mas impõe certas condições. Ela é mais poderosa do que ele. Ele tem que ceder. Mas, de certa forma, ele lhe oferece garantias. Assume um compromisso com ela. Está bem, aí está o teu touro celeste. Solta-o contra Gilgamesh. Mas não destruas a criação. Protege-a. Podemos ver aqui que ela é também uma deusa da vegetação. Ela é realmente a soberana da vida e da morte. Se quiser, o grão crescerá, e se não quiser, haverá seca. Entendo que é óbvio que Anu não cede por mera fraqueza, mas por prudência, pois ele faz com que Ishtar faça esta provisão para a humanidade, uma vez que a soltura do touro celeste produz sete anos magros. Podemos reconhecer nisso um motivo semelhante àquele que aparece na história bíblica de José e do sonho do faraó das sete vacas gordas e das sete vacas magras, que representam sete anos de