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1 INTRODUÇÃO

3.1 Letramentos

3.1.3 Letramento, tecnologia e inovação

A história da humanidade é marcada por transformações contínuas, ora lentas, ora aceleradas. Nesse processo, muitas mudanças são fruto do desenvolvimento tecnológico em que os artefatos produzidos pelos homens afetam as relações sociais, as práticas de linguagens e de ensino. A busca por sobrevivência, conhecimento ou melhores con dições de vida sempre instigou os indivíduos a criarem instrumentos que atendessem às suas necessidades. Assim, em virtude dos saberes humanos acumulados, foi possível, ao longo do tempo, criar as bases estruturais que sustentam a complexidade da vida moderna.

A criação de utensílios rústicos como uma simples pedra lascada ou arcos e flechas, entre outros, foram capazes de iniciar modificações no comportamento de nossos ancestrais que, aos poucos, deixaram de ser nômades para serem sedentários, criando novas formas de convívio social. A vida em comunidade exigiu novas maneiras de comunicação (escrita). Para tanto, foi necessário criar mecanismos que resguardassem o conhecimento adquirido, já que a memória não mais conseguia atender a essa demanda, tendo em vista a complexidade do acúmulo de informações e das relações da vida em sociedade.

As mudanças sociais impulsionadas pelas n ovidades tecnológicas expandiram horizontes e diminuíram distâncias entre os povos. Séculos após a invenção da escrita pictográfica, a criação e propagação da impressa (escrita tipográfica), no século XVI, facilitaram o acesso à leitura, alargando a comunicação entre pessoas e nações gradualmente.

Em meados do século XX e início do século XXI, as tecnologias digitais, rapidamente, foram disseminadas pelo mundo inteiro em poucas décadas (PALFREY; GRASSER, 2013). Formas de linguagem mais simples foram substituídas por uma comunicação global em tempo real, que fazem uso, principalmente, da internet e de dispositivos com sistemas operacionais capazes de realizarem multitarefas: editar textos e imagens, fazer registro fotográfico e audiovisual, baixar aplicativos diversos, acessar as redes sociais etc.

Paredes rupestres, bases de argila, papiros, peles de animais, tipos móveis cederam lugar, nas sociedades ditas modernas, às Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), artefatos que afetaram diretamente nossas vidas, pois, segundo Palfrey e Grasser (2013, p. 13), “nenhum aspecto importante da

vida moderna fica intocado pela maneira em que muitos de nós hoje em dia usamos as tecnologias de informação”. Tamanho foi o impacto que é impossível pensarmos o mundo globalizado sem essas tecnologias digitais.

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) possibilitaram o surgimento de práticas de linguagem mais complexas e multissemióticas. Vivemos em um mundo onde os indivíduos se comunicam em rede, tendo os usuários acesso a um número inimaginável de informações e ferramentas tecnológicas a sua disposição que possibilitaram às pessoas mais autonomia e interatividade.

O fato é que a mudança é inevitável e mudar pode ser difícil. O novo requer outras atitudes e isso, muitas vezes, significa sair da zona de conforto, superar limitações e enfrentar desafios. Portanto, se tudo muda e o homem é afetado por tais mudanças, o processo de ensino e aprendizagem não deve estar alheio às inovações produzidas pelo próprio homem, uma vez que os indivíduos se desenvolvem em interação com o meio social no qual estão inseridos. Em conformidade com essa perspectiva, Pagamunci (2011, p. 5) afirma que a:

interf erência da escola f az-se necessária no sentido de of erecer ao aluno oportunidades signif icativas de construção de conhecimentos e valores q ue estão atrelados a atual conjuntura social, e principalment e, promovendo a utilização das tecnologias inf ormáticas como instrumentos auxiliares à prática pedagógica com o objetivo de p romover interação, cooperação, comunicação e motivação a f im de diversif icar e potencializar as relações inter e intrapessoais mediante situações mediatizadas, que venham a dar um novo signif icado ao processo de aprendizagem (PAGAMUNCI, 2011, p. 5).

Muitas escolas no país foram equipadas com computadores e outras ferramentas tecnológicas, mas não as integraram à dinâmica das atividades de ensino. O laboratório de informática, quando existe, frequentemente é um espaço n o qual as máquinas são objetos “intocáveis” ou se encontram em número reduzido para atender à demanda escolar. Acrescido a esses fatores, algumas instituições de ensino proíbem o uso de celulares no ambiente escolar, criando assim uma ilusão de inclusão digital por possuir uma sala de informática ou retroprojetores.

Nos últimos anos, o país apresentou um exponencial aumento no número de usuários de internet. De acordo com o UOL (WOLF, 2019), “79,9% dos brasileiros vivem em lares com internet, fixa ou móvel. Isso quer dizer que 166 milhões de brasileiros já têm algum acesso à rede”. Em 2019, o WhatsApp tornou-se a rede

social mais utilizada pelos brasileiros, com 120 milhões de usuários ativos por mês (AGRELA, 2018).

Embora vivamos em um país com desigualdades sociais abissais, existem 230 milhões de celulares em uso no Brasil, enquanto o número de computadores, notebooks e tablets chega a 180 milhões, conforme o site UOL (WOLF, 2019). Ou seja, existem mais dispositivos móveis que brasileiros no país. Para Rodrigues (2015, p.5), dispositivos móveis como os celulares:

são tidos como exemplo agregador, já que se tornaram dispositivos de múltiplas convergências midiáticas ao reunir f unções que vão além de uma simples conversa telef ônica: of erecem câmera f otográf ica, f ilmadora, gravador de voz, músicas, jogos; além das possibilidades geradas pelo acesso à internet, tais como mensagens instant âneas de texto, e-mails, planilhas eletrônicas, downloads etc. (RODRIGUES, 2015, p. 5).

Enquanto a sala de aula reproduz práticas pedagógicas de comunicação limitadas ao uso da lousa, pincéis, lápis e borracha, negando os usos reais das TIC, nossos alunos, fora da escola, comunicam-se freneticamente através de dispositivo s móveis em redes socais como WhatsApp, Facebook, Instagram etc. Nessas mídias digitais, eles enviam mensagens escritas, imagens, vídeos, documentos; fazem chamadas de vídeo/voz; produzem vídeos diversos, registros fotográficos; publicam selfies etc.

O mundo mudou, e a escola precisa superar os desafios dessas transformações e a necessidade de novos letramentos, agindo de acordo com as demandas da contemporaneidade, visto que não vivemos mais em cavernas ou em ilhas desconectados. Seja na zona urbana, seja na zona rural do Brasil, sofremos influências das inovações tecnológicas. Chamamos atenção, porém, para o fato de que não se trata de atribuir à tecnologia o sucesso do ensino, mas sim de criar mecanismos para integrar as mídias digitais ao cotidiano escolar de modo que a escola possa dar respostas concretas aos problemas sociais, como tão bem defende Pagamunci (2011, p. 3), ao declarar que:

As tecnologias, aliadas aos novos paradigmas de educação, permitem que aplicações educativas sejam desenvolvidas co nstituindo um ambiente de ensino aprendizagem interativo com alternativas de solução para os diversos problemas educacionais; e, mostram tamb ém que todos esses recursos reservam, ao prof essor, a oportunidade de revitalizar seu papel, trazendo novas dimensões e perspectivas para o trabalho d o mesmo (PAGAMUNCI, 2011, p. 3).

Junto aos inúmeros benefícios advindos dos artefatos tecnológicos também surgem novos problemas com os quais a escola tem de lidar, tais como: a falta de atenção ou concentração provocada pelo uso excessivo das TIC pelos alunos na sala de aula. O celular, por exemplo, é quase uma extensão do corpo humano. As pessoas passam inúmeras horas coladas à sua tela, e isso pode acarretar desconfortos físicos ou até mesmo problemas mais crônicos de saúde. Além do risco de dependência de uso, temos de conviver com a forte presença de fake news e com a exposição do usuário a conteúdos inapropriados para crianças e jovens.

As TIC se inovam, velozmente, todos os dias. É preciso que o sistema de ensino supere as condições precárias e o acesso limitado aos desenvolvimentos tecnológicos que muitas escolas ainda apresentam no país. Julgamos que a tecnologia pode ser um forte aliado para transformar o ensino. Porém, de acordo com Bonilla-del-Rio e Aguaded (2018, p. 4), o avanço tecnológico:

não garante inovação pedagógica e que a mera presença das TIC na sala de aula não provocam diretamente transf ormações nos processos de ensino-aprendizagem, já que em muitas ocasiões os dispositivos digitais são usados para continuar promovendo modelos tradicionais [...] (BONILLA - DEL-RIO; AGUADED, 2018, p. 4).

Não basta incluir as TIC nas práticas de ensino - nossos alunos já as usam em seu cotidiano. É preciso que a comunidade escolar discuta como essas ferramentas podem ser úteis para transformar a sua realidade, pois, segundo Silva, Bilessimo e Alves (2019, p. 62), usarmos essas:

f erramentas tecnológicas em sala de aula (sejam elas quais f orem) de f orma despropositada tende a levar aos mesmos resultados. É preciso, antes de tudo, compreender as suas f uncio nalidades, as consequências de seu uso nas relações sociais, e, a partir dessa compreensão, questionar-se sobre como determinada f erramenta pode ser verdadeiramente útil para f acilitar o processo de aprendizagem por parte do discente (SILVA; BILESSIMO; ALVES, 2019, p. 62).

Não há, nesse sentido, uma única resposta; existem inúmeras possibilidades de inovarmos nossas práticas de ensino. Porém, cabe à escola manter um constante diálogo com as mudanças e os dilemas sociais que busque entender o mundo dos alunos e suas práticas discursivas, promovendo novos letramentos que incluam as mídias digitais, possibilitando, desse modo, que os discentes sejam protagonistas nesse processo em busca de soluções práticas para os problemas do dia a dia.