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1 INTRODUÇÃO

3.1 Letramentos

3.1.2 Multiletramentos: multimodalidade e multiculturalidade

As inúmeras transformações sociais favoreceram o surgimento de novos usos sociais da leitura e da escrita devido, principalmente, ao surgimento e aperfeiçoamento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e ao acentuado fluxo interativo entre as diversas culturas do mundo globalizado. Diante disso, grupos pioneiros como o Grupo de Nova Londres (GNL) promoveram estudos com intuito de explorar essa natureza complexa dos novos letramentos.

Em uma reunião científica com pesquisadores dos letramentos, em Connecticut (EUA), em 1996, o GNL adotou o termo multiletramentos para se referir, conforme Rojo e Moura (2012, p. 13), à “multiculturalidade característica das sociedades globalizadas e a multimodalidade dos textos por meio dos quais a multiculturalidade se comunica e informa”.

Interações entre culturas distintas sempre existiram na história humana por diversos fatores, porém o modelo econômico vigente atrelado à revolução tecnológica, nos últimos tempos, ampliou exponencialmente esse intercâmbio em termos mundiais, criando um contexto, conforme Zucon e Braga (2013, p. 64), “de intercâmbios de proporções inéditas, que propiciou, de forma cada vez mais estreita, a comunicação e a conexão entre regiões e povos de diversas partes do mundo”.

Explode diante de nossos olhos essa multiplicidade cultural que afeta diretamente a vida das pessoas e os usos sociais da língua. Essa pluralidade cultural, segundo Cope e Kalantzis (2000, p. 200), “está presente em toda a organização da nova economia, e trabalhar com cultura significa trabalhar com diversidade”.

Além do acesso a diferentes e específicos saberes, a riqueza dos recursos midiáticos digitais nos propicia mais interatividade e poder de agência, pois, além de nos comunicarmos, em tempo real, com outras pessoas de outras regiões ou de outros continentes, essas mídias nos permitem produzir conhecimento, possibilitando-nos abandonar, assim, a passividade de apenas recebermos informações, ou seja, “em vez de ser receptores passivos da cultura de massa nos tornamos criadores ativos de informações e sensibilidades que se adaptam exatamente as nuances de quem somos e a imagem em que queremos formar nós mesmos” (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 201).

Quanto à multiplicidade de linguagens abordadas nos multiletramentos, esta vai além do binômio língua falada/língua escrita, embora cada uma dessas modalidades apresentem outros elementos semióticos em sua natu reza constitutiva. Mesmo quando nos utilizamos apenas do texto verbal impresso, a escrita recorre a outros elementos para produzir efeitos de sentido, por exemplo, o tamanho da fonte e seu tipo, letras em negrito, itálico, repetição de maiúsculas, espaços vazios etc.

O mesmo ocorre em relação à oralidade, ainda que seus elementos multissemióticos tenham natureza distinta do impresso. Enquanto expressamos nossos pensamentos, ideias, convicções, revoltas etc., nosso corpo fala através de gestos, de nuanças no tom de voz, movimentos corporais, movimentos oculares, criando um misto semiótico que permite nos comunicarmos, às vezes, com apenas um simples balançar de cabeça, um apertar dos lábios ou um desviar do olhar.

A perspectiva multimodal engendrada pelos mu ltiletramentos é influenciada pelos estudos da Semiótica que leva em consideração uma série de outros elementos, como ícones, símbolos, índices, sons, imagens (móveis, estáticas), que são utilizados para produzirem sentidos que vão além do código verbal oral/escrito nas mais diversas mídias. É o que esclarecem Cope e Kalantzis (2000, p. 203), ao observarem que “o significado é feito de maneiras cada vez mais multimodais - nas quais os modos de significado da linguagem escrita interagem com os padrões de significado visual, áudio, gestual e espacial”.

Para Dionísio (2014, p. 42), “o que faz com que um modo seja multimodal são as combinações com outros modos para criar sentidos”. Exemplo disso é que, atualmente, imagens, vídeos e sons são acrescidos ao texto verbal escrito, ampliando as possibilidades de se produzir conhecimento e entretenimento. Cada semiose fala e se relaciona com o todo, criando um campo semântico polifônico, graças à natureza complexa e interativa das mídias digitais. Inúmeros são os exemplos, seja nas ruas ou nas redes sociais, lemos e produzimos textos que se interagem com outras linguagens. Assim como Rojo e Moura (2012, p. 24), entendemos que “essa característica fundante da própria concepção da mídia digital permitiu que, cada vez mais, a usássemos mais do que para mera interação, para a produção colaborativa”.

Cotidianamente, vemos anunciantes tentando convencer os consumidores a comprarem seus produtos/serviços, explorando no texto uma diagramação que mistura o código verbal falado/escrito com músicas e imagens em movimento ou

imóveis, por meio de recursos tecnológicos que ofertam uma infinidade de possibilidades de combinação de linguagens.

Através de aplicativos no próprio celular ou no computador, por exemplo, editamos imagens, fazemos sobreposições de fotos, colocamos legendas e socializamos nas mídias sociais disponíveis. Navegamos livres na web, pesquisando diferentes assuntos ofertados pela dinâmica de links dos hipertextos. Interagimos de modo mais democrático nas redes, pois temos nas nuvens todo o saber negado por séculos em terra. Temos a nossa disposição inúmeras vozes e ferramentas. Essas ponderações se alinham ao pensamento de Rojo e Moura (2012, p. 25), quando afirmam que:

Evidentemente, a estrutura em rede e o f ormato/f uncionamento hipertextual e hipermidiático f acilitam as apropriações e remissões e f uncionam [ ...], por meio da produção, cada vez mais intensa, de híbridos polif ônicos. E claro: para permitir a colaboração, a interação e a apropriação dos ditos “bens imateriais” da cultura, o ideal é que tudo funcione nas nuvens, pois, nas nuvens, nada é de ninguém – tudo é nosso (ROJO; MOURA, 2012, p. 25).

Essa perspectiva de multiletramentos nos leva a repensar as práticas de ensino e o próprio currículo escolar. Enquanto os mundos de multiletramentos se proliferam na vida social, a escola fecha as portas para os novos modos de ler e escrever, fazendo da sala de aula uma pequena “caverna”, ao engendrar um discurso de incluir os alunos no mundo digital, sendo que eles já estão totalmente mergulhados nas mídias digitais.

Assim, entendemos que a escola é que precisa, de fato, incluir-se nesse novo mundo, aproximar-se das práticas comunicativas discentes, abordar essas novas formas de interação verbal e não ficar indiferente aos benefícios da cultura tecnológica (vide subtópico 3.1.2), de tal maneira que possa ajudar os alunos a serem produtores e consumidores digitais mais críticos, propiciando o que Rojo e Barbosa (2015, p. 135) sugerem: “experiências significativas com produções de diferentes culturas e com práticas, procedimentos e gêneros que circulam em ambientes digitais”.