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1 INTRODUÇÃO

3.2 Projetos de letramento

3.2.2 Projetos de letramento e gêneros textuais

Por meio da linguagem, temos possibilidades de nos comunicarmos, expressarmos nossas vontades, emoções, dores, revoltas, ideias, objetivos, conhecimentos, memórias e sonhos. Parece que nos tornamos diferentes dos demais animais, quando a usamos. Ela nos ajuda a construir o mundo social e atribuir sentidos a ele, como afirma Bazerman (2015, p. 205):

A linguagem f acilitou a criação de culturas e sociedades locais, mas o letramento tornou possíveis as grandes estruturas de modernização que distribuem conhecimento, orientação e atividades p or distâncias maiores d o que se pode imaginar, f omentando uma maior complexidade do comportamento, bem como uma maior coordenação para suportar essa complexidade (BAZERMAN, 2015, p. 205).

Partindo dessas observações, a linguagem verbal assume lugar de destaque nesse processo comunicativo entre os homens e na construção de sentidos sociais, pois a utilizamos de maneira sociointerativa, diariamente, com múltiplas intenções e objetivos. Muitas teorias tentam compreender esse caráter complexo da língua, partindo de diferentes pontos de vista. Atento a esse fato, não nos cabe aqui explorar tal pluralidade teórica, mas lembrar que defendemos uma perspectiva na qual o entendimento da língua (falada ou escrita) e o trabalho com ela estejam voltados para seus usos sociais, embora não descartemos seus aspectos formais.

A comunicação humana se efetiva, de acordo com Marcuschi (2008, p. 58), por meio desses usos da linguagem tecidos, exatamente, pelos gêneros textuais, de tal modo que:

[...] é impossível não se comunicar verbalmente que não seja por algum gênero, assim como é impossível não se comunicar verbalmente por um texto. Isso porque toda a manif estação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero.

Esse embasamento teórico justifica a nomenclatura adotada nesta pesquisa ao se referir aos gêneros como gêneros textuais que, segundo o autor referido, são conceituados como:

[...] textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e q ue apresentam padrões sociocomunicativos característicos def inidos por composições f uncionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de f orças históricas, sociais, i nstitucionais e técnicas [...] são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas [...] são f ormas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas (MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Ao voltarmos nossos olhares para as constantes transformações históricas ao longo dos séculos, podemos observar que o homem, ao longo do tempo, construiu um universo social completamente diferente. É de fácil conclusão, atribuirmos à comunicação verbal (gêneros textu ais orais ou escritos) o sucesso dessas empreitadas em busca de sobrevivência, poder e construção cultural. Hoje, na pós-modernidade, os múltiplos gêneros textuais existentes são construções sociais recentes que atendem às necessidades da realidade social vigente.

Concluímos com isso que os gêneros textuais são construções históricas; surgem (em números ilimitados) e desaparecem de acordo com as demandas sociais, isto é, eles estão fortemente atrelados ao contexto no qual se realizam as atividades humanas (MARCUSCHI, 2008). Por essa natureza, de acordo com o linguista, eles não devem ser entendidos “[...] como modelos estanques, nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas de modo particular na linguagem, temos de ver os gêneros como entidades dinâmicas” (MARCUSCHI, 2008 p. 156).

Para este estudioso, Marcushi (2008), os gêneros são concebidos como entidades comunicativas nas quais prevalecem os aspectos relativos às funções, aos propósitos comunicativos, às ações e aos conteúdos, ou seja, n ão são entidades formais que se bastam em si mesmas.

O domínio dos gêneros textuais transcende à ideia de comunicação e informação; significa, muitas vezes, poder e controle social. Vivemos, inseridos em um meio social que exige de nós o entendimento de mu itas práticas comunicativas nas mais distintas esferas da sociedade. Assim, o professor, o padre, o juiz, o cientista, o médico, os vendedores, entre outros, só realizam suas atribuições profissionais porque dominam os gêneros pertencentes aos discursos das áreas em que atuam. O acesso ao mundo jurídico, pedagógico, religioso etc. efetiva-se por meio do uso competente dos gêneros textuais. Diante disso, fica fácil concluir o que acontece normalmente com quem não sabe ler ou não faz uso satisfatório das práticas comunicativas verbais – a própria cidadania desses indivíduos fica subjugada.

Sendo assim, é notório o destaque dos gêneros, atualmente no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam que sejam o suporte basilar para o ensino da língua no cotidian o escolar. Porém, o fato é que, na sala, muita incompreensão teórica se faz presente, e os gêneros muitas vezes são usados, de maneira descontextualizada, como desculpa para efetivar velhas práticas que se limitam a análises estruturais e prescritivas. Nesse sentido, é recorrente o uso de poemas, contos, piadas, cartas etc. tão somente para identificarmos o sujeito, o complemento verbal e coisas afins ou/e alisarmos uma lista de características de cada gênero trabalhado. Dessa maneira, o poema perde o encan to, a piada não causa riso, o conto não conta nada, a carta não tem destinatário etc. Enquanto isso, fora da escola, tudo que é escrito parece cumprir uma função social com objetivos práticos: as placas evitam acidentes, as cartas viajam e informam, o poema encanta o muro cinza, a bula orienta o enfermo, as mensagens das redes sociais garantem informações em tempo real, ou seja, são as mais distintas práticas de leitura e escrita que atendem às demandas sociais da pós-modernidade fortemente influenciadas pelas novas tecnologias.

Para Oliveira (2009), os usos da leitura e da escrita têm fu nções e objetivos diversos que variam de acordo com a complexidade da vida social. Estão, por isso,

atrelados aos letramentos múltiplos. Por essas questões, cabe à escola repensar o ensino com gêneros, porque, ainda de acordo com a autora, “consumir e saber produzir os inúmeros textos que se distribuem nos mais variados contextos sociais significa não apenas ter acesso a essas práticas comunicativas mas também uma forma de poder que é negada a muitos” (OLIVEIRA, 2009, p. 6).

À luz dessa teoria, os gêneros são os mediadores do letramento. Eles dependem dos papéis que seus usuários desempenham nas práticas comunicativas. Baseado nesse pensamento, adotamos uma perspectiva de letramento na qual os gêneros são utilizados pelos alunos como ferramenta útil “de agir no mundo” ou como finalidade de “fazer uso de determinadas práticas que lhe convêm em termos da necessidade comunicativa” (OLIVEIRA, 2009, p. 15).

Em razão disso, o processo de ensino e aprendizagem no PL se dá “com os gêneros e não sobre os gêneros”, aqui compreendidos como “elementos estruturadores da vida social” (OLIVEIRA, 2009, p. 14). Eles são utilizados como ferramentas de comunicação para atingir os propósitos estabelecidos pela comunidade de aprendizagem. Isso supõe ir além dos gêneros canônicos do sistema educacional, pois a leitura e escrita são inseridas na “vida real”.