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1 INTRODUÇÃO

4.2 Um olhar sobre os usos sociais da língua na construção de diálogo entre

4.2.3 Práticas de letramento e afetividade

Dentre as inúmeras tentativas de entender a amplitude humana, por muito tempo, perduraram concepções dualistas que concebem as pessoas como seres divididos entre razão e emoção, como se os indivíduos fossem moldados por dimensões independentes que os faziam ora pensar, ora sentir.

Levando para campo pedagógico, defender essa perspectiva é acreditar que os alunos aprendem independentemente das implicações que afetam seu estado emotivo ou do tipo de relação que é estabelecida entre o discente, o professor e o objeto do conhecimento.

Porém, de encontro a essa abordagem separatista, mu itos estudos, principalmente na área da psicologia, revelaram ser impossível tal cisão, pois admitem que a razão e a emoção sejam faces da mesma moeda, isto é, se manifestam de maneira interdependente, conforme defende Tasson i (2013, p. 528) ao assegurar que:

Em se tratando de situações de ensino e aprendizagem, as experiências que evocam sentimentos agradáveis podem marcar de maneira positiva os objetos culturais. Portanto, as relações entre aluno, prof essores, conteúdos,

livros, escrita etc. não acontece puramente no campo af etivo (TASSONI, 2013, p. 528).

Em face dessa pluralidade de olhares, nós assumimos uma perspectiva monista para a qual a cognição exerce um papel basilar na construção do saber assim como a afetividade, aqui compreendida, segundo (WALLON, 1995 apud TASSONI, 2013, p. 525), como “uma gama de manifestações, revelando a capacidade do ser humano de ser afetado, pelos acontecimentos, pelas situações, pelas reações das outras pessoas, bem como por disposições internas do próprio indivíduo” (WALLON, 1995 apud TASSONI, 2013, p. 525).

A construção do conhecimento nesse processo se edifica, segundo Vigotsky (1991 apud TASSONI, 2013, p. 527), “a partir de um intenso processo de interação entre pessoas”, isto é, entre o sujeito e o objeto do conhecimento cuja relação é mediada por sistemas simbólicos constituídos socialmente. Assim, sem interação não há desenvolvimento amplo do ser humano.

Em virtude disso, uma boa interação entre o sujeito e o objeto se torna indispensável para que a aprendizagem seja satisfatória, pois, caso sejam promovidas práticas que afastem o sujeito do objeto, a aprendizagem não se efetivará com sucesso. Por tais razões, não podemos descartar o caráter afetivo das mediações nesse processo.

Na rotina escolar, as ações pedagógicas são orientadas, quase sempre, pelo livro didático que, normalmente, apresenta uma realidade alheia ao mundo discen te, favorecendo a edificação de um abismo entre os componentes curriculares e os dilemas que afetam diretamente a vida dos alunos.

Enquanto os alunos deixam reprimidas suas angústias, sonhos, interesses, curiosidades e dilemas, a lousa exibe orações subordinadas substantivas subjetivas, apagando os sujeitos e reduzindo o ensino da língua materna a um infinito de inocuidade verbal, pois os conteúdos não têm densidade, corpo, corroborando o posicionamento de Corrêa (2019, p. 5) ao afirmar que:

a porta de entrada representada pelos objetos de ensino se f echa sempre que eles são submetidos ao ef eito de descorporif icação dos conceitos ou quando os instrumentos didáticos tomam o lugar dos objetos de ensino, ocasião em que, ao aluno, cabe apenas repetir (CORRÊA, 2019, p. 5).

Os dados apontam que principiar nossas atividades ouvindo os anseios da turma tem estreitado, consideravelmente, as distân cias entre os alunos e o objeto de conhecimento, proporcionando-lhes um sentimento de pertencimento à sala de au la enquanto comunidade de aprendizagem e inserindo-os em um contexto real. Porém, dar voz aos alunos não foi suficiente para termos uma aprendizagem mais afetiva, positiva e engajada. Foi necessário assumirmos abordagens de ensino mais democráticas e dinâmicas, amparadas por práticas de linguagens que assumiram um papel de destaque, instigando o interesse e o protagonismo dos alunos.

Pudemos notar que a substituição da passividade das aulas expositivas por ações mais colaborativas, atuantes e altruístas ecoaram nas falas dos alunos e os inseriram no centro das ações, fomentando a construção de uma relação mais interativa e empática, pois ninguém se fez dono da verdade, caminhamos juntos, pesquisando, debatendo, socializando, isto é, mobilizando recursos em prol de um bem comum.

A pesquisa revelou que o espírito coletivo anulou o clima de competitividade dominante na sala de aula, na qual as notas separam os “bons” dos “maus”. Isso criou um ambiente onde os alunos se sentiram mais à vontade, desbloqueados e confiantes em participar das tarefas.

Observamos práticas de leitura mais en gajadas referentes à vida dos alunos e aos aspectos culturais e históricos da comunidade, produzindo efeitos de caráter prático. Ler tornou-se algo mais prazeroso e envolvente, pois naquilo que liam havia sentido.

Ainda que pareça ser uma constatação óbvia afirmar que “é difícil ler coisas que não achamos interessantes”, como o faz Bazerman (2006, p. 45), pudemos ver nessas atividades de leitura a riqueza do “fazer-sentido” para o aluno, pois, à proporção que os discentes se engajavam no projeto e se sentiam “úteis”, mais naturalizadas e instigantes eram as atividades leitoras, corroborando o que Bazerman (2006, p. 48) defende “a leitura é mais imediata e profundamente interessante se os alunos veem uma conexão entre o texto e alguma tarefa em que estão engajados ou entre o texto e algum assunto sobre o qual estão pensando no momento” (BAZERMAN, 2006, p. 48).

Ler tornou-se para os alunos uma maneira de apreenderem a si mesmo e ao mundo, de buscarem respostas para as dificuldades, de se posicionarem, de atuarem em prol do projeto e de exercerem su a cidadania.

Efeito semelhante identificamos nas produções textuais e artísticas desenvolvidas, uma vez que a empolgação presente nas atitudes dos alunos viabilizou práticas de escritas mais colaborativas em que o ato de escrever não mais se mostrou como um bloqueio. O interesse em dar uma resposta àquilo no qual acreditavam dirimiu eventuais dificuldades. A razão e a emoção contribuíram significativamente para o processo de desenvolvimento discente e para a atuação social.

Como mostram os dados, foi notória a felicidade instigando ações positivas. Mesmo em período de avaliações finais para uns e até mesmo de férias para outros, a participação foi unânime e efetiva. O fato é que muitas dificuldades foram superadas porque houve interesse, respeito às diferen ças, às limitações e às habilidades discentes.

Exploramos habilidades artísticas e tecnológicas que fizeram aparecer os múltiplos talentos existentes na sala de aula. Isso funcionou como um estímulo favorável e indispensável para a construção do memorial e o aumento da autoestima dos envolvidos, como revelam os comentários de JE, FA e RE respectivamente: [...] esse projeto fez eu me sentir uma outra pessoa, participante, presente; [...]; essa experiência foi única. Saber que vou ajudar de alguma forma na preservação é muito bom; [...] me senti importante.

Depois de realizadas todas as ações, os alunos não foram postos em silêncio, em tensão, em filas para serem avaliados, foram à tribuna interagir com a comunidade. Essa situação nos levou a uma reflexão sobre como é importante repensarmos nossas práticas avaliativas e como foi útil para os leitores superarem o medo de interagir com o público, aumentando assim a autoconfiança.

As ações evidenciaram um clima [...] bem divertido [...] (NA) pelos corredores: alunos dançando, cantando com o sorriso largo, visivelmente, orgulhosos de terem colaborado genuinamente para a preservação da cultura local, pois, em cada centímetro estruturado, havia uma digital dos alunos; em cada detalhe, a própria imagem discente refletia: pintura, desenhos, os textos, a ornamentação.

As apresentações da culminância foram encerradas com os próprios alunos superando a timidez e se lançando de corpo e alma no ritual do Boi -Surubim guiados pelo mestre Luís e seus parentes.

Acreditamos que a adoção de uma abordagem mais integral dos alunos tenha contribuído para que os próprios discentes se aceitassem melhor e desenvolvessem suas múltiplas habilidades e talentos, amiudando as distâncias entre a turma e os problemas efetivos da comunidade.

Portanto entendemos que a escola não pode estar alheia à amplitude humana e ignorar práticas pedagógicas que incitem interações mais afetivas, visto que, de acordo com Silveira (2020, p. 5), o “afeto é essencial para todo o funcionamento do nosso corpo nos dando coragem, motivação, interesse, e contribuindo para nosso desenvolvimento”.