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2. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS

2.1 Linguística Aplicada e transdisciplinaridade

O arcabouço teórico central deste trabalho é estruturado com base na Teoria da Relação com o Saber (CHARLOT, 2000; 2001; 2005), a qual se insere na área da Sociologia da Educação. Por sua vez, para composição dessa teoria, Charlot se baseou em fundamentos e conceitos da Teoria da Atividade (LEONTIEV, 1978; 1984), proveniente da área da Psicologia Histórico-Cultural. Deste modo, a presente pesquisa, que se enquadra na área da Linguística Aplicada (LA) ao ensino-aprendizagem de língua estrangeira (LE), uma vez que analisa o processo de atribuição de sentido à língua inglesa e sua aprendizagem, possui caráter transdisciplinar, por buscar respaldo teórico em outras áreas do conhecimento, além da LA. Portanto, consideramos relevante tecer algumas reflexões sobre LA e transdisciplinaridade.

A linguística aplicada, como apontam Menezes, Silva & Gomes (2009: 26), nasceu como disciplina voltada para os estudos sobre ensino de línguas estrangeiras e, atualmente, se

configura como área imensamente produtiva, responsável pela emergência de uma série de novos campos de investigação transdisciplinar e de novas formas de pesquisa.

No livro Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar, Moita Lopes (2008a) reúne artigos de renomados linguistas – Pennycook, Rampton, Kumaravadivelu, Rajagopalan, Signorini, Cavalcanti, Rojo, entre outros – que discutem a construção de uma linguística aplicada (intitulada por Moita Lopes de LA mestiça) que dialogue com teorias que atravessam o campo das ciências sociais e das humanidades. Esses autores compartilham

[...] a necessidade de atentar para teorizações extremamente relevantes nas ciências sociais e nas humanidades que precisam ser incorporadas à LA. Tais teorizações [...] se prendem principalmente a compreensões referentes à natureza do sujeito social, advindas de uma problematização dos ideais modernistas, que têm implicações de natureza epistemológica. (MOITA LOPES, 2008c: 15)

Moita Lopes (2008c) ressalta a importância de construirmos novos direcionamentos e paradigmas para teorizar e fazer LA. De acordo com o autor, por ser uma área de pesquisa aplicada cujos estudos são centrados no contexto no qual as pessoas vivem e agem, a LA deve

considerar a compreensão das mudanças relacionadas à vida sociocultural, política e histórica que elas experienciam (MOITA LOPES, 2008c: 21). Desse modo,

[...] a LA precisa dialogar com teorias que têm levado a uma profunda reconsideração dos modos de produzir conhecimento em ciências sociais, na tentativa de compreender nossos tempos e de abrir espaço para visões alternativas ou para ouvir outras vozes que possam revigorar nossa vida social ou vê-la compreendida por outras histórias. Isso parece ser imperioso em uma área aplicada, que, em última análise, quer intervir na ou falar à prática social. [...] (MOITA LOPES, 2008c: 23)

Para o autor, a transdisciplinaridade oferece alternativas para pesquisas no campo da LA que refletem visões de mundo, ideologias e valores de seus proponentes, e por isso, politizar

o ato de pesquisar e pensar alternativas para a vida social são parte intrínseca dos novos modos de teorizar e fazer LA (MOITA LOPES, 2008c: 22). O autor propõe uma agenda para a

LA que tenha como prioridade a renarração da vida social tal qual ela se apresenta, o que estaria diretamente relacionado à necessidade de compreendê-la. Isso, de acordo com o autor, é fundamental para que o linguista aplicado possa situar seu trabalho no mundo, em vez de ser

tragado por ele ao produzir conhecimento que não responda às questões contemporâneas em um mundo que não entende ou que vê como separado de si como pesquisador (MOITA LOPES,

2008b: 90).

Dessa forma, Moita Lopes (2008b) sustenta que os limites da LA estão se expandindo e defende uma LA que precisa ter algo a dizer sobre o mundo como se apresenta e que o faz

com base nas discussões que estão atravessando outros campos das ciências sociais e das humanidades (MOITA LOPES, 2008b: 96). Citando Klein (1990), o autor aponta que,

atualmente, o conhecimento tem sido reestruturado, com a criação de ‘campos híbridos’, ‘com

cada vez mais empréstimos entre as disciplinas’ e ‘com uma permeabilidade crescente entre as fronteiras’ (MOITA LOPES, 2008b: 98). Ao compreender que a LA está localizada nas

ciências sociais, o autor declara que ela precisa participar das discussões em tais campos, sendo fundamental sua proximidade de áreas que focalizam o social, o político e a história. Assim, para que seja possível construir conhecimento que seja responsivo à vida social, é necessário

entendamos a LA como área híbrida/mestiça ou área da INdisciplina (MOITA LOPES, 2008b: 97).

Em artigo apresentado no livro supracitado de Moita Lopes, Rojo (2008) também apresenta reflexões acerca do tema LA e transdisciplinaridade, focando no fazer LA em perspectiva sócio-histórica, e sustenta que a LA mais recente – em especial em sua vertente sociocultural ou sócio-histórica – procura enfrentar e modificar a precariedade da existência em sociedade ou a privação sofrida por sujeitos, comunidades, instituições (ROJO, 2008: 254).

Em meados da década de 1980, declara a autora, a LA passa a querer-se interdisciplinar, ao buscar bases na psicologia (em geral, cognitiva) e na psicolinguística (do processamento; da aquisição), antes advindas exclusivamente da linguística. Por conseguinte, campos diversos como a sociologia, a antropologia, a etnografia, e a sociolinguística, entre outros, passaram a fornecer bases para a compreensão dos processos investigados. De acordo com Rojo (2008: 255),

[...] esse movimento interdisciplinar de empréstimos é fundamental para a emergência de muitos dos enfoques atuais em LA, que vão buscar em outras disciplinas seus fundamentos e métodos. No caso da perspectiva sócio- histórica ou sociocultural, é na psicologia de Vygotsky e de seus seguidores que pesquisadores em LA, voltados, sobretudo para as políticas linguísticas e o ensino de línguas, vão buscar seus instrumentos iniciais de reflexão.

Nessa perspectiva, o sujeito atemporal e a-histórico cede lugar para o sujeito sócio- histórico e, nesse processo, novos objetos de pesquisa passam ao campo de abrangência da LA

e, logo, novas relações com novas disciplinas e teorias emergem (ROJO, 2008: 256). Desse

modo, se no passado discutia-se a identidade da área de LA em relação às suas fronteiras com a linguística, hoje se discute e se reconhece seu caráter transdisciplinar em suas relações com a educação, a psicologia, a sociologia, entre outros.

Rojo (2008) afirma que, de acordo com discussões mais recentes na área, o fazer do linguista aplicado abrange: entender, explicar ou solucionar problemas contextualizados, socialmente relevantes; aprimorar soluções existentes; e produzir resultados pertinentes e significativos, de conhecimento útil a sujeitos sociais em um contexto de aplicação (escolar ou não-escolar).

Na mesma linha de pensamento, Damianovic (2005) considera que, desde o início do novo milênio, o linguista aplicado está mais crítico e sensível às preocupações sociais, culturais

e políticas. Tal percepção vai ao encontro da visão que Rajagopalan (2003) possui, ao afirmar que o linguista aplicado pode ser considerado um pedagogo crítico, pois é

[...] um ativista, um militante, movido por certo idealismo e convicção inabalável de que, a partir da sua ação, por mais limitada e localizada que ela possa ser, seja possível desencadear mudanças sociais de grande envergadura e consequência. (RAJAGOPALAN, 2003: 106 apud DAMIANOVIC, 2005: 191)

Isso significa dizer, de acordo com Damianovic (2005: 191), que os linguistas aplicados passaram a assumir posturas morais, políticas e críticas a fim de tentar melhorar e mudar um

mundo estruturado na desigualdade; seu interesse, hoje, é pesquisar fenômenos sobre os quais

os estudos possam trazer mudanças para a realidade.

A mesma perspectiva é defendida por Rajagopalan (1997) em “A prática da linguística e a linguística da prática: um depoimento pessoal”, quando o autor propõe a ideia de “indisciplinaridade” na LA, que significa, para ele, o desejo de trabalhar novas questões ou até mesmo velhas questões sob novas perspectivas (RAJAGOPALAN, 1997: 5). Já Pennycook (2008), propõe uma LA transgressiva, que vá além do conceito de uma disciplina fixa, para se tornar uma disciplina que gera teoria por si mesma. O autor argumenta que as disciplinas não

são estáticas, domínios demarcados de conhecimento aos quais pedimos emprestados construtos teóricos (PENNYCOOK, 2008: 72); ao contrário, defende que as disciplinas são

domínios dinâmicos de conhecimento, e que

[...] o trabalho multidisciplinar deve ser entendido não como se estivéssemos sentados à mesa da LA com um menu fixo e escolhendo o que comer (devemos começar com uma tigela de linguística e, a seguir, tentar psicologia como prato principal?), mas, ao contrário, como se estivéssemos naquele momento em um restaurante quando se está examinando o menu e um prato quente e aromático voa em nossa frente nas mãos de um garçom e me pergunto: o que estão comendo? Interdisciplinaridade tem a ver com movimento, fluidez e mudança.” (PENNYCOOK, 2008: 73)

Para concluir a reflexão proposta nesta seção, justificamos a escolha do arcabouço teórico e ressaltamos a relevância de termos adotado uma abordagem transdisciplinar neste estudo, uma vez que os saberes advindos das outras áreas nas quais buscamos respaldo teórico, a saber, da Sociologia da Educação e da Psicologia, se relacionam com os da LA e os completam, tornando tal metodologia pertinente para atingirmos os objetivos de pesquisa, que consistem em analisar a maneira como as relações com o saber delineiam-se no âmbito escolar,

e mais especificamente, desvelar sentidos que se instituem nesse contexto, quando sujeitos se engajam em processos de aprendizagem da língua inglesa.

Passamos em seguida, a discorrer sobre a natureza deste trabalho.