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Little Nemo in Slumberland (1905-1914) de Winsor McCay

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 191-193)

Esta série de autoria de Winsor McCay,6 considerada como paradigmática,

foi publicada em praticamente todas as línguas ocidentais. (PATATI; BRAGA, 2006) Início de uma sofisticação visual das HQs e com influência do cinema de animação, esta obra é marcante na concepção gráfica das HQs, quando os cená- rios começaram a ganhar cada vez mais sofisticação e detalhamento, enquanto os personagens seguiam a tendência inversa.

Cada episódio de Nemo era apresentado em uma página, pois seguia o formato da época sendo integrante de um suplemento de jornal. Ao atentarmos para a composição de cada página de McCay, podemos perceber que a cada episódio ele construía outra cidade de Slumberland. Era uma invenção após a outra, fazendo de Slumberland não uma, mas um universo de outras cidades, diferentes a cada visita de Nemo.

Nemo é um garotinho que sonha com Slumberland a cada noite e, a cada sonho, ele vive uma aventura em um ambiente diferente. McCay trabalhava cada página/episódio com muito detalhismo, fazendo da própria página uma densa composição. Tomamos essa obra como inicial por McCay ser o primeiro artista das HQs a dar grande importância para a construção das cidades, à composição do “cenário” que se (re)criava a cada publicação. A qualidade do desenho e da arquitetura criada por McCay, como foi ressaltado por Moya (1970, p. 41), impressiona. O autor chegou a desenvolver visões de perspectivas grande Voadores Balões, aves-trans-

porte, aviões, incluindo o modelo do 14 Bis, dirigíveis, cavalos alados, trenó de Papai Noel, bolhas de sabão, dra- gões, seres alados de Marte...

Ilha Slumberland por vezes

torna-se uma ilha, uma cida- de flutuante.

Vertical Torres e edifícios

são os elementos verticais da cidade de Slumberland. As altas torres são interligadas por inúmeras passarelas e viadutos, indicando o multi- nivelamento da cidade.

Ser desejante Nemo torna-se

o ser desejante em Shantytown, transformando a favela e a população de miseráveis. Os mais pobres tornam-se habi- tantes saudáveis e distintos, todas as crianças tornam-se príncipes e princesas.

Trilogia das utopias urbanas 123b

angulares, antes da invenção destas lentes, técnica que a fotografia e cinema só alcançaram mais tarde.

Nemo é considerado como um dos melhores quadrinhos de todos os tempos

não só pela qualidade extrema dos espaços criados por McCay, mas também pela complexidade e criatividade na concepção das histórias, demonstrando através de desenhos fantásticos o mundo dos sonhos do pequeno garotinho Nemo. Todos os estilos arquitetônicos são reproduzidos minuciosamente com todos os seus detalhes, arquiteturas fantásticas são criadas, e Slumberland torna-se uma cidade que se transforma a cada visita. Com escala colossal, McCay cria uma cidade repleta de palácios, cúpulas, domos e torres marcam o skyline desta cidade cortada por amplas avenidas, grandes praças redondas e esplanadas. Com base na arquitetura clássica e traços de art nouveau, ele cria elementos arquitetônicos em ferro e vidro, grandes e extensas colunatas, inúmeros e repetitivos corredores, ambientes simétricos, grandes arcos demarcando perspectivas, formando uma rica e complexa cidade.

Em outras visitas, Slumberland é mostrada como uma ilha selvagem, habitada por tribos canibais, com cabanas no topo das árvores acessadas por elevadores suspensos por imensas serpentes. A cidade como ilha volta a surgir numa com- posição urbana marcada por torres repetidas e pela arquitetura de traços vene- zianos. Com inspiração onírica, McCay cria inusitados componentes para suas cidades como pontes sustentadas por imensas estátuas de palhaços e escadarias sem fim levam a lugar nenhum. São muitas as cidades em Slumberland: cidades feitas de gelo, doces e sorvetes, cidades de vidro e espelhos, cidades de cabeça para baixo, cidades marcianas onde tudo é repetido, cidades móveis onde os prédios têm suas próprias pernas, cidade como um grande circo, cidades repletas de palácios e monumentais construções, cidades flutuantes, cidades submersas, cidades suspensas, cidades de arranha-céus, tudo isso ao cruzar um enorme portal de grades douradas que dá acesso a Slumberland, a cidade dos sonhos.

As críticas apresentadas por McCay não eram radicais, nem suas utopias urbanas apresentavam visões apocalípticas. Suas composições vinham como ressonâncias de uma profunda reflexão sobre os acontecimentos como também sobre a miséria urbana, sobre os aspectos negativos da vida nas cidades. McCay associava a crítica social a uma expressão criativa através de ambientes

Tipias em Flash Gordon

Ilha A cidade fortaleza de

Ming figura como uma ilha em meio à densa floresta de Arbórea.

Vertical Torres são elementos

marcantes em todas as ci- dades do planeta Mongo.

Geometria As linhas, planos

e volumes revelam a compo- sição geometrizada da cida- de e da arquitetura.

Voadores Naves, foguetes e

submarinos voadores circu- lam por Mongo e pelo espaço.

Vanguarda Podemos aproxi-

mar a arquitetura das cidades de FLASH GORDON às linhas vanguardistas dos futuristas e dos arquitetos visionários.

minuciosos, o que causava muitas vezes um grande choque – como foi o caso do episódio Shantytown7 –, fazendo desta associação uma forma bastante eficaz e rara

de crítica durante este período. Shantytown foi um marco na estrutura temática de

Little Nemo. Neste episódio, McCay deixou aflorar um direto racionalismo crítico,

raro em suas HQs, mas presente em seus cartoons de cunho político, que chegaram a ser considerados como verdadeiros manifestos. (PEETERS, 1993) “A seqüência de Shantytown revela-se uma paragem ortodoxa, mas especialmente significativa no contexto de Little Nemo. Este tipo de crítica social teve um impacto na altura que ainda ressoa no presente”. (MCCAY; MARSCHALL,1989, p. 14)

A sequência de Shantytown é formada por 16 pranchas, sendo na primeira mostrada a visão de Nemo de uma cidade em ruínas. Essa cidade decadente criada por McCay é uma reação direta às condições que o envolviam, particularmente aos bairros degradados e superlotados da cidade de Nova Iorque, onde as pessoas viviam em condições insalubres.8 Nemo perambula por ruas degradadas, não

pavimentadas, ladeadas por construções arruinadas habitadas por miseráveis. Frente a toda esta dura situação, a todo este ambiente perturbador, com o auxílio de uma varinha de condão, Nemo passa a inverter a situação das pessoas e da cidade. Ele parte em um “carro turístico” – uma carroça quebrada transformada por ele em um veículo turístico – com alguns dos habitantes em um tour trans- formador pela cidade tornando as precárias ruas em belas avenidas, os terrenos baldios usados como área de lazer pelas crianças em extensos e arborizados jardins, os casebres de refugo e as construções condenadas em palacetes arejados e iluminados. A cidade densa e degradada vai sendo transformada por Nemo em uma bela cidade de linhas clássicas, com arcadas, colunatas, palácios, praças, esplanadas, fontes, um reino de felicidade, uma verdadeira eutopia.

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 191-193)