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Pequenos e grandes movimentos: atualizações encubadas e atualizações por contaminação

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 66-70)

Buscamos percorrer as criações de utopias urbanas por esco- lhidos campos da arte. Estas se aproximam não apenas pela criação comum – uma utopia urbana –, como também pela expressão através da invenção de imagens. O suporte utilizado pelo artista, seja este papel, película ou mais recentemente a “tela” do computador, proporciona liberdade ao ato criador como espaço aberto a toda forma de criação. Segundo Recht (2001, p. 26-27), duas propriedades da imagem fazem a expressão imagética ser cara às utopias: a promoção de uma forma de “materialização” do espaço abstrato e a separação bem clara entre a prática (construção física) e a invenção.1

Percebemos uma dinâmica estabelecida pelas criações das cidades utópicas e através desta dinâmica enxergamos relações, conexões que evidenciamos com a aproximação das imagens das utopias urbanas. Concentramo-nos, ao perseguir as utopias urbanas, nos (pequenos) movimentos dentro de cada campo de estudo (que chamamos de atualizações encubadas) e nos (grandes) movimentos que transbordam e perpassam os vários campos (que chamamos de atualizações por contaminação).

Acompanhamos a dinâmica das criações e das atualizações das utopias tendo como ferramenta as tipias.2

O que chamamos de atualizações encubadas são os pequenos movimentos, os gestos criadores dentro de um mesmo campo, são as expressões artísticas de mesma natureza. Esses gestos criadores são como posturas em um território, reativas e ressonantes ao ambiente que os circundam, gestos que constroem utopias urbanas. Dentro de cada campo artístico, a cada criação de uma utopia urbana, ocorre uma atualização, um devir-utopia que produz novas composições. Entendemos que o conceito de utopia é atualizado de acordo com a problemática do momento em que esta é criada, com o contexto vivido e que as cidades utópicas vão sendo compostas de acordo com cada presente que passa. As composições das utopias se conectam com o aqui e agora, com cada presente ao mesmo tempo em que se conectam com o pensamento utópico, com o fluxo de criação de uto- pias. A cada criação, as utopias urbanas fortalecem o pensamento utópico, se relançam e resistem, mostrando-se parte de um processo, de um pensamento.

A dinâmica das utopias urbanas se estende num grande movimento que atravessa os campos de criação. As utopias urbanas vão sendo criadas, como dissemos, conectadas ao seu presente e às outras criações utópicas em um pro- cesso de atualização, de diferenciação. Pequenos e grandes movimentos podem ser percebidos pela repetição dos gestos criadores de utopias urbanas que acon- tecem na literatura, urbanismo, HQs e cinema. Os grandes movimentos, que não reconhecem fronteiras, são tomados como atualizações por contaminação, em que são perceptíveis as conexões com as outras criações utópicas e juntam-se ao fluxo de criações do pensamento utópico. Ao cartografar as utopias urbanas, aproximando as imagens inventadas no urbanismo, HQs e cinema, buscamos evidenciar as trocas, as conexões e a contaminação de imagens que acontecem entre os campos e estes movimentos de volta, esta repetição, este ritornelo que acontece quando se muda de meio.

Há uma circulação de ideias tanto intracampo (pequenos movimentos), como extracampo (grandes movimentos). Muitas vezes, as criações de utopias urbanas estão lutando, reagindo contra um mesmo fato, um mesmo aconteci- mento, podendo assim surgirem ideias semelhantes, proximidades, e a expressão através de imagens as aproxima ainda mais, pois todo um repertório visual, toda

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uma bagagem ligada à imagem, assim como às utopias, torna-se visível. É pos- sível seguir um percurso pelas conexões entre as imagens criadas, tendo como fio condutor as tipias. Essa é outra forma de leitura do livro, perseguindo uma tipia por vez, acompanhando o ritornelo.

Com o avançar de cada trecho da utopografia estabelecido por uma tipia, fomos percebendo como estes componentes das utopias urbanas vão sendo (re)criados e como estes componentes perpassam por todos os campos, compõem diferentes imagens e diferenciam-se a cada nova invenção, a cada nova imagem utópica.

Para tanto, alguns marcos foram identificados em cada campo e a partir deles começamos nossos mapeamentos. Na literatura, berço das utopias, tomamos como marco fundador a obra Utopia, de Thomas More (1516). No campo literário, a palavra escrita é o modo de expressão e as suas primeiras utopias urbanas formaram um “repertório utópico” através de descrições de cidades de lugar nenhum. Estas descrições são as chamadas imagens primeiras. (LEFEBVRE, 2000) Obras literárias criaram as primeiras imagens utópicas (descritas) nas quais identificamos as primeiras tipias, estes componentes (descritos) das imagens das utopias urbanas. A cada nova criação, a cada nova utopia urbana, as tipias foram sendo (re)inventadas e outras foram sendo criadas. Estes componentes foram for- mando o mencionado repertório utópico, o conjunto de tipias e delineando o que chamamos de utopografia.3 Na literatura, por cinco séculos, pode ser percebido

este movimento que chamamos de atualização encubada, este movimento que se repete (diferente), este ato de criação (de utopias urbanas) sempre presente em que notamos uma apropriação e (re)criação das tipias a cada nova utopia urbana. Ao nos debruçarmos sobre os campos específicos, mostramos estes movi- mentos pequenos, esta atualização encubada que acontece em cada um destes. Desde já, a permeabilidade entre os campos da arte se anuncia quando percebemos que as tipias vão sendo apropriadas e (re)criadas por todos os campos da arte em questão (literatura, urbanismo, HQs e cinema). Estes componentes, primeira- mente descritos, tornam-se visuais ao serem apropriados pelos outros campos, já que estes possuem como principal meio de expressão a imagem. As tipias descritas tornam-se visuais, transpõem as descrições transformando-se em componentes visuais que contaminam as artes,4 desconhecendo limites entre estas artes, o que

Notas

1 Esta separação entre a materialização física e a invenção vem, ao longo dos últimos anos, tornando-se cada vez mais tênue, em consequência do acelerado desenvolvimento das técnicas e tecnologias que parecem buscar o hiperrealismo e o indiscernimento entre materialidade física e simulação computacional. 2 Nome que se aplica ao material de composição criado nas utopias. Elemento visual dinâmico componente

das imagens das utopias (definições elaboradas por nós e explicadas no tópico “Utopias”).

3 Como descrito no tópico “Utopografia e suas tipias”, as definições criadas para utopografia são: 1. Arte de cartografar as utopias urbanas; 2. Arte de compor com tipias.

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 66-70)