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Monumento Contínuo (1969-1970) de Superstudio

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 165-169)

Flash Gordon e Superman eram os novos ídolos de uma geração que estava furiosa, mas disposta a dissipar seus rancores com o caos hipertecnológico numa orgia psicodélica da efemeridade.80

(TAFURI, 1990, p. 383, tradução nossa)

O grupo italiano Superstudio desenvolveu suas ideias através da crítica e da ironia assim como o Archigram, inspiração confessa do grupo. Como os integrantes do Superstudio declaravam, suas criações eram um demonstratio per

absurdum, nas quais seguiam a lógica do discurso modernista até o seu desfecho

paradoxal baseados na resistência à situação sociocultural vivida. Eles acredi- tavam que esta atitude era uma forma de incursão de guerrilha, que resultaria ao menos no início da desconstrução do pensamento vigente da disciplina. (NATALINI, 2005, p. 29) Suas utopias, declaradamente negativas, eram apre- sentadas como um sinal, um aviso contra as consequências de certas direções seguidas pelo urbanismo e acreditavam no poder da imagem81 para alcançarem

seus objetivos.

Tipias em

Monumento Contínuo

Duplicata A estrutura se

repete em qualquer lugar. É composta pela repetição e associação de uma unidade mínima, um cubo e guiada por repetição equidistante de meridianos e paralelos.

Geometria O monumento

contínuo é formado por uma estrutura espacial (tridimen- sional) geometrizada.

Conector A cidade é o próprio

elemento conector, transpas- sando todo o globo terrestre.

Natureza A arquitetura do

monumento contínuo se ins- tala em meio à natureza “sem distinguir-se e apresenta-se como a únida alternativa: natura naturans e natura naturata”. (Superstudio, 1969)

Trilogia das utopias urbanas 97b Nós tentamos destruir o sistema existente para abrir caminho

para o estabelecimento de um novo sistema, livre de divisões, do colonialismo cultural, violência e consumismo. Nós estávamos perseguindo a utopia de um mundo livre e uma vida livre do trabalho, uma ‘vida sem objetos’. Projetos como o Monumento Contínuo e as Doze Cidades Ideais empregaram a ideia de utopia negativa. Outros, como o Histogramas, seguiram o caminho da racionalidade e do minimalismo, entre outros […].82 (NATALINI,

2005, p. 25, tradução nossa)

Em 1969, o grupo apresentou Istogrammi, um projeto associado a uma pes- quisa sobre o objeto desenvolvendo transposições e metamorfoses. Istogrammi consistia em vários diagramas tridimensionais construídos por superfícies homogêneas derivadas de uma unidade mínima: um cubo. Com isso, mostraram que toda e qualquer estrutura poderia ser gerada por esta unidade mínima: mobiliário, construções e até cidades. Era tomada como a solução para qualquer tipo de espaço ou forma, independente de qualquer contexto e antes disso, era a “destruição do objeto, a eliminação da cidade e o desaparecimento do trabalho”. O Istogrammi foi importante para o embasamento e desenvolvimento do mais conhecido projeto do grupo: o Monumento Contínuo. Na verdade, todos os projetos de Superstudio funcionam em conjunto. São todos produtos críticos que respondem aos mesmos questionamentos e que reagem à forma racional de intervenção e planejamento das cidades e à produção arquitetônica.

Monumento Contínuo83 foi elaborado pela combinação de duas tendências

vigentes no urbanismo na época: a tomada da tecnologia como solução para os problemas urbanos e a retomada dos monumentos em consequência de sua poderosa significação. O resultado foi uma série de imagens nas quais pode ser visto um imenso monumento mostrado como uma eficiente invenção tecnoló- gica. O Monumento Contínuo foi criado como uma estrutura capaz de cruzar o circundar o mundo, vencendo todo e qualquer território numa justaposição de cidade e natureza, como um novo layer criado, mantendo os layers existentes, como mostra a imagem New New York, na qual, por aberturas simétricas no monumento, escapam as torres da cidade.

O projeto trazia, além das fotomontagens e desenhos, uma série de vinhetas no formato sequencial das HQs, misturando linguagens de campos diferentes.

Elemento central O monu-

mento contínuo é um ele- mento único, conformando a cidade em um só corpo arquitetônico.

Massa diversa A população

da cidade de Superstudio é formada por pessoas que mantêm suas diferenças. As imagens são povoadas por grupos hippies, crianças, casais burgueses...

Nessas vinhetas, eles apresentam elaborações ligadas ao desenvolvimento da geometria, racionalismo, astronomia, a presença dos monumentos na história da humanidade e suas formas elementares para depois apresentar o percurso da concepção do projeto que parte do Gênesis (“No princípio, Deus criou os céus e a terra...”) até chegar ao Monumento Contínuo. Adotaram a ideia do homem nômade, sem residência fixa, sem amarras, perambulando pelo mundo sem qualquer tipo de posse ou razão para fixação. É uma visão de liberdade total associada ao urbanismo total traduzidos como o Monumento Contínuo.

A utopia urbana de Superstudio é um monumento, não há cidade. Estrutura abstrata e neutra é uma forma de total urbanização. As imagens evidenciam a repetição da mesma estrutura fria e colossal que percorre todo o planeta sem qual- quer diferenciação ou particularidade. É rigorosamente a repetição sistemática da mesma estrutura regular climatizada, racional, homogênea, estática, trazendo uniformidade ao mundo. O Monumento Contínuo é resultado da multiplicação infinita de um mesmo elemento mínimo, a mesma unidade mínima, o Isogrammi: o cubo. Mudam-se as paisagens, as formas, mas, mesmo com pequenas diferenças, o Monumento Contínuo permanece fundamentalmente o mesmo. Um projeto sem interior, sem funções definidas, sem equipamentos ou mecanismos. A utopia urbana de Superstudio resume-se a uma grande construção transparente e uni- forme que está em todos e qualquer lugar. O Monumento Contínuo é a redução da arquitetura e urbanismo a uma estrutura que se desenvolve a partir de uma malha cartesiana. “The techniques employed in liberating architecture involved its

rejection as a discipline, its isolation, and the destruction of its specific character, as a codified language”. (Cristiano TORALDO DI FRANCIA)

Nas Doze cidades ideais, o grupo se utilizou da forma literária associada a imagens, novamente misturando linguagens. Este produziu 12 contos, cada qual relacionado a uma cidade utópica. Cada cidade ideal funciona como uma máquina de habitação sob um sistema autoritário que governa a sociedade. A singulari- dade deste projeto reside na sua publicação em forma de crônicas, associadas às imagens no seio da disciplina. Cada cidade extrapola um mecanismo, ação, carac- terística ou componente comum à prática do urbanismo: zoning, industrialização da construção, uniformidade, integração exterior-interior, células de habitação, climatização etc. Algumas descrições são obscuras, violentas, como contos de

Trilogia das utopias urbanas 99b

terror, associadas a imagens plácidas, em que as cidades figuram como grandes estruturas justapostas a paisagens diversas ou flutuantes no espaço ou sobre mares e lagos. Como esta utopia urbana foi menos difundida e suas imagens são pouco conhecidas, seguiremos apenas com uma breve descrição de cada uma das 12 cidades criadas:

1. 2000-ton City: consiste em uma estrutura formada por muros ortogonais integrados formados por células cúbicas;

2. Temporal Cochlea-City: monolítica e cúbica, é uma cidade flutuante em meio ao oceano;

3. New York of Brains: é outra cidade cúbica, mas situada em meio a uma Nova Iorque devastada;

4. Spaceship City: como o próprio nome diz, é uma cidade/nave espacial, como uma estação espacial em forma de aro ligada a um núcleo esférico; 5. City of the Hemispheres: resumida a um plano de cristal transparente; 6. Barnum Jr’s Magnificent and Fabulous City: erguida sob uma enorme tenda

de circo azul e vermelha;

7. Continuous Production Conveyir Belt City: cidade móvel, nômade, que se espraia como uma serpente por novas terras.

8. Conical Terraced City: insular e circular rodeada por um imenso canal; 9. The Ville-Machine Habitée: cidade-máquina perfeita e autossuficiente,

formada por canos, mecanismos, conexões e tubos pneumáticos; 10. City of Order: aparentemente comum, comandada por um homem há 45

anos;

11. City of the Splendid Houses: conformada por quadras regulares e definidas por uma malha viária ortogonal, com belas casas isoladas no lote e tor- res sustentadas por balões de hélio;

12. City of the Book: formada por um conjunto de edifícios paralelos exata- mente iguais.

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 165-169)