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Yona Friedman

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 149-153)

Ville Spatiale foi a utopia urbana criada por Friedman, membro do Groupe

d’Etudes d’Architecture Mobile (GEAM),50 fugindo da imobilidade dos planos e

modelos, buscando coerência com a dinâmica cada vez mais acentuada do mundo contemporâneo. Opondo-se à tabula rasa, sua utopia urbana desenvolve-se no ar, suspensa sobre a malha urbana existente. É uma sobreposição de uma megaestrutura modificável à estrutura existente da cidade, com a capacidade de absorver o imprevisto e transformar-se de acordo com as variáveis necessidades. Segundo o próprio Friedman, a Ville Spatiale partiu do princípio de que as pessoas fazem as coisas a sua própria maneira e, por isso, é uma cidade sem regras, ela é incompleta, aberta para que as pessoas continuem a composição urbana de acordo com suas vontades; é a ideia social da cocriação, uma cidade criada pela população.51

Esta megaestrutura, formada por vários níveis independentes e sobre- postos, parte de uma unidade mínima52 semelhante a um bloco de encaixe, que

se repete formando aglomerações aéreas e dispostas de forma a atender as necessidades dos habitantes. Elevadores e escadas rolantes são os meios de acesso à estrutura e aos seus andares que formam imensos bairros por sobre a cidade ou qualquer outro espaço. Cápsulas habitáveis, containers são elementos associados à estrutura espacial, sustentada por imensas colunas dispostas cui- dadosamente – quando implantadas sobre áreas ocupadas – para não causar remoções ou demolições no espaço existente. Por estas colunas, passaria toda a rede de infraestrutura.

Friedman ainda separa as funções pelos diferentes extratos, tendo o centro da estrutura ocupado por uma pista de alta velocidade, chamada de eixo neutro. Sob este eixo, desenvolve-se a larga esplanada que conecta todos os bairros e é ladeada por praças, áreas de lazer, espaços comerciais, quadras esportivas, terraços, escritórios etc. De acordo com Friedman, a esplanada é o espaço vazio urbano necessário para as trocas humanas. Variável entre quatro e seis níveis sobrepostos, a Ville Spatiale é elevada a 12 metros do solo e formada por uma

Tipias em Ville Spatiale

Conector São elevadores e

escadas rolantes. As aglo- merações formadas pelas estruturas espaciais são co- nectadas pelas esplanadas e vias de alta velocidade.

Vanguarda As primeiras

ideias de megaestruturas tem como fonte as discussões entre grupos vanguardistas da época, como Metabolistas, Team X e GEAM.

Elemento central Na Ville

Verticale, são dois os ele-

mentos centrais que formam o chamado eixo neutro: a autoestrada e a esplanada (espaço de trocas).

Móvel Além dos veículos que

transitam pelo eixo neutro, a própria cidade torna-se um elemento móvel, podendo sua estrutura ser montada e desmontada indefinidamente e em qualquer lugar.

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treliça modulada extensível em aço e cabos tensionados. A ideia principal é a formação de um espaço indeterminado, aberto, móvel, capaz de se expandir e se retrair quando necessário.

Em sua proposta para Paris, Friedman expôs toda sua preocupação com a problemática da organização concêntrica da cidade. Ao invés de seguir soluções antes já apresentadas como cidades satélites, ou mesmo a demolição de grande parte da cidade existente, ele traz a Ville Spatiale para Paris. Através desta megaes- trutura sobreposta à cidade luz, a oferta habitacional seria triplicada, isso apenas na área central. Habitação, indústria, comércio, agricultura, todo e qualquer uso poderiam ser sobrepostos preservando a cidade existente. Seus desenhos e foto- montagens mostram diversos cenários: Champs Élysées, Beaubourg, Boulevard Sebastopol, sobre o Rio Sena... São criações de novos arrondissements parisienses formando outra cidade aberta e indeterminada.

Situacionistas

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e New Babylon (1959-1974) de Constant

Nieuwenhuis

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As ideias situacionistas, assim como suas produções ligadas ao campo da arte e da cultura, são mais próximas ao anarquismo do que à utopia. Os Situacionistas colocavam-se contra as pretensões modernas racionalistas de arquitetos e urba- nistas, contra o urbanismo – chamado por eles de “ideologia espetacular” – e criticavam diretamente os maiores símbolos do modernismo: a Carta de Atenas e Le Corbusier. (JACQUES, 2003, p. 14) Eles buscavam a revolução na sociedade antes de uma revolução das cidades e foram os primeiros a formular críticas radicais às concepções racionalistas e funcionalistas, à espetacularização, denunciavam os mecanismos de alienação, atacavam a automatização dos projetos urbanos que provocavam o sumiço das ruas e a banalização da vida cotidiana.

Suas ideias eram divulgadas através de panfletos, histórias em quadrinhos, grafites, linguagem e imagens publicitárias. Suas ações e produções influen- ciaram diretamente os grupos de vanguarda formados nos anos 1960, como os Metabolistas, Archigram, Superstudio e Archizoom. Os boletins da Internacional Situacionista foram editados entre junho de 1958 e 1969. Nestes textos, eles cri- ticavam o urbanismo moderno e suas consequências e, opondo-se à setorização

Geometria A estrutura da ci-

dade segue desenho geomé- trico, formando uma malha tridimensional regular. É uma estrutura espacial regulariza- da derivada de uma unidade regular mínima.

Duplicata FRIEDMAN parte

da repetição de uma unidade mínima para a formação da estrutura espacial da cidade e associa a composição livre da cidade a um jogo de encaixe.

Massa uniforme FRIEDMAN

representa a população como “bonecos de pauzinho”, todos iguais, espalhados pelos de- senhos, senão por cidadãos anônimos em fotos antigas da cidade de Paris.

Tipias em New Babylon

Diverso A cidade é composta

de acordo com os desejos de seus habitantes. São mui- tas formas, planos, volumes que são combinados e re- combinados, modificando os espaços, fazendo com que a cidade se atualize in-

e estática modernista, eles propuseram o dinamismo do urbanismo unitário.55 O

urbanismo unitário não trazia novas formas, planos ou modelos, era antes de tudo uma crítica e propunha outras práticas e procedimentos participativos diretamente aplicados à vida nas cidades: construção de situações56 pela psicogeografia57 através

da deriva.58 Como foi escrito no Boletim no 3 da Internacional Situacionista, “o urba-

nismo unitário não é uma doutrina do urbanismo, mas uma crítica ao urbanismo”. A imagem que melhor ilustra o pensamento situacionista é Naked City (1959). Naked City é a representação gráfica da psicogeografia e da deriva e ícone da ideia de urbanismo unitário. (JACQUES, 2003, p. 23) A utopia urbana dos Situacionistas consistia em transformar a cidade em lugar de jogo participativo, numa cidade labiríntica, onde as unidades de ambiência se justapõem e com isso atingir o rompimento com a homogeneização crescente das cidades. Naked City é um mapa, um ideograma abstrato composto por várias plaques tournantes, ou seja, fragmentos urbanos que concernem as ambiências, escolhidas seguindo a afetividade. Estes blocos afetivos são reposicionados e conectados por setas vermelhas, indicativas do desejo.

No mesmo ano de 1959, Constant publicou Une autre ville pour une autre vie, no qual declarava o fim da cidade moderna e anunciava os princípios e o plano da cidade de New Babylon.59 A criação de um projeto, de uma “cidade situacio-

nista”, foi motivo para o rompimento de Constant com os Situacionistas, afinal, uma tradução formal (relativa à forma) de algo imprevisível como a construção coletiva foi considerada como uma atitude contraditória.

New Babylon foi o resultado da tentativa de Constant de traduzir em projeto

a teoria do urbanismo unitário. São plantas, desenhos, fotomontagens, croquis, pinturas, fotografias e maquetes mostrando uma cidade cuja característica principal seria sua transformação constante. Tudo seria temporário, incons- tante e espontâneo (como um jogo) contra a racionalidade e automatização das concepções modernas. Constant tenta criar uma utopia urbana aberta, fugindo da planificação e do controle do espaço tão comuns às utopias anteriores. O espaço criado tornar-se-ia variável seguindo os desejos dos habitantes nômades e errantes.60 New Babylon foi concebida para ser uma cidade em movimento.61

A cidade consiste em uma megaestrutura marcada por planos horizon- tais – sua interpretação das plaques tournantes – sustentadas por pilotis62 a 16 cessantemente como um

labirinto desconexo e mutá- vel. São planos horizontais, fechamentos translúcidos, tirantes, pilares e superfícies irregulares que formam a complexidade e diversidade espacial de New Babylon.

Conector A própria cidade em

sua constante expansão for- maria um rede urbana que se estenderia por todo o globo: uma cidade sem limites e sem fronteiras.

Móvel A cidade é móvel, a

população é nômade e a mo- vimentação de veículos se dá exteriormente à estrutura da cidade.

Voadores Helicópteros so-

brevoam New Babylon, a qual possui helipontos nos níveis mais altos.

Massa diversa Para esta

outra cidade, outra sociedade é formada pelo homo ludens, em oposição ao homo faber. Nômades em pleno exercício da liberdade.

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metros do solo, que ficaria livre para a circulação de veículos e reuniões públicas. Internamente as conexões seriam feitas por escadas, pontes e elevadores, enquanto externamente seriam estabelecidas por veículos rápidos. Constant prevê a localização subterrânea para indústrias, usinas e fábricas ligados a pontos centrais de venda automatizada, capazes de distribuir suprimentos de forma equilibrada aos setores da cidade. Todas as tarefas não criativas da cidade seriam feitas por máquinas, o que liberaria os homens e sua capacidade criativa para o jogo. Exceto por estes pontos, o restante da cidade seria totalmente livre e extensível. As placas poderiam ser multiplicadas inúmeras vezes, quantas fossem necessárias e desejadas, fazendo com que a superfície urbana tivesse um potencial infinito de expansão. Os mapas de New Babylon mostram uma forma plástica e, apesar de todo o discurso sobre mobilidade e movimento, a cidade parece ser composta pela repetição indefinida de suas placas horizontais.

Estruturas transparentes, cabos tensionados, planos de pouso de helicóp- teros são mostrados pelas maquetes, fotos e croquis. As imagens do interior mos- tram espaços labirínticos em preto e branco, descontínuos, nada geométricos. A cidade-labirinto é confusa e de certa forma livre e dinâmica, já que seus desenhos podem ser vistos em qualquer posição, podendo ser girados em qualquer sentido. Constant ressalta a ideia de que todo o espaço seria moldável, passível de qualquer modificação e transformação, o movimento é indicado nos desenhos através de setas, linhas finas que formam espirais acompanhadas de fórmulas matemáticas.

Os habitantes construiriam os espaços através de planos, paredes móveis, superfícies irregulares, espirais, com a possibilidade de desfazer toda a configu- ração e refazê-la livremente, atualizando os espaços. Para Constant, a criação de uma cidade livre é uma criação coletiva ligada à realização dos desejos da popu- lação. A ideia de Constant para New Babylon seria a de uma cidade tecnológica de nômades, cuja construção iria sendo feita à medida que a população se deslocasse sobre as cidades existentes, através da deriva, formando uma rede temporária e dinâmica. Para Constant, esta outra cidade móvel, transitória, incerta e dinâmica seria capaz de abrigar outra sociedade: o homo ludens63 (o que joga) substituiria

o homo faber (o que faz). E ainda para ele, tanto o espaço como a vida social de

New Babylon teriam duas características principais: seriam lúdicas e nômades.

Máquinas Toda tarefa au-

tômata é assumida pelas máquinas, como o centro au- tomático de distribuição, possibilitando a liberdade dos habitantes para a criação e nomadismo absolutos.

Vanguarda Constant traz

influências não só das ideias dos Situacionistas como to- da a discussão em torno das megaestruturas iniciada pelos grupos de vanguarda, como os Metabolistas.

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 149-153)