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Trilogia Légends d’aujourd’hui (1975-1977) de Enki Bilal e Pierre Christin

No documento Trilogia das utopias urbanas (páginas 198-200)

Trilogia formada pelas obras La croisière des oubliés (1975), Le vaisseau de pierre (1976) e La ville qui n’existait pas (1977), é apontada como uma reflexão sobre os anos 1970, na qual são criticadas diretamente as leis do mercado, as desigualdades sociais, a repressão política e a violência policial, o controle militar, as grandes empresas e as mídias. Todos os três episódios são cortados por traços de movi- mentos anarquistas e libertários13 e os enredos e personagens são construídos

impregnados pelo espírito utópico. Colocando esta trilogia sob a luz de nossa pesquisa, apesar de Le vaisseau de pierre ser uma história de resistência, os outros dois episódios se destacam pela criação de utopias urbanas.

Em La croisière des oubliés, um pequeno vilarejo chamado Literno se solta do solo e torna-se uma cidade voadora. Este acontecimento tem toda uma relação com o autoritarismo do governante de Lande – localidade onde se

Tipias em Literno

Voadores A própria cidade é o

elemento voador. A cidade se descola do solo e parte voan- do pelos céus em rota de fuga, perseguida por helicópteros das forças armadas.

Conector Os habitantes da

cidade constroem pinguelas e pequenas passarelas em madeira como comunicação entre as edificações do vila- rejo agora flutuante.

Massa diversa A população

simples e pequena deste vilarejo é formada por tipos diferentes que se agrupam em uma comunidade que mantém suas diferenças.

Ilha O pequeno vilarejo de

Literno, antes isolado, rodea- do por florestas e vegetação densa, torna-se uma espécie de ilha flutuante.

encontra o vilarejo – que impôs um regime militar baseado na ameaça e coação aos habitantes. A “fuga” do vilarejo pelos ares e toda a melodia que se dá com sua perseguição pelas forças militares expõem muito da crítica pretendida pelos autores. A cidade, em si, não traz exatamente inovações espaciais. Literno é um simples vilarejo do interior, com suas construções simplórias ladeando uma única rua, onde também se localiza a igreja, cuja torre é o único elemento vertical que desponta nesta pequena aglomeração.

A população é ordinária, formada por pessoas simples, com suas diferenças, mas juntas formam uma pequena comunidade vítima de um sistema opressor que a cada dia ameaça mais este pacato lugar. A especulação e os grandes empreen- dimentos industriais poluidores rodeiam e se aproximam progressivamente dos limites de Literno, ainda protegida por um cinturão verde de mata nativa. O que importa e faz de Literno uma utopia urbana é o seu movimento de fuga, de resis- tência, sua tentativa de sobrevivência, como se a própria cidade encarnasse este desejo ao se dirigir ao fora, à lateralidade, longe de toda opressão e das ameaças de transformação externas personificadas pelos poderes do capital, das forças armadas e da política.

Em La ville qui n’existait pas, é mostrada uma pequena cidade operária de construções em tijolos alinhadas e edificações fabris. É mostrada como uma típica cidade do norte da França construída em função de uma grande usina e abatida por movimentos grevistas e embates sociais frente à ameaça de fecha- mento da fábrica. Este álbum se dedica a reflexão de temas comuns aos outros álbuns como a luta entre classes, reformas sociais, movimentos anarquistas e é interessante o debate e a apresentação destas problemáticas nas primeiras duas partes integrantes da obra. A construção de outra cidade, uma utopia urbana, vizinha à cidade operária acontece por iniciativa da herdeira da usina da cidade. Ela propõe a construção dessa outra cidade para acolher todos os trabalhadores “e permitir que conheçam finalmente uma vida”, nas palavras da personagem que ainda complementa quando questionada sobre o projeto: “sempre é preciso sonhar para se concretizar a utopia, é o que assim espero [...]”. (CHRISTIN; BILAL, 1993, p. 40)

Ela contrata um arquiteto visionário para conceber a cidade utópica que tenta “casar o esplendor de Flandres de outrora com os prodígios da técnica

Tipias em La ville

qui n’existait pas

Domo A nova cidade é pro-

tegida por domo e cúpulas se repetem na composição dos edifícios.

Ser desejante A herdeira das

usinas constrói uma cidade dos (e para) os operários.

Natureza O espaço urbano

dentro do domo é pontuado por discreta vegetação, en- quanto fora do domo a pai- sagem marcante é a natural.

Diverso Cada edificação da

cidade foi projetada de acordo com as demandas dos operá- rios/moradores.

Massa diversa A população

de operários, antes uma clas- se uniformizada, passa a se vestir com roupas que expres- sam suas personalidades.

Trilogia das utopias urbanas 131b

moderna”, objetivando um espaço perfeito, uma cidade perfeita. A nova cidade é “abrigada do vento e do sol, abrigada dos outros homens e dos seus gritos, das outras cidades e de sua sujeira” (CHRISTIN; BILAL, 1993, p. 44), a nova cidade é protegida por duas imensas cúpulas em cristal. Roupas coloridas substituem os uniformes dos operários, não há obrigatoriedade de horários, as escolas têm entrada e saída livre, os habitantes têm total liberdade para definir seus dias sem qualquer rigidez ou imposição de ações e compromissos. A arquitetura reflete essa liberdade, sendo cada edificação totalmente diferente da outra, cada qual com sua particularidade, seus adornos e ornamentos específicos, projetadas de acordo com as demandas de cada família.

O conjunto arquitetônico organiza-se harmonicamente em torno de uma alta catedral com torres que quase tocam o topo da cobertura geodésica. Os telhados das edificações seguem formas curvas, em arco, planos inclinados e domos, todos com alturas diferentes, dando a impressão de movimento ao con- junto urbano. O desenho de inspiração orgânica prevalece tanto na arquitetura e no desenho urbano como nos elementos de menor escala como os gradis, janelas, vitrais, postes de iluminação, bancos e até em todo o mobiliário domés- tico, nenhum elemento se repete. O piso da cidade é colorido com marcação de passeios e pistas de rolamento em cores diferentes enquanto as praças agrupam grafismos raiados, com círculos progressivos e outros desenhos. A cidade utó- pica se fecha, se isola e tanta liberdade começa a produzir dissidentes. Um dos habitantes que decide partir, sair da “cidade ideal”, argumenta: “obtiveram-se vantagens formidáveis, mas é preferível batalhar a esperarmos por um amanhã que nunca chegará [...] toda a gente está aborrecida, enclausurada debaixo deste domo danado [...]” (CHRISTIN; BILAL, 1993, p. 54) e, ao encontrar um dos poucos que não aceitaram a nova cidade com “sua” utopia construída, que se mantiveram fora de seu domo, este lhe diz: “esta cidade nunca existiu e nunca há de existir [...] ninguém pode pôr-se entre parêntesis para com o mundo, utopias assim não existem”. (CHRISTIN; BILAL, 1993, p. 56)

Tipias em Munshine World

Ser desejante Korian

Munshine é o criador de ou- tro planeta-parque temático, chamado Munshine World, onde ele tenta reunir todos os monumentos mais belos de todos os mundos e tem- pos. Sua utopia urbana é um parque temático.

Máquina As naves são equi-

padas por inventos e apa- relhos avançados, inclusive por um comunicador através do qual se acompanha a nar- ração do percurso do parque feita pelo guia.

Tipias em Terminal City

Vertical Os elementos ver-

ticais de Terminal City são altas torres e edifícios. Com a verticalização, toda circu- lação da cidade se organiza em vários níveis.

Panorama Do topo do Hotel

Herculean Arms, a janela enquadra o panorama de toda

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