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Os mecanismos convencionais são aqueles estabelecidos em decorrência de acordos, tratados ou convenções internacionais, elaborados sob a égide da Organização das Nações Unidas, aos quais os Estados se submetem pelo fato único e exclusivo de deles serem signatários.

Os principais instrumentos jurídicos internacionais de proteção aos direitos humanos que enunciam mecanismos próprios de monitoramento das obrigações assumidas pelos Estados, tais como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966), e seus dois protocolos facultativos adotados em 1966 e 1989, respectivamente; o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1965); A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979); a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984); a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989); compõem o cerne do hard law do direito internacional dos direitos humanos.

Fazem parte do hard law, além de terem caráter obrigatório em decorrência da anuência do Estado a tais instrumentos, como ato de manifestação do direito de soberania, também dispõem de órgãos próprios de promoção, controle e garantia, denominados mecanismos de monitoramento dos direitos por eles enunciados, conforme previstos em seus próprios textos normativos, a saber: o Comitê de Direitos Humanos; o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial; o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher; o Comitê contra a Tortura; e o Comitê sobre os Direitos da Criança.

Os mecanismos convencionais, instituidores do hard law do direito internacional dos direitos humanos, por sua vez, apresentam-se divididos em três grandes espécies: não- contenciosos, quase-judiciais e judiciais ou contenciosos, propriamente ditos.

4.1.1 Mecanismos convencionais não-contenciosos

Os mecanismos convencionais não-contenciosos constituem-se na forma mais antiga de solução de controvérsias no plano internacional. Esses mecanismos são elaborados conforme a técnica da solução de controvérsias do direito internacional clássico, tais como os bons ofícios e a conciliação (RAMOS, 2002), e, atualmente, seu principal instrumento é o sistema de relatórios periódicos, pelo qual os Estados se obrigam a enviar informes que devem relatar as ações que realizaram para a obtenção do respeito e garantia dos direitos enunciados em Tratado Internacional de proteção aos direitos humanos

Por essa modalidade, os Estados devem informar ao comitê competente para exame da matéria as medidas legislativas, judiciais ou administrativas que tenham adotado e que serviram para implementar os dispositivos da respectiva convenção.

A periodicidade na apresentação dos relatórios, bem como o procedimento a ser observado na sua elaboração e exame pelo órgão competente, são variáveis de acordo com cada uma das convenções adotadas. No entanto, no que tange à forma de exame, uma característica parece ser intrínseca a todos os tratados com mecanismos próprios de monitoramento das obrigações que enunciam: os informes são sempre examinados por especialistas independentes, que atuam a título pessoal, ou seja, não na condição de representantes de Estado-parte, havendo ainda a possibilidade de estabelecimento de diálogo entre eles e o próprio Estado informante.

Encerrada a fase de diálogo, o comitê, com base na análise do informe, expõe os pontos positivos e negativos e, ainda, suas recomendações para a solução dos problemas encontrados, e elabora suas observações finais, que são encaminhadas à Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, a quem caberá, em suas sessões anuais, aprovar ou rejeitar o parecer do respectivo comitê, ensejando, desta feita, os pressupostos para a responsabilização e imposição de sanção aos Estados violadores de normas esculpidas nos ditos tratados.

Constata-se, nesse contexto, que a responsividade atua como o elemento desencadeador da responsabilidade e, consequentemente, da sanção a ser imposta ao Estado em questão.

Conforme afirmado em momento anterior, tendo como pressuposto de sua constatação a existência de responsividade, responsabilidade e sanção, a international accountability que se desenvolve sob a modalidade convencional não-conteciosa, apresenta ao menos três situações reveladoras de um déficit bastante relevante no que tange ao progresso do instituto.

Primeiramente, no que tange à responsividade, cumpre salientar que ela permanece nas mãos do Estado signatário. Em que pesem os avanços recentes que permitem a apresentação de relatórios alternativos, elaborados por outros protagonistas tanto da seara internacional quanto interna dos Estados, como organizações não-governamentais e outros segmentos da sociedade civil organizada, a responsividade centra-se, ainda, na figura do Estado, comprometendo, em muito, o avanço nos níveis de participação e oposição em face do posicionamento das políticas adotadas pelos Estados na implementação dos direitos enunciados em cada um desses pactos.

Quanto à responsabilidade, constata-se é que ela parece permanecer restrita ao campo da apresentação dos ditos relatórios, visto que ela existe independentemente de descumprimento ou não de obrigação internacional convencional. Portanto, por esse prisma, “não há o objetivo expresso de constatar uma violação e a conseqüente responsabilidade internacional do Estado, que redundaria na reparação dos danos produzidos” (RAMOS, 2002, p.129).

Sopesando o argumento de que seu maior objetivo é, portanto, o de prevenir violações ou até mesmo o de forçar os Estados a dedicarem atenção às políticas internas de defesa dos direitos humanos, há que se considerar que a adoção desse tipo de medida enfraquece em muito o seu poder de fogo como um efetivo mecanismo de accountability, uma vez que

restaria inócua a constatação de não-cumprimento das obrigações assumidas em face da ausência de mecanismos efetivos de sanção internacional.

A sanção fica restrita aos efeitos do constrangimento moral que o Estado pode sofrer perante a sociedade internacional, quando, em casos específicos, a Assembléia Geral edite resolução condenando, moralmente, o Estado por reiteradas violações de direitos humanos, ou ainda, acione o Conselho de Segurança, com base no disposto no capítulo VII da Carta da Organização das Nações Unidas, para que edite atos vinculantes para a preservação da paz e da segurança mundial.

Por fim, constata-se que os mecanismos convencionais não-contenciosos acabam por servirem de instrumentos informativos para a responsabilização internacional do Estado com o uso de mecanismos convencionais quase-judiciais e contenciosos ou judiciais e para desencadear a movimentação ou da sociedade civil do Estado em tela ou de suas próprias instituições para propiciar o fechamento do círculo da accountability, enunciada nos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.

4.1.2 Mecanismos convencionais quase-judiciais

Os mecanismos convencionais quase-judiciais são, “verdadeiramente, mecanismos de responsabilidade internacional do Estado, instituídos por convenções internacionais, que agem ex post facto” (RAMOS, 2002, p.130), uma vez que a constatação da violação de direitos humanos protegidos por tratado internacional enseja a condenação do Estado na reparação do dano produzido.

Assim,

esses mecanismos são geridos pelos Comitês instituídos pelas várias Convenções Internacionais da Organização das Nações Unidas (treaty bodies), sendo elaborada, como produto final, uma deliberação do órgão internacional sobre a violação dos direitos humanos protegidos, com a previsão da conseqüente reparação (RAMOS, 2002, p. 130).

Também fruto de tratados e convenções internacionais, esses mecanismos entram em atividade por meio de duas possibilidades: a) petições de Estados contra Estados e, b) petições de particulares contra Estados.

Pela primeira possibilidade, um Estado pode requerer ao órgão das Nações Unidas competente que se constate a violação de direitos humanos, enunciados em um tratado ou

convenção internacional, por outro Estado-parte do mesmo instrumento normativo. Em geral, essa disposição consta nos tratados internacionais como cláusula de adesão facultativa.

A segunda possibilidade enuncia a capacidade e a legitimidade para pugnar pela apuração de violação de obrigações relativas aos direitos humanos decorrentes de tratados internacionais. Por certo que o reconhecimento do particular como sujeito legítimo para deflagrar o processo de investigação não o lança, propriamente, na condição de sujeito de direito internacional, visto que as instâncias às quais pode recorrer padecem de poder jurisdicional.

As convenções internacionais em vigor que enunciam o direito tanto de um Estado- parte quanto de um particular de requerer a apuração de violação de direitos humanos resumem-se atualmente, em três: O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 41.1) e seu primeiro Protocolo Facultativo; a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (artigo 21, de adesão obrigatória, e artigo 22 de adesão facultativa); e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (artigo 11 de adesão obrigatória e artigo 14 de adesão facultativa).

A ressalva que se faz aos procedimentos quase-judiciais é que as decisões dos respectivos órgãos são desprovidas de força jurídica vinculante, pois não se tratam de instâncias jurisdicionais. O cumprimento da deliberação que constata a violação de direitos humanos, de forma a reparar o dano causado pelo Estado, resta relegada ao plano moral.

Em que pese as cláusulas que reconhecem os procedimentos quase-judiciais em tratados internacionais serem facultativas, a relevância dos princípios do pacta sunt servanda e da boa-fé parecem evidenciar a supremacia do hard power sobre o soft power. Considerando que o poder de constrangimento é exercido sob a égide da assimetria de poder, constata-se um forte déficit de accountability por meio dos mecanismos quase-judiciais, uma vez que o constrangimento, em vez da regra enunciada pelo dito popular sobre as monarquias, recai não sobre quem usa a coroa, mas sim, sobre quem a ela se submete.

4.1.3 Mecanismos convencionais judiciais ou contenciosos

O mecanismo convencional judicial ou contencioso é aquele estabelecido em processo judicial, perante corte internacional (RAMOS, 2002, p. 120). No âmbito do sistema das

Nações Unidas de proteção aos direitos humanos, o mecanismo convencional judicial ou contencioso é implementado pela Corte Internacional de Justiça, órgão que tem competência reconhecida para todos os litígios que as partes lhe submetam, em especial os temas previstos na Carta das Nações Unidas e nos tratados e convenções internacionais vigentes.

Nos termos do que preceitua o artigo 34.1 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, esse mecanismo reconhece o direito de invocar a jurisdição internacional no tocante a violações de direitos humanos, somente aos próprios Estados, por conseguinte, reconhecendo somente a eles como verdadeiros sujeitos de direito internacional.

Seguindo a mesma linha dos demais procedimentos convencionais, o mecanismo judicial, também de acordo com o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em seu artigo 36.2, aloca o reconhecimento de sua jurisdição pelos Estados como facultativa, podendo, por conseqüência, cada Estado condicionar sua declaração de aceitação ao princípio da reciprocidade. A Corte torna-se, então, um palco para discussões das mais diversas ordens no âmbito do direito internacional, menos para os direitos humanos.

Desta feita, constata-se da análise dos mecanismos convencionais de proteção aos direitos humanos que eles, de uma forma ou de outra, padecem de algum déficit de accountability.

Resta evidenciado, também, que a democratização do sistema internacional no âmbito da Organização das Nações Unidas ainda se apresenta como um projeto distante de se concretizar ou atingir níveis de otimização que lhe permita galgar o status de uma verdadeira poliarquia internacional. Evidencia-se claramente a ausência de mecanismos fortes para garantir a participação e o exercício da oposição entre os protagonistas e os sujeitos de direito internacional, e, ainda, revela-se a fragilidade das instâncias encarregadas de proporcionar justiça internacional, uma vez que se apresentam fortemente vinculadas aos interesses dos Estados-Parte que exercem o hard power sobre os países periféricos, ainda dependentes economicamente de um regime desigualitário, submerso em uma imensa e crescente crise de moralidade, de ética e de respeito mútuo.