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Motoristas de táxi: uma categoria estratificada em subgrupos e subculturas

Mapa 2. Distribuição hierárquica das vias públicas da cidade de Salvador, 2010.

II. A CULTURA OCUPACIONAL E O ORDENAMENTO RACIONAL DA CATEGORIA

2.5 Motoristas de táxi: uma categoria estratificada em subgrupos e subculturas

Longe da ideia de encontrarmos uma homogeneidade na categoria de motoristas de táxi, encontramos uma diferenciação intensa na composição social. A estratificação em subcategorias está muito bem definida. A palavra subcategoria não está sendo

empregada aqui com o sentido pejorativo e minimizador dos grupos, mas como uma possibilidade de evidenciar o caráter que ordena essa divisão social baseada em status social e financeiro, definindo as condições de trabalho e exposição ao risco de vitimização em graus diferenciados.

Todo motorista de táxi é autônomo, mas a autonomia não está ao alcance de todos. As relações trabalhistas dos motoristas de táxi se baseiam na condição de trabalhador autônomo, sendo que eles se subdividem em grupos diferenciados. Essa característica tem sido muito importante para compreender os riscos a que estão expostos, as formas e gravidades da vitimização por violência e as respostas no controle e proteção contra o crime.

Entre os tantos motoristas de táxi podemos identificar cinco grupos diferenciados em sua estrutura e cultura ocupacional – subcategorias da profissão. Essa divisão parte da referência dos trabalhadores percebendo que existe uma coerência em relação ao status financeiro influenciando no status social representado pelo grupo ocupacional.

Partindo da premissa de que todos são motoristas de táxi, o primeiro grupo que descreveremos são aqueles proprietários do alvará e do carro, apesar de existir pequenas referências de outros que são proprietários do alvará e não do carro, aqueles que têm o carro padronizado, mas tiveram o alvará cassado. Considerando a frequência da condição, adotaremos como grupo de proprietários de alvará e do táxi. Todos eles licenciados como motorista principal. São proprietários autônomos (pessoa física) e podem associar-se às cooperativas, associações e sindicato. Esse grupo será denominado, a fim de facilitar discussões futuras, de "Motorista Proprietário de Táxi”. Ele se divide em dois subgrupos, "Motorista Proprietário de Táxi Especial" e "Motorista Proprietário de Táxi Comum".

a.Motorista proprietário de táxi do tipo especial

O primeiro grupo, composto por táxis do tipo especial, está vinculado a duas cooperativas específicas em Salvador, que são a COMTAS e a COMMETAS. O funcionamento e os recursos disponibilizados aos motoristas de táxis associados a elas agregam pontos específicos em áreas de mercado consideradas de grande demanda,

roteiros predefinidos, passageiros identificados previamente e pagamentos através de tíquetes e cartões que evitam a circulação de dinheiro. Nos pontos, possui espaço de apoio ao taxista que inclui sanitários e local para descanso, enquanto aguardam o passageiro. Esse grupo é considerado pelos colegas como "filé”, pois a tarifa é mais cara e roteiros mais longos o que resulta em melhores ganhos com boas condições de trabalho e redução dos fatores de risco de vitimização por violência.

b. Motoristas proprietários de táxi tipo comum e motoristas auxiliares

O segundo grupo, formado por proprietários de táxi comum, está em sua maioria inserido em associações e cooperativas locais e específicas para esse tipo de táxi e "motoristas auxiliares", com licença atrelada a um alvará de propriedade do empreiteiro (empresa ou taxista). Estes são locatários ou arrendatários, podem locar somente o carro padronizado ou o alvará, ou ainda os dois (mais frequente). Divide-se em subgrupos de "Locatários de Táxi de Autônomo", pois estabelece contrato de locação com pessoa física, o proprietário do táxi e alvará. O outro subgrupo é o de "Locatários de Táxi de Empresa" que tem contrato de locação com empresa de táxi. Essa divisão deve-se ao fato de que nas relações entre locatários e autônomos e locatários e empresas existem diferenças que comprometem a rotina e organização do trabalho do taxista e exposição a situações de risco. Estabelecem contratos diários e semanais nos quais o locatário paga diárias comentadas anteriormente. Qualquer um desses pode ou não estar associado a uma central operadora de chamadas de táxi. Não foi encontrada por nenhuma das fontes a condição de assalariado com ou sem carteira assinada. O que existe comumente são contratos de prestação de serviços entre pessoas físicas ou jurídicas sem estabelecer nenhum tipo de vínculo empregatício.

Os dois primeiros grupos são taxistas que atuam em condições legais e regulamentadas. Porém existem, na realidade, mais dois grupos que operam fora das exigências normativas e legais da profissão.

c. Motorista de táxi irregular

O terceiro grupo é o do Motorista de Táxi Irregular, conhecido por "chapa-fria" ou os "clonados", que trabalham com o conjunto de recursos padronizados. O carro devidamente identificado, com cores, faixas e taxímetro, mas que diante dos órgãos

regulatórios encontra-se em situação irregular. A carteira e alvarás não foram licenciados ou foram cassados. Esse é um dos pontos de conflito intenso entre os taxistas, pois eles se sentem injustiçados quando percebem que competem no mercado com aqueles que estão em situação na qual não poderiam exercer a profissão.

"Tem esses chapas-frias que tomam o passageiro da gente. E a gente fica de mãos atadas porque a GETAX era que devia ver isso. Vê, mas não faz nada. Desse jeito incentiva o cidadão a ser clandestino. E tem muito policial desse jeito, fica difícil até a gente denunciar" (E.V., 45 anos, taxista

d. Motoristas de Táxi Clandestinos

O quarto grupo é composto de motoristas particulares10, que têm um carro de sua propriedade e resolve fazer transporte de pessoas sem a devida regularização junto aos órgãos e não costumam se identificar como taxista. É o “Motorista de Táxi Clandestino". Subdivide-se em categorias socioeconômicas diferenciadas. Existe um grupo de ex-taxistas ou ex-motoristas particulares identificados como empresários do ramo de transporte individual de pessoas devido ao seu status econômico - "Motorista de Táxi Clandestino de Status Financeiro Bom". Eles vendem o táxi padronizado e o alvará, compram carro comum de modelos luxuosos e continuam realizando o transporte de clientela, geralmente conquistada anteriormente. Praticam valores concorrentes aos dos táxis do tipo especiais, mas não estão obrigados a pagar despesas da manutenção dos requisitos básicos da profissão juntos aos órgãos regulatórios. Agem com discrição, estão presentes em áreas de transbordo (rodoviária, aeroporto, terminal marítimo). Quando abordados por órgãos de fiscalização, informam que estão à espera de amigos, conhecidos, tentando desconfigurar a atividade de trabalho. Não existe registro de punição para esse grupo, pois somente a polícia com flagrante confirmado pode agir combatendo a atividade clandestina. Nesse grupo existem pessoas consideradas empresários, que possuem alguns carros a serviço de uma clientela fixa e ainda possuem um táxi regular.

O outro subgrupo do quarto grupo são os clandestinos que, por dificuldade de empregabilidade ou situação de desemprego, colocam o carro que têm nas imediações de lugares com fluxo de pessoas como supermercados, hospitais, terminal rodoviário,

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Os grupos apresentados anteriormente se diferenciam dos motoristas “particulares”, que são atribuídos aos motoristas que trabalham conduzindo carros particulares, mas não são proprietários do veículo. São identificados como pertencentes da categoria de “chofer particular”, pois possuem vínculo empregatício e dedicam à atividade de transporte para aquele que o contratou.

dentre outros. Chamaremos de "Motorista de Táxi Clandestino Status Financeiro em Desvantagem". O carro é particular e próprio, mas sem nenhuma indicação de ser autorizado para funcionar como transporte público individual. São facilmente vistos em áreas de baixa oferta de serviço de transporte, como no Subúrbio Ferroviário, estacionamentos de supermercados, hospitais, lojas comerciais, dentre outros pontos. Eles são menos discretos, atendem à fila às vezes organizada e com uma das portas do carro aberta, indicando a disponibilidade para o serviço de transporte tanto de passageiro quanto de mercadorias e objetos. Muitos deles têm clientela fixa ou prestam serviço com recomendações da loja onde ficam esperando o passageiro.

Apesar de existir definição e legitimação da profissão citada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2008) como sinônimos de motoristas de táxi os taxistas e os taxeiros, durante o trabalho de campo, foi percebido que essas denominações não são empregadas da mesma forma. O que existe é uma variação de significados atribuídos pelos profissionais aos colegas de profissão, adotando uma classificação. As diferenças foram ganhando forma durante as entrevistas, possibilitando afirmar que se trata de uma categoria profissional que é formada por completa heterogeneidade e com características peculiares importantes para compreender a extensão e a gravidade da exposição ao risco de violência no trabalho.

Através das narrativas dos motoristas de táxi, foi possível identificar a seguinte subclassificação da categoria principal de motorista de táxi. Os taxistas são referidos como trabalhadores que gozam de uma credibilidade, status financeiro e social, identificado pelo grupo social dos trabalhadores como aqueles que são “veteranos”. Os taxistas são referidos quando falam de um grupo proprietários do alvará e do carro e conquistaram respeito e confiança entre os membros do grupo.

A denominação “taxeiros” não é empregada para se referir a um colega, mas como uma terminologia de sentido pejorativo e associada aos “pedras” – locadores de táxi que não conseguiram conquistar a confiança do grupo, assim como aqueles que, por condição financeira desfavorável, submete-se a situações consideradas gananciosas e suspeitas (em relação ao envolvimento com atividades ilícitas). São geralmente motoristas auxiliares e têm sua rotina ocupacional guiada pela necessidade de captar ganho suficiente para pagar a diária, o que pode corromper o comportamento do trabalhador. São associados a comportamentos agressivos, truculentos, impróprios.

Durante uma entrevista em grupo, a conversa foi interrompida por um motorista de táxi que chegou reclamando da fila. Quando ele se afastou, um dos componentes do grupo disse: “esse aí é um taxeiro, locador de carro, fica nesse estresse” (L.I., 46 anos, taxista).

Os motoristas de táxi irregulares, “chapas-frias" ou “clonados”, foram também chamados de taxeiros pelos colegas "proprietários", o que demonstra uma divisão social da categoria baseada em questões morais e éticas. Nota-se que são excluídos aqueles que estão em situação de irregularidade. Nesse sentido, a queixa dos “taxistas” é que eles cumprem normas, pagam as vistorias e renovação e existem outros que estão na praça trabalhando sem a devida regularização. Entendendo como comportamento compreendido como irregular, da esfera da justiça, atividade não legitimada. Os clandestinos são motivos de conflitos e brigas, mas percebe-se uma tolerância em algumas situações, referem a eles como pessoal "malandro", "esperto", "soube conquistar clientela", "soube fazer pé-de-meia" (primeiro subgrupo dos clandestinos) ou "por sobrevivência”, "falta de oportunidade" (segundo subgrupo dos clandestinos), o que demonstra certa tolerância com esse grupo, mas não com os irregulares, podendo verificar uma ética interna entre os motoristas de táxi.

E por último existem os chamados clandestinos, aqueles que realizam a atividade de transporte de passageiros e objetos de forma remunerada, não usam taxímetro, não possuem alvará e carteira de identificação de motorista de táxi, utilizam carro sem padronização. Tal condição pode acentuar a situação de exposição ao risco de violência no trabalho de forma completamente invisível, já que são trabalhadores desprovidos de proteção e segurança pelos órgãos públicos e entidades de defesa. “O

clandestino é aquele que tem um carro e bota na praça pra fazer corrida sem nenhuma autorização dos órgãos públicos” (F.A., 60 anos, taxista).