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DEFESAS • DEFESAS SECUNDÁRIAS

4. Práticas espaciais e escolha racional de território de atuação

No ponto de táxi que o taxista define como local de passageiros desconhecidos, por exemplo, do Terminal Rodoviário e nos pontos turísticos do bairro do Comércio, quando eles estão aguardando o passageiro ficam do lado de fora do carro com uma distância para facilitar observar a pessoa que aborda o táxi solicitando a corrida. Este distanciamento favorece observação e procura de sinais que possam ser considerados como de risco. Os taxistas que permanecem dentro do carro, mesmo na “boca da fila”, consideram essa postura de confiabilidade do local e potenciais passageiros.

“Eu fico de fora do carro conversando com o colega quando estou na fila lá do Pelourinho. A gente fica ali observando o movimento. Quando chega uma pessoa para pegar o táxi a gente já estava observando antes dela chegar lá. Se a gente perceber que pode ser encrenca dá tempo despistar e recusar a corrida. Quando estiou no ponto do shopping Barra ficou tranquilo possa até ficar dentro do táxi. A clientela lá é boa. A gente às vezes se engana, mas a maioria das vezes dá certo.” (M.J., 56 anos, taxista)

Antes de o passageiro entrar no táxi, o motorista procura saber do destino da corrida. Essa pergunta é feita após a leitura de sinais corporais e sociais como complemento do processo de triagem e tomada de decisão. Os taxistas costumam evitar corrida para bairros ou ruas consideradas de elevado risco de vitimização. Quando aceitam a corrida, condicionam o local máximo a ser percorrido naquela região, evitando adentrar em ruas estreitas e de difícil circulação ou em áreas controladas por grupos criminosos. “Outro dia chegou uma mulher jovem, até simpática, e queria ir

para o Alto de Coutos. Fiquei desconfiado e disse a ela que estava esperando um cliente” (M.J., 56 anos, taxista).

Os taxistas constroem mapas mentais de áreas consideradas de risco a partir de informações divulgadas pela imprensa, fatos ocorridos com colegas naquelas regiões e experiências próprias.

“Olha, pra mim é proibido levar passageiro para algumas ruas como Baixa do Reggae, em Tancredo Neves, Baixa da Égua, na Vasco da Gama. Só doido vai lá. Já fui, não vou mais”. (M.A., 50 anos, taxista).

Evitam adentrar em ruas estreitas, com difícil possibilidade de manobra e retorno. Segundo os motoristas de táxi, esses locais limitam a auto mobilidade, dificultando a possibilidade de reações protetoras. Referem que se sentem muito vigiados pelos moradores e entendem que aumenta a exposição do risco e a gravidade dos efeitos.

“O colega foi assassinado quando foi levar um cliente dele no bairro da Mata Escura, e lá dizem que um sujeito entrou no táxi quando o cliente saiu. Depois disso, só encontraram o colega morto” (E.V., 44, anos, taxista auxiliar).

As corridas para áreas consideradas de risco, quando aceitas, devem ser no horário entre às 7:00 às 17:00 horas, quando o passageiro é morador daquele bairro, portanto conhecido pela vizinhança, condição que protege o taxista como uma espécie de senha para entrar e circular naquela área. Em alguns destinos, negociam levar o passageiro até a avenida principal.

Rastreiam as ruas com olhar minucioso dos espaços por onde percorre, observando as pessoas, o movimento, os acontecimentos, as mudanças de cenários, os detalhes de cenas, agregando informações que possam mapear a área como conhecida, trafegável, segura, confiável.

“Peguei um passageiro em Brotas que pediu a corrida para o Nordeste de Amaralina. Não costumo rodar muito por aquela área, aí a gente vai cabreiro [com receio]. Fico conversando com o passageiro para conhecer melhor a pessoa, mas não posso perder de vista nada da área. Tem gente com arma em punho em dia tamanho [durante o dia]. Não dá pra cochilar não. (N.E., 56 anos, taxista).

Recusam corridas para determinadas localidades em horários noturnos e madrugada. Explicam que existem lugares que modificam entre dia e noite, tornando área de risco. Como exemplo, há o bairro do Comércio, que durante o dia é bastante frequentado e movimentado, e à noite a população e os hábitos se modificam, tornando- se lugar de risco de violência. “Durante o dia a gente roda pela cidade, mesmo nos

bairros perigosos, mas à noite nem pensar” (M.J., 56 anos, taxista).

“Faço ponto ali na Avenida Estados Unidos [bairro do Comércio], durante o dia, mas a noite só vou lá se algum cliente me chamar ou para levar. Pegar passageiro de lá é perigoso, mas só a noite durante o dia é beleza! (J.G., 45 anos, auxiliar).

Os taxistas adotam área circunscrita para atuação. Explicam que circular em áreas conhecidas amplia a chance de detectar situações suspeitas. Definem território de atuação a partir de potencial mercadológico e proteção. A proteção parece estar agregada ao conhecimento adquirido do lugar, possibilitando acessar rede de apoio e conquista de clientela. Eles evitam sair desse território, explicando que quanto maior é a distância da área, mais eleva a sensação de insegurança, pois adentram locais que não possuem o conhecimento necessário para identificar fatores de risco. Quando a corrida se distancia desse território, aumenta a margem de lucratividade, mas também o risco de vitimização. Após a corrida, o taxista costuma retornar para o território.

“Um dia uma mulher no Iguatemi pegou o táxi e disse que era para Cajazeira. Aceitei. Quando chegou lá ela mudou o endereço entrou por uma rua perigosa. Comecei a ver que era arriscado, mas continuei. Ela pediu para parar perto de uma casa de esquina, desceu e disse que ia buscar um filho que era deficiente. Ela não voltou. Quem chegou foram dois homens tomaram o carro e me levaram para a BR324 e lá me deixaram. Não dá pra confiar” (C.G., 55, anos, taxista).

No momento de saída ou circulação em área considerada hostil, é recomendado manter os vidros fechados do carro, portas travadas, andar em velocidade que não chame a atenção, evitar buzinar, parar somente quando não houver outra possibilidade,

permitir passagem a pessoas da comunidade, evitar olhar para dentro de casas, bares, não parar para fazer perguntas, ficar atento a todo o movimento no entorno, dentre outras precauções.

“Levar uma pessoa conhecida ou até que a gente não conheça, a gente leva. Mas quando chega lá no bairro “boca quente” [perigoso] aí é sair de fininho, pra não ser visto. E pedir a Deus pra sair logo” (J.R., 27 anos, taxista).