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Na era da internet, emerge um novo bloco na esfera pública

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CAPÍTULO I – DOS CONCEITOS CLÁSSICOS SOBRE COMUNIDADE AO

1.2. Comunidades nas mídias e redes sociais e suas conexões

1.2.4. Na era da internet, emerge um novo bloco na esfera pública

Se as tecnologias de informação e comunicação (TICs) transformaram as relações sociais na contemporaneidade, – acreditamos que tais mudanças apenas começaram, ainda há muito por vir e, consequentemente, diversos teóricos ainda se debruçarão em estudos acerca da influência da internet na sociedade – natural o impacto deste fenômeno nos espaços de relacionamento dos atores sociais. Pesquisadores da atualidade propõem a refletirmos sobre qual esfera pública estamos falando. A discussão então parte da revisão do conceito cunhado pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, a partir de sua obra Mudança estrutural da esfera

pública, publicada no início da década de 1960, a qual foi, inclusive, revista e atualizada por ele mesmo e outros autores, permanecendo como ponto de partida para tratarmos desta nova esfera pública em tempos de rede digitais.

Segundo Habermas (2014, p.96), as categorias de “privado” e “público” surgem na Grécia Antiga, a partir dos conceitos de oikos, em referência ao particular de cada indivíduo, e pólis, relativo ao que era comum aos cidadãos livres. Em sua concepção, esfera pública se constituía no diálogo (lexis), que também pode assumir a forma de conselho e de tribunal, assim como o do agir comum (práxis), na condução da guerra. Porém, o direito à participação na pólis era restrito aos possuidores de bens e de força de trabalho, ou seja, “a posição na pólis está baseada na posição do déspota no oikos”.

Assim como a necessidade da vida e da manutenção do que é necessário para a vida ficam vergonhosamente ocultos nos limites do oikos, a pólis fornece campo livre para a distinção pela honra: ainda que os cidadãos interajam como iguais entre iguais (homoioi), cada um esforça-se para destacar-se (aristoiein) (...). Esse modelo de esfera pública helenística, como nos foi transmitido pela forma estilizada da autointerpretação dos gregos, compartilha uma força normativa peculiar desde o Renascimento, com todos os assim chamados clássicos, até os dias de hoje. (...) De início, ao longo de toda a Idade Média, as categorias de público e do privado foram transmitidas segundo as definições do direito romano, e a esfera pública foi traduzida como res publica (HABERMAS, 2014, p.97).

Ao analisar a vida pública e política dos séculos XVII e XVIII até meados do século 20 na Inglaterra, França e Alemanha, a partir das novas relações entre economia, sociedade e Estado, Habermas (2014) apresenta uma história de ascensão e decadência no que tange esfera pública. Segundo ele, a esfera pública burguesa é a reunião de pessoas privadas em um espaço público que reivindicam esta esfera pública regulada pela autoridade. “Esta se desenvolve quando o interesse público na esfera privada da sociedade civil deixa de ser percebido apenas pela autoridade e começa a ser levado em consideração também pelos súditos como uma esfera de seu próprio interesse” (HABERMAS, 2014, p.130-131). Temos então um espaço de mediação entre o Estado e a sociedade.

A esfera pública burguesa pode ser entendida, antes de mais nada, como uma esfera de pessoas privadas que se reúnem em um público. Elas reivindicam imediatamente a esfera pública, regulamentada pela autoridade, contra o próprio poder público, de modo a debater com ele as regras universais das relações vigentes na esfera da circulação de mercadorias e do trabalho social (HABERMAS, 2014, p.135).

Em artigo que aborda a aplicabilidade do conceito de esfera pública, concebido por Habermas, ao contexto das redes sociais digitais, Lopez e Quadros (2015, p.94) recorrem ao

filósofo alemão para dizer que esfera pública é um “espaço independente da influência do poder do Estado, em que os atores sociais tornam públicas, ou melhor, publicizam suas opiniões, seus pontos de vista sobre questões de interesse da sociedade, promovendo o debate e deliberações coletivas em prol de um bem comum”.

De acordo com as autoras (2015, p. 94-95), a obra original de Habermas “explora o conceito de esfera pública burguesa e avança sua análise até a contaminação da opinião pública pelos interesses mercadológicos, através da influência dos meios de comunicação de massa e dos formadores de opinião”. Assim como Habermas que revê seu ponto de vista em atualizações subsequentes à publicação original, Lopez e Quadros (2014, p.94) observam que “os diferentes efeitos das mídias de massa colocam em dúvida a concepção construída sobre o ínfimo potencial democrático do espaço público midiatizado” e complementam a necessidade desta revisão a partir da entrada da TICs na sociedade contemporânea, de modo a acompanhar as configurações sociais de cada época.

As próprias revisões propostas por Habermas, em 1990 e posteriormente, sobre seu entendimento de esfera pública denotam a possibilidade de atualização do conceito, adaptado aos novos contextos da sociedade ocidental. (...) A busca por espaços públicos de participação cidadã, livre e democrática, atravessa a história da humanidade, retratando e adaptando-se às configurações sociais de cada época. Através de Habermas, pode-se analisar a evolução do conceito de esfera pública: da pólis grega, passando pela sociedade burguesa medieval até a ascensão dos meios de comunicação de massa. Com o advento das TICs, Benkler descreve uma nova esfera pública, agora interconectada em uma sociedade em rede, imersa em uma cultura da convergência e permeada por fluxos. (...) Ao que tudo indica, as redes sociais digitais caminham, sim, para a constituição de um novo espaço de debates e exercício da cidadania. Hipótese que se ampara nas características elencadas para este novo contexto: a possibilidade de receptores tornarem-se emissores, os baixos custos de produção e emissão da informação, a desintermediação e a diminuição do controle sobre os fluxos comunicacionais (LOPEZ; QUADROS, 2015, p.95-100).

Notamos, então, uma grande transformação no contexto da esfera pública a partir do advento da internet e o quanto o eixo estrutural – sistema político, sociedade civil e meios de comunicação – foi impactado a partir da difusão das novas tecnologias, sobretudo a internet. Martuccelli (2015, p.61) dá conta da “consolidação progressiva de um quarto bloco estrutural em torno da galáxia da internet – que se coloca entre o espaço público mainstream, os movimentos sociais propriamente ditos e o sistema político”. Para o autor, a “galáxia da internet”, como um novo bloco estrutural da esfera pública, não apenas impacta os tradicionais blocos – sistema político, a sociedade civil e a opinião pública –, mas também transforma a relação entre eles e seus atores sociais.

A galáxia da internet, como novo bloco estrutural, não apenas dá lugar a um novo perfil de ator como também, na verdade, à figura de uma nova minoria, a dos ativistas internautas, que complementa, dessa forma, outras minorias da esfera pública – representantes políticos, jornalistas e minorias ativas. De maneira muito mais importante, introduz modificações na própria prática da democracia (MARTUCCELLI, 2015, p.74-75).

Os novos atores do bloco da esfera pública denominada “galáxia da internet” passam a ganhar forte representatividade na sociedade contemporânea. A configuração da própria rede permite “a proliferação de informações e da abertura de uma quantidade praticamente infinita de sites para discussão dos mais diversos temas”, como aponta Delarbre (2009, p.79). Para ele, a “internet pode ser reconhecida como zona privilegiada na demonstração e no reforço da esfera pública devido à sua arquitetura flexível e descentralizada” (DELARBRE, 2009, p.79). A partir do contexto apresentado por diversos teóricos é inconcebível abordar o tema esfera pública à margem do impacto da internet no cotidiano da sociedade contemporânea, uma vez que da internet emerge um novo bloco na esfera pública.

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