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Participação e comunicação popular na era da internet

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CAPÍTULO II – MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES E OS GRUPOS DAS

2.2. Participação e comunicação popular na era da internet

Na medida em que parte da sociedade passa a utilizar as ferramentas tecnológicas nos processos comunicacionais para se manifestar sobre questões culturais, sociais e políticas em seu cotidiano para promover o engajamento social, torna-se pertinente fazermos um breve estudo sobre os conceitos de participação e comunicação popular a partir dos termos clássicos até abordagens mais recentes vinculadas à era da internet. A proposta de revisitar o passado tem o intuito de ampliar horizontes para conceber novas reflexões sem perder a essência e o sentido dos conceitos de origem. Propomos, então, atualizar tais conceitos em consonância com o contexto histórico da atualidade. Peruzzo (1998, p.147) analisa Kaplún que concebe participação popular como um “processo longo e lento (...) e [que] pode levar muito tempo até que um grupo chegue ao grau de maturidade e consciência crítica que lhe permita superar seus conhecimentos culturais e dialógicos, tornando possível uma efetiva participação autônoma na comunicação”. No âmbito da América Latina, a temática é destacada ainda por Peruzzo sob a ótica de Utria (1969):

(...) a participação popular, em sentido amplo, no âmbito da América Latina, começa com um lento e articulado processo de tomada de consciência, pelo qual os indivíduos adquirem uma vivência real de sua situação e de seu destino no universo social e político que os rodeia, elaboram e definem uma imagem de seus autênticos interesses e os contrastes, analiticamente, com a ordem social, política e econômica. Através deste processo, o homem e a comunidade se descobrem a si mesmos, se identificam com tudo aquilo que resulte compatível com sua dignidade humana e propicie a sua realização e se rebelam contra tudo aquilo que pode conspirar contra seus interesses e aspirações. Nessas condições homem e comunidade estão potencialmente preparados para iniciar o complexo processo de participação popular (PERUZZO, 1998, p.146).

O termo “participação” nos remete, então, a tornar-se parte de algo. Essa participação pode acontecer de diversas maneiras desde um simples “assistir” a um efetivo “tomar parte ativamente”, como sinaliza Peruzzo (1998). Para a autora há de se considerar ainda que a concepção de “participação” pelos indivíduos não está dissociada da experiência histórica de um povo. No Brasil e em países da América Latina, onde não há tradição nesse aspecto e se predomina a falta de conscientização política e outros fatores, uma participação mais efetiva da sociedade é algo difícil de ser conquistado. Isso porque, a participação “não é dada, é criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. A participação precisa ser construída, forçada, refeita e recriada”, diz Peruzzo (1998, p.75) com base na concepção de Demo. A autora acrescenta ainda que “a participação da população nas decisões (...) implica o exercício do poder em conjunto, de forma solidária, e compartilhada, com participação-poder. (...) Não é concedida, mas conquistada, realizando-se tanto nas decisões como na execução e nos resultados” (PERUZZO, 1998, p.77).

Pesquisador em comunicação e política, Gomes (2005) aborda a questão da participação popular no contexto da democracia e participação civil na política. Ele aponta formas de participação, cuja escala cresce em intensidade desde graus mais moderados de reivindicações até posicionamentos mais radicais. Segundo ele, a participação moderada se traduz no fortalecimento da presença da esfera civil na cena política. Este cenário abarca diversas demandas, como debate público consistente, manifestações da vontade popular, formas de organização popular não governamental e mobilização e formação da opinião pública, entre outras. Um nível mais radical se faz presente nos modelos em que há a intervenção da opinião e da vontade civil na decisão política no interior do Estado. Porém, em ambos ele verifica que “a participação civil é compatível com a alternativa de democracia representativa; o que há aqui de particular é apenas a reivindicação de que a autenticação civil da esfera política não se atenha exclusivamente a mecanismos eleitorais” (GOMES, 2005, p.217). Assim deve-se considerar também “o respeito pela disposição e opinião públicas”. No terceiro grau de intensidade, ainda mais radical, ele apresenta o modelo de participação popular na política em que “a esfera política é dispensada e as funções de decisão seriam assumidas pela esfera civil, como ocorre no ideário da democracia direta”.

No que tange à inserção da internet no cotidiano da sociedade contemporânea, Gomes (2005, p.217) concebe esta experiência como inspiração para “formas de participação política protagonizada pela esfera civil e como demonstração de que há efetivamente formas e meios para a participação popular na vida pública”. Ele ainda complementa:

A introdução de uma nova infraestrutura tecnológica, entretanto, faz ressurgir fortemente as esperanças de modelos alternativos de democracia, que implementem uma terceira via entre a democracia representativa, que retira do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer inteiramente consignada ao cidadão. Estes modelos giram ao redor da ideia de democracia participativa e, nos últimos dez anos, na forma da democracia deliberativa, para a qual a internet é, decididamente, uma inspiração (GOMES, 2005, p.218).

De modo geral, os autores estudados compartilham de uma opinião comum de que participação popular é muito mais que ser um mero espectador dos assuntos da vida pública e política. É interagir, agir, envolver-se, fazer parte por completo, reivindicar com conhecimento de causa, é propor mudanças pelo bem comum, pela coletividade. Nesse sentido, como apontou Gomes, as ferramentas tecnológicas são inspiradoras. Entretanto, é preciso fazer bom e adequado uso dos novos meios de informação e comunicação e dos ambientes digitais on-line disponibilizados com a difusão da internet.

Para refletirmos que tipo de comunicação foi disseminado pelos grupos aqui estudados no processo de impeachment de Dilma Rousseff a partir do uso das tecnologias digitais nas redes sociais on-line, acreditamos que seja pertinente abrirmos espaço para a discussão sobre o conceito de comunicação popular, alternativa e comunitária. Sua origem se deu nos anos de 1970 e 1980 a partir de movimentos populares no Brasil e na América Latina e “não se caracteriza como um tipo de comunicação qualquer, mas como um processo de comunicação que emerge da ação dos grupos populares” (PERUZZO, 2009a, p. 47). A autora conceitua o que vem a ser este tipo de “comunicação”:

(...) a comunicação popular, alternativa e comunitária se caracteriza como expressão das lutas populares por melhores condições de vida, que ocorrem a partir dos movimentos populares e representam um espaço para participação democrática do “povo”. Possui conteúdo crítico-emancipador e reivindicativo e tem o “povo” como protagonista principal, o que a torna um processo democrático e educativo. É um instrumento político das classes subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na construção de uma sociedade igualitária e socialmente justa (PERUZZO, 2009a, p.49).

Segundo Peruzzo (2009a, p.56), a comunicação comunitária, popular, alternativa ou participativa tem como base os princípios públicos e “engloba os meios tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle de associações comunitárias, movimentos e organizações sociais sem fins lucrativos”. Neste processo, “realiza-se o direito de comunicar ao garantir o acesso aos canais de comunicação”. Trata-se, então, “não apenas do direito do cidadão à informação, enquanto receptor (...), mas também do direito ao acesso aos meios de

comunicação na condição de produtor e difusor de conteúdos”. Ela observa ainda que esses processos têm maior visibilidade em duas situações: quando os desafios estão relacionados à apropriação de instrumentos de comunicação dirigida, pequenos jornais, panfletos, cartazes, faixas, troças carnavalescas, peças de teatro, slides, alto-falantes, TV de rua, etc. E, em outra condição, quando há o empoderamento social das tecnologias de comunicação, que passa pelo videocassete, alto-falante, rádio em frequência modulada, televisão comunitária no sistema a cabo, e mais adiante, sites, blogs, fotologs e listas de discussão na internet. A autora faz ainda uma interligação entre comunicação e a participação popular:

Empoderamento, de empowerment, em inglês, quer dizer participação popular ativa com poder de controle e de decisão nos processos sociais (políticas públicas relacionadas à educação, saúde, comunicação, transporte, questões de gênero, geração de renda), e como tal, também, a apropriação de meios de comunicação. O desafio atual é justamente avançar no empoderamento qualitativo e amplo das novas tecnologias de comunicação, ao mesmo tempo em que as antigas modalidades comunicativas continuam tendo seu lugar (PERUZZO, 2009a, p.57).

Nesta concepção, a abordagem de comunicação popular está atrelada à possibilidade da sociedade civil, sobretudo por meio de grupos e movimentos sociais, criar espaço para a disseminação de conteúdos que venham a promover a melhoria e o desenvolvimento das condições sociais e de vida. Esclarecemos ainda que este tipo de comunicação foi concebido para nutrir a sociedade de informações e assuntos comumente não abordados pelos meios de comunicação tradicionais. Assim “estamos falando, pois, de uma comunicação que se vincula aos movimentos populares e outras formas de organização de segmentos populacionais mobilizados e articulados e que tem por finalidade contribuir para a mudança social e a ampliação dos direitos de cidadania” (PERUZZO, 2009b, p.134).

No âmbito de nosso estudo, se entendermos que os grupos das redes sociais on-line do processo do impeachment da presidente da República em 2016 como “movimentos sociais ou populares” conceberemos assim suas fanpages como um canal de comunicação “alternativo” para externar as demandas não contempladas pelos veículos de comunicação tradicional. No entanto, como também já sinalizamos e exemplificamos, há diversos elementos a serem observados nesta análise para que possamos classificar ou não tais grupos como movimentos sociais ou populares. Estes podem ser ainda apenas uma parcela da sociedade civil que, num momento específico da história política do Brasil, utilizou os novos meios de comunicação e recursos tecnológicos da atualidade para promover o ativismo digital e intervir no espaço público. Ou seja, a reflexão que trazemos é que as manifestações públicas articuladas a partir

das redes sociais on-line por grupos da sociedade civil, os quais ganharam significativa visibilidade na esfera pública, não necessariamente se enquadram no escopo de movimentos sociais ou populares. Independentemente desta classificação, o fato é que as ações e atividades nos ambientes on-line organizadas por eles tiveram relevância no contexto histórico e institucional do país. Daí nosso interesse por ampliar o conhecimento acerca do papel desses atores sociais.

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