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Os grupos “virtuais” e a cobertura no jornal O Globo

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CAPÍTULO IV – MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS: REPERCUSSÃO NA IMPRENSA

4.2. As manifestações públicas e presença dos grupos das redes sociais on-line no noticiário

4.2.1. Os grupos “virtuais” e a cobertura no jornal O Globo

A análise empírica abrangeu 19 reportagens no jornal O Globo. No noticiário, o grupo MBL foi lembrado em três ocasiões e a Frente Brasil Popular uma vez. Os contextos em que os grupos são citados nos textos evidenciam claramente o posicionamento destes com relação ao impeachment. Uma nota sobre o MBL diz que o grupo “está usando as redes sociais para atacar Pezão e Picciani” em referência aos gastos com a Olimpíada e completa ao informar que “os jogos são patrocinados pela capital do Rio de Janeiro, cujo prefeito é Eduardo Paes”. Filiados ao PMDB, estes políticos eram fortes aliados de Dilma em março de 2016. Sobre a Frente Brasil Popular, a referência é com base numa citação do presidente do PT, Rui Falcão, que diz que o partido irá participar de eventos convocados pelo grupo nos dias 18 e 31 de março, em reportagem sobre manifestações públicas em São Paulo.

Os outros dois – Vem pra Rua e Povo sem Medo – não foram citados no período de análise realizada no jornal O Globo. Houve notícias com referências a outros grupos como “Sem medo de ser feliz” e “Espaço de Unidade de Ação”, que organizaram pelas redes sociais protestos contra o governo Dilma e políticos do governo e da oposição, respectivamente. Apesar de terem sido raras as citações aos grupos estudados, notou-se referência, em algumas reportagens, de que o ato foi organizado nas redes sociais por grupos ou movimentos.

Em seus estudos sobre manipulação na produção jornalística, Abramo (2003, p.25) identifica o padrão de ocultação como aquele “que se refere à ausência e à presença de fatos reais na produção da imprensa”. Para ele, não se trata de “desconhecimento” ou “mera omissão do real”, ao contrário, a ocultação é um silêncio planejado. Este padrão estaria ligado ao que a imprensa imputa como fatos jornalísticos e fatos-não jornalísticos.

Ora, o mundo real não se divide em fatos jornalísticos e não-jornalísticos (...). O “jornalístico” não é uma característica intrínseca do real em si, mas

24 Os eventos nacionais do MBL e Vem pra Rua, que ocorreram no mesmo dia foram em 13 de março e 17 de

abril de 2016, traziam chamadas para “Megamanifestação Impeachment Já!” e “Vem para rua na votação do Impeachment”. Com relação às Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, estas organizaram nove atividades de âmbitos nacional ou regional – 31 de março, 17 de abril, 1º e 30 de maio, 10 e 24 de junho, 31 de julho, 29 e 30 de agosto de 2016 – em parceria e faziam referência a manifestações “em defesa da democracia, garantia de direitos e contra o golpe”.

da relação que o jornalista, ou melhor, o órgão do jornalismo, a imprensa, decide estabelecer como realidade. Nesse sentido, todos os fatos, toda a realidade poder ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe de suas características reais intrínsecas, mas dependem sim das características do órgão de imprensa, da sua visão de mundo, da sua linha editorial, do seu “projeto”, enfim, como se diz hoje (ABRAMO, 2003, p.26).

O alerta feito por Abramo é que um “acontecimento” pode ser manipulado pela imprensa sob a ótica da “ocultação” e que a decisão de ocultar determinados fatos da realidade é planejada e segue uma linha editorial e política definida pelo órgão de imprensa. Ao analisarmos O Globo, notamos que ao veículo pouco importou informar ao leitor quem eram os autores das manifestações. O fato jornalístico em questão era “as manifestações públicas” em si, ou seja, os protestos da sociedade, os quais tiveram pesos diferentes a depender da linha ideológica apresentada por seus grupos e manifestantes. De modo geral, as ações voltadas pelo impeachment tiveram mais espaço no noticiário do veículo, em detrimento aos atos de apoio ao governo da então presidente da República.

O jornal O Globo categorizou em duas alas distintas os protagonistas dos atos e protestos relacionados ao impeachment. Aqueles que atuaram favoráveis ao processo representaram a sociedade de forma mais ampla e foram definidos por: “defensores do impeachment”, “manifestantes” anti-Dilma, a favor do impeachment ou contra o governo, “movimentos” contra a presidente, “grupo pró-impeachment”. Este público, sob a ótica do jornal, simbolizava a massa da população brasileira, em defesa de seu país, por moralidade na política, melhoria na economia, contra a corrupção, entre outros fatores.

A bandeira do Brasil ou as cores verde e amarela tornaram-se elementos que representavam essas pessoas nas ruas em alusão ao patriotismo. No entanto, muitos usavam camisas da Seleção Brasileira, que têm em destaque o emblema da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), entidade envolvida em escândalos de corrupção25. Um exemplo é o caso do ex-presidente da CBF, José Maria Marín. Preso na Suíça em maio de 2015, e extraditado para os Estados Unidos em novembro do mesmo ano, cumpre prisão domiciliar em Nova York. As palavras de ordem mencionadas ou expressas em faixa e cartazes foram: “Fora Dilma”, “Renúncia já”, “Fora todos”, “Lula na cadeia”, “Renúncia”, “Fora Lula”.

25 As denúncias de corrupção na Fifa existem há anos. Mas, em 2015, os Estados Unidos tornaram pública uma

investigação sobre crimes como extorsão, fraudes financeiras e lavagem de dinheiro envolvendo cartolas da entidade de vários países. Marco Polo Del Nero, José Maria Marín e Ricardo Teixeira, ex-presidentes da CBF, teriam montado um esquema de corrupção que arrecadou R$ 120 milhões em propinas. (CHADE, Jamil. Esquema de corrupção na CBF recebeu R$ 120 milhões, diz FBI. Portal Estadão, Esportes, 06 dez.2015). Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,notas-frias-e-chantagens-fbi-revela-as-taticas- dos-cartolas,1807312>. Acesso em: 04 ago.2018.

Do outro lado, ou seja, nas manifestações contra o impeachment, os protagonistas foram identificados como: “militantes petistas”, “militância anti-impeachment”, “manifestantes” pró-governo, “apoiadores” da presidente, “grupo” pró-impeachment, “militantes” pró-governo. Estes foram citados ainda como “movimentos sociais”, “movimentos de mulheres”, “classe artística” ou ainda representam associações ou instituições tais como Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), União Nacional dos Estudantes (UNE), Espaço de Unidade de Ação, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Movimento Ocupa MinC. As palavras de ordem usadas pelo grupo foram: “Não vai ter golpe”, “Lula, eu respeito. Lula, eu defendo”, “Fora, Temer” e “Temer, jamais”. Aqui, nota-se que o jornal O Globo categoriza essas pessoas como uma parcela da sociedade ligada a grupos político- partidários, movimentos populares e sociais, especialmente de esquerda.

O vermelho se tornou símbolo nas fotos publicadas no jornal O Globo no que concerne às manifestações contra o impeachment. Nesse sentido, nos parece que o significado histórico perdeu seu sentido para ser simplificado, traduzido e/ou embutido no imaginário do leitor como a cor do Partido dos Trabalhadores (PT). De certo esta cor está relacionada a correntes ideológicas de esquerda ou socialista, porém, seu significado tem sentidos mais antigos e complexos. Na religião e na guerra, o vermelho era tido como atributo de poder desde a Antiguidade. Na história moderna “surge como símbolo do direito às manifestações e da classe oprimida logo depois da Revolução Francesa” (ROESLER, 2016, s.p., 15 abr.).

Após a revolução burguesa, a assembleia constituinte francesa decidiu colocar bandeiras vermelhas nos principais cruzamentos de modo a indicar que estavam proibidas manifestações públicas. No dia 17 de julho de 1791, milhares de parisienses se reuniram no Campo de Marte para exigir a destituição definitiva do rei Luís XVI. O prefeito de Paris, Bailly, mandou içar no alto uma grande bandeira vermelha, para que não restasse dúvida de que o povo devia se manter longe das ruas. Mas o povo tomou a praça e a polícia investiu com força letal contra os manifestantes, matando mais de 50 pessoas. E foi assim que a cor vermelha passou a representar o direito às livres manifestações, dos excluídos, das classes oprimidas, dos explorados, numa verdadeira inversão simbológica, passando a representar o “sangue derramado contra a tirania” e, mais recentemente, a classe trabalhadora, razão pela qual acabou sendo adotado pelas correntes ideológicas mais identificadas com a justiça social (ROESLER, 2016, s.p.,15 abr.).

Se o verde e o amarelo simbolizaram o patriotismo dos brasileiros, o vermelho era a cor do poder que estava xeque naquela ocasião. Entendemos, aqui, que o jornal faz uma descontextualização do acontecimento em decorrência da “seleção de aspectos”, que se configura como “padrão de fragmentação” da imprensa (ABRAMO, 2003). “Isolados como

particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração perdem todo o seu significado original e real para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real e original” (ABRAMO, 2003, p.28). A falta de aprofundamento de determinadas questões no jornalismo brasileiro tem comprometido a qualidade da produção jornalística e o sentido criativo do jornalismo no que diz respeito à função social.

Em duas notícias – incluindo textos, legendas e fotos – relacionadas a atos pró- governo, a abordagem do jornal O Globo foi desfavorável aos manifestantes. No dia 9 de março, a foto de capa traz manifestantes em situação de conflito, com o seguinte destaque: “À flor da pele – manifestação pelo Dia Internacional da Mulher acaba em bate boca entre defensores e críticos do governo Dilma”. Na reportagem interna uma linha fina informa: “Atos pelo dia Internacional da Mulher em São Paulo apoia presidente e provoca confusão”. No dia 13 de maio, sob o título “Temer enfrenta protestos no primeiro dia” e linha fina “Manifestantes tentaram invadir Planalto e foram dispersados com spray de pimenta”, encontramos cinco fotos com as legendas em destaque: 1.MST; 2.Confronto, 3.Atadas; 4.Invasão e 5.Confusão. Entre os registros fotográficos, há imagens que mostram manifestantes sendo dispersos por spray de pimenta e derrubando grade.

Nos dois exemplos dos noticiários descritos acima, notamos que O Globo fez novamente uma “seleção de aspectos” (ABRAMO, 2003). Ou seja, os acontecimentos são fatos jornalísticos dignos da produção jornalística, mas “o fato é decomposto, atomizado, dividido em particularidades ou aspectos, e a imprensa seleciona os que apresentará ou não ao público” (ABRAMO, 2003, p.27-28). Em suma, o jornal definiu a linha de apresentação dos atos e manifestações públicas realizadas pelo grupo contra o impeachment aos seus leitores.

O jornal das Organizações Globo colocou lado a lado notícias sobre a atuação dos grupos que organizaram protestos pró e contra o impeachment. No dia 25 de março, a reportagem “Manifestantes estendem faixa com ofensa a Teori” ganhou maior destaque e mostrou ação ofensiva de grupos contra o governo. Destacamos um trecho: “Um grupo ligado ao Movimento Brasil Livre, que defende o impeachment, levou um caixão com os nomes de Teori, Lula e PT e cantou os slogans ‘Olê, Olê, Supremo Tribunal, puxadinho do PT’ e ‘Não vai ter golpe, vai ter justiça’”. Esta notícia foi ilustrada com foto do ministro. Ao lado, a matéria menor, porém, com duas fotos em destaque, mostra manifestações a favor do governo em São Paulo e no Rio de Janeiro, com o título “Protestos contra impeachment”. O conteúdo

é objetivo, com dados factuais sobre quantidade de manifestantes, local dos eventos, organizadores, entre outros.

Ainda sobre os protestos a favor e contra o impeachment, no dia 9 de março, a manchete do jornal O Globo foi a seguinte “Planalto teme confronto e Alckmin veta ato do PT”26

, sobre a possibilidade dos atos ocorrerem no mesmo dia. Em página do primeiro caderno, a reportagem adota a linha de eventual conflito entre os manifestantes de facções opostas, conforme mostram os títulos: “Governo tenta esfriar ânimos”, seguido de linha fina “Preocupado com violência, Planalto pede a apoiadores para não irem às ruas no dia 13”; e “Ministro do STF: ‘Receio um cadáver’”.

Paralelamente à análise das manifestações públicas relacionadas ao impeachment, observamos assimetricamente que em O Globo o governo sofreu pressão com certa frequência no noticiário paralelo ao foco da pesquisa. Nesta pesquisa exploratória, encontramos ainda pautas relacionadas à Operação Lava Jato, queda do crescimento econômico, redução de investimentos na cultura, reforma da previdência, crise política interna, desemprego, crise institucional do PT, pesquisa de opinião pública sobre preferência a Temer em detrimento a Dilma. Os temas também foram abordados em editoriais e por colunistas no jornal. A instabilidade política e econômica e seus desdobramentos ocuparam boa parte das páginas do veículo entre março e agosto de 2016.

4.2.2. Protestos e manifestações do impeachment sob o prisma da Folha de S.Paulo

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