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Transformação da sociabilidade e individualismo em rede

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CAPÍTULO I – DOS CONCEITOS CLÁSSICOS SOBRE COMUNIDADE AO

1.2. Comunidades nas mídias e redes sociais e suas conexões

1.2.3. Transformação da sociabilidade e individualismo em rede

Embora já tenha sido feita uma ligeira aproximação sobre a transformação da sociabilidade em tempos de rede sociais digitais na sociedade moderna, nos parece pertinente apresentarmos outros pontos ainda não contemplados neste trabalho. O debate a se fazer neste momento é sob o prisma da complexidade da tecnologia e sua relação com a natureza e a

sociedade, e as consequências desta na vida comunitária, conforme propõe Cupan (2014). A abordagem abrange também uma discussão sobre as novas tecnologias de comunicação no contexto da cibercultura (RÜDIGER, 2011) e as transformações da sociedade moderna no que tange à sociabilidade e o individualismo em rede (CASTELLS, 2003).

Para o filósofo Cupani (2014, p.3-4) tratar de tecnologia é um assunto muito complexo a começar pelas definições plurais e variadas acerca do tema. “Essa desconcertante multiplicidade de caracterizações é, per si, um sinal de complexidade da tecnologia”. Talvez seja mais fácil projetar a inserção da tecnologia em nosso cotidiano a partir de sua aparição em forma de objetos. Porém, o autor nos faz refletir que a existência e o funcionamento destes objetos se sustentam em virtude da vida humana. “Devemos, portanto, ‘buscar’ a tecnologia, não apenas no âmbito dos objetos, mas também no âmbito das atividades humanas”, como a busca de uma informação por meio de um computador, ou mesmo, a divulgação de um conteúdo por dispositivos móveis.

Nós, os seres humanos, vivemos, agimos, reagimos e pensamos dentro de sistemas tecnológicos que nos condicionam, consciente ou inconscientemente. “Viver na tecnologia” não é mera metáfora, e o condicionamento a que me refiro tem suas consequências, já familiares, na inclinação a nos “programarmos”, a preferir os recursos mais eficientes e as estratégias mais velozes, e até a substituir palavras como “lembrar” por “acessar a informação”. Com outras palavras, a tecnologia faz-se presente como um mundo humano com suas peculiares maneiras de conduta e autoconsciência (CUPANI, 2014, p.5).

Cupani (2014, p.8) observa ainda que a tecnologia é um produto social porque apesar das invenções serem produto do indivíduo, “elas não podem subsistir nem proliferar senão como processos sociais em determinadas épocas e grupos humanos”. Assim, compreendemos os processos de comunicação no ciberespaço e sua disseminação em escala mundial como parte de um movimento, em que os indivíduos estão se apropriando de recursos e ferramentas tecnológicas em consonância com os moldes da sociedade contemporânea. “As formas em que os grupos humanos se organizam e reorganizam (...) são cada vez mais tecnológicas. A realidade complexa da tecnologia se revela idêntica à realidade complexa da sociedade” (CUPANI, 2014, p.9). Também fazem parte desta complexidade tecnológica o dinamismo e a ambiguidade, entre outros fatores.

A considerar tal contexto, o autor nos instiga à reflexão sobre como lidar com a tecnologia e apresenta pontos de vistas positivos e negativos com relação à influência desta na vida da sociedade moderna. Assim, “a complexidade da tecnologia revela-se fundada na complexidade da condição humana, que possibilita suas diversas definições” (CUPANI, 2014,

p.13). Tudo leva a crer que as indagações que recaem sobre o tema não devam cessar, ao contrário, são cada mais pertinentes e necessárias para ampliarmos nossos horizontes e refazermos nossos conceitos numa sociedade tão dinâmica e complexa.

Se a polêmica sobre os males e os benefícios advindos da tecnologia se fazem presentes na sociedade contemporânea, não é diferente quando se trata de estudos do “espaço de comunicação aberto pela interconexão dos computadores e das memórias dos computadores”, ou seja, do conceito de ciberespaço (LÉVY, 1999, p.31). O jornalista, que atua no campo da pesquisa sobre a indústria cultural e o pensamento tecnológico e cibercultura, Rüdiger (2011, p.46) mostra exatamente essa diversidade de opiniões entre autores com relação à participação da internet na vida moderna.

Conforme dão conta os registros, verifica-se historicamente que o surgimento de todo aparato de comunicação se associa não apenas à discussão sobre seu impacto na vida coletiva, mas à polêmica sobre o valor dos conteúdos que a partir daí passam a ser agenciados socialmente. As polêmicas que acompanharam o aparecimento da imprensa e da televisão, por exemplo, se desdobram nas que envolvem o significado social de formas culturais como o romance sentimental e os filmes de violência. A internet tanto quanto os fenômenos que ela enseja não são exceções. (RÜDIGER, 2011, p.47).

Em seus estudos, Rüdiger (2011, p.47-48) recorre ao pesquisador ligado aos negócios de informática e comunicação, George Gilder, como exemplo de pioneirismo na abordagem sobre o impacto coletivo da internet na sociedade contemporânea. Ele defende que a informática da comunicação tem um sentido libertador para o indivíduo. “Em Life after television (1990), ele anunciou a chegada de uma nova era, em que não haverá mais lugar para a tirania da comunicação de cima para baixo, conforme ilustrada pelo império da televisão”. Para ele, os meios digitais conduzem a sociedade para uma época menos padronizada e mais democrática e não trata da interação dos agentes sociais na internet. Seu debate fica em torno do “potencial criativo dos recursos tecnológicos da nova era das telecomunicações”.

Para Rüdiger (2011, p.48-49), não se contesta que o cenário mudou a partir do advento da internet. “A internet criou uma rede mundial de computadores, e a popularização dos equipamentos de informática está permitindo a milhões de pessoas se tornarem sujeitos engajados ativamente no processo de comunicação”. Ele observa também que a disseminação do conhecimento passou a ocorrer horizontalmente, dando maior poder ao indivíduo. Porém, contrapõe essa ideia a partir de estudos de outros pesquisadores que apresentaram propostas divergentes poucos anos depois a de Gilder (1990).

Segundo Slouka, as tecnologias de informação nos projetam num mundo cada vez mais fantasioso e irreal, que tende a nos privar das competências com que desenvolvemos nossa humanidade. Em primeiro lugar, a expansão do ciberespaço ameaça nos privar do sentimento de pertença a um lugar, promovendo situações abstratas, em que não sabemos ou não mais importa saber onde estamos realmente. Em segundo, permite que criemos e nos relacionemos através de identidades virtuais, que nos privam do sentido de realidade e, assim, dos sentimentos de responsabilidade em relação às nossas condutas. Em terceiro, o processo propende a substituir as associações concretas e responsáveis individualmente por comunidades abstratas e indiferenciadas, em que se impõe à consciência o primado “da noção ciberneticista de organismo global, de uma colmeia humana feita de milhões de computadores interligados” (apud RÜDIGER, 2011, p.48-49). Embora Gilder (1990) e Slouka (1995) teçam opiniões divergentes, Rüdiger (2011, p.50) constata que, comum a ambos, é a “reflexão focada no significado da informática de comunicação, muito mais do que nos conteúdos que esta agencia”. Assim, a tecnologia digital é concebida “como agente de mudança, apesar de seu sinal ser distinto, ali negativo, lá favorável, para o desenvolvimento do que se considera nossa humanidade, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista intelectual e econômico”.

Castells (2003) compreende que a sociabilidade e o individualismo em rede têm um papel importante no processo de interação social na sociedade moderna e podem auxiliar na manutenção de laços fortes a distância. O sociólogo espanhol concebe a tecnologia como um suporte positivo no processo de transformação das relações sociais na contemporaneidade. Em sua visão, os fatores espacialidade e territorialidade não garantem a manutenção de laços interpessoais na sociedade. Assim, “as pessoas não formam seus laços significativos em sociedades locais, não por não terem raízes espaciais, mas por selecionarem suas relações com base em afinidades” (CASTELLS, 2003, p.106).

Talvez o passo analítico para se compreender as novas formas de interação social na era da internet seja tomar por base uma redefinição de comunidade, dando menos ênfase a seu componente cultural, dando mais ênfase ao seu papel de apoio a indivíduos e famílias, e desvinculando sua existência social de um tipo único de suporte material (...). As comunidades, ao menos na tradição da pesquisa sociológica, baseavam-se no compartilhamento de valores e organização social. As redes são montadas pelas escolhas e estratégias de atores sociais, sejam indivíduos, famílias ou grupos sociais. Dessa forma, a grande transformação da sociabilidade em sociedades complexas ocorreu com a substituição de comunidades espaciais por redes como formas fundamentais de sociabilidade (CASTELLS, 2003, p.106-107).

Castells (2003, p.107-108) destaca a ascensão do individualismo como outra tendência dominante na evolução das relações sociais na atual sociedade, dando ênfase para “o

surgimento de um novo sistema de relações sociais centrado no indivíduo”. O novo padrão dominante funda-se nas relações terciárias, também chamadas de “comunidades personalizadas” e sucedem a transição das relações primárias (corporificadas em famílias e comunidades) e relações secundárias (corporifica em associações), respectivamente.

Essa relação individualizada com a sociedade é um padrão de sociabilidade específico, não um atributo psicológico. Enraíza-se, em primeiro lugar, na individualização da relação entre capital e trabalho, entre trabalhadores e processo de trabalho, na empresa de rede. É induzida pela crise do patriarcalismo e a subsequente desintegração da família nuclear tradicional (...). É sustentada (mas não produzida) pelos novos padrões de urbanização (...). É racionalizada pela crise de legitimidade política, à medida que a crescente distância entre os cidadãos e o Estado enfatiza o mecanismo de representação e estimula a saída do indivíduo da esfera pública. O novo padrão de sociabilidade em nossas sociedades é caracterizado pelo individualismo em rede (CASTELLS, 2003, p.108).

A internet proporcionou novas formas de se relacionar na sociedade contemporânea. Independentemente das visões otimistas ou pessimistas dos autores estudados nesta pesquisa quanto aos efeitos que ela possa causar, fato é que os cidadãos têm se apropriado em esfera global, com intensidade cada vez maior, de recursos e ferramentas tecnológicas no seu dia a dia. Vivemos um momento de transformação contínua e dinâmica em que a tecnologia incorpora-se a vida e atividades cotidianas. Neste novo padrão de sociabilidade emergente, as redes sociais se caracterizam como um potencial instrumento facilitador de comunicação, mobilização e engajamento social. Daí, o surgimento do ativismo nas redes sociais, que nada mais é que a organização coletiva de indivíduos, grupos e instituições em um novo formato pela luta social e promoção de demandas por seus objetivos. Antes de prosseguirmos com o debate acerca do ativismo digital, faz-se necessário refletirmos em qual esfera pública estes “novos movimentos” atuam, considerando, neste contexto, a difusão das tecnologias de informação e comunicação (TICs) no cotidiano destes atores sociais.

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