• Nenhum resultado encontrado

Revoluções “glocais”: breves aspectos de ativismo digital – Primavera Árabe,

No documento Download/Open (páginas 50-56)

CAPÍTULO I – DOS CONCEITOS CLÁSSICOS SOBRE COMUNIDADE AO

1.3. Ativismo nas redes sociais on-line: conceitos e experiências mundiais

1.3.1. Revoluções “glocais”: breves aspectos de ativismo digital – Primavera Árabe,

Occupy Wall Street e passagens pela América Latina

As “revoluções” contemporâneas ganham configurações e formas, em que as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) são apoio e fortes aliadas para a propagação, quase imediatas, de atos por demandas e objetivos diversos em escala mundial. Uma vez que já tratamos da presença da internet da vida comunitária da sociedade moderna e como os aparatos tecnológicos têm sido apropriados por indivíduos, grupos e instituições da sociedade civil para o desenvolvimento do ciberativismo, não cabe, aqui, retomarmos este debate. Porém, consideramos pertinente reforçar que compreendemos “as revoluções” vistas na atualidade como maneiras da sociedade exacerbar suas insatisfações e sentimento de revolta a partir da apropriação dos meios de comunicação disponíveis, como ocorreu no passado.

Compartilhamos da observação de Sorj (2014) que conceitua essa nova onda de manifestações como “fenômenos glocais” já vistos em outros tempos de nossa história.

Os fenômenos glocais, isto é, fenômenos sociais que fundem realidades locais e globais, não são novos. A Revolução Francesa, por exemplo, exerceu um efeito de demonstração nos mais variados lugares do planeta,

assim como ela mesma foi produto de influências que vinham de toda a Europa. O mesmo aconteceu, mais tarde, com a Revolução Russa. A diferença entre as duas foi a rapidez da propagação das causas que apregoavam. Entre o final do século XVIII e início do século XX, avançaram os processos de interação da economia mundial, os sistemas de comunicação e a intensidade da circulação de elites. Certamente, no mundo atual, de comunicação instantânea, é de esperar que os fenômenos locais tenham influência quase imediata em outras latitudes (SORJ, 2014, p.87).

Posto que as comunidades do passado se organizaram e promoveram “revoluções” por mudança e transformação sociais e seus efeitos extrapolaram o campo territorial e reverberaram em outras localidades, digamos que, na atualidade, temos um retorno ao passado, porém, repaginado e influenciado pela apropriação dos novos meios de comunicação por indivíduos, grupos e instituições em todo mundo. Mas quais são os motivos que têm feito pessoas de nacionalidades e culturas tão diferentes no mundo organizarem e articularem atos e protestos por meio das redes sociais e, a partir deles, conseguirem adesão em massa nas ruas? As respostas estão nos contextos sociais e institucionais da sociedade. Mas, de modo geral, nota-se desconfiança com relação à atuação das instituições tradicionais e dos meios de comunicação de massa, crise nos sistemas político e econômico, e, consequentemente, a sociedade eclode sua insatisfação e indignação, tendo a internet e as redes de relacionamento on-line um ambiente propício para propagar suas demandas. Nos estudos sobre os “novos” movimentos sociais na era digital, Castells (2013, p.11) apresenta alguns traços relacionados ao contexto social dessas populações.

(...) Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio cultural e desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu (...). Os mágicos das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos de desprezo nacional. Políticos viram-se expostos como corruptos e mentirosos. Governos foram denunciados. A mídia se tornou suspeita. A confiança desvaneceu-se. E a confiança é o que aglutina a sociedade, o mercado e as instituições (...). Sem confiança o contrato social se dissolve e as pessoas desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando pela sobrevivência (CASTELLS, 2013, p.11).

Cenários semelhantes foram vistos em várias localidades do mundo e à medida que a sociedade passou a reagir, fazendo uso dos novos meios de comunicação digital, tem-se a explosão da nova onda da sociedade civil. Faremos uma passagem por exemplos destes “novos” movimentos com a finalidade de complementar os estudos teóricos aos empíricos, como Primavera Árabe, Occupy Wall Street e situações ocorridas na América Latina. Neste último caso, a abordagem será breve, uma vez que será retomada no capítulo seguinte sob a ótica dos movimentos latino-americanos, sobretudo do Brasil.

Segundo Castells (2013, p.27-29), na Tunísia e Islândia, “as insurgências políticas que transformaram as instituições de governança nos dois países em 2009-2011 tornaram-se referência para movimentos que sacudiram a ordem política no mundo árabe e desafiaram as instituições políticas na Europa e Estados Unidos”. O autor relata que na Tunísia o movimento começou em dezembro de 2010, com o suicídio de Mohamed Bouazizi. O jovem vendedor ambulante de 26 anos teria ateado fogo em seu corpo como forma de protesto contra a humilhação de confisco pela polícia local, depois de recusar-se a pagar propina. Seu primo, Ali, registrou a autoimolação de Mohamed e distribuiu o vídeo pela internet. A partir de então, outras manifestações espontâneas passaram a acontecer. Das províncias, chegaram à capital, onde a repressão da polícia tunisiana resultou na morte de pelo menos 147 pessoas e deixou outras centenas feridas.

(...) em 14 de janeiro [de 2011] o ditador Ben Ali e sua família deixam a Tunísia para se refugiar na Arábia Saudita, quando confrontados com a retirada do apoio do governo francês, o aliado mais próximo de Ben Ali desde sua ascensão no poder, em 1987. Ele se tornara um embaraço para seus patrocinadores internacionais. Era preciso encontrar um substituto na elite política do próprio regime. [A partir de então começam as manifestações contra] os poderes constituídos. A conexão entre comunicação livre pelo Facebook, Youtube e Twitter e a ocupação do espaço urbano criou um híbrido espaço público de liberdade que se tornou uma das principais características da rebelião tunisiana, prenunciando os movimentos que surgiriam em outros países (CASTELLS, 2013, p.29).

O autor (CASTELLS, 2013, p.34-35) identificou uma convergência de três características distintas na Tunísia: a revolta foi liderada por um grupo ativo de desempregados com educação de nível superior, que ignorou outras lideranças formais; houve uma forte cultura de ciberativismo que fez críticas abertas ao regime político instaurado; e alta taxa de difusão do uso da internet. As lutas sociais, ocorridas a partir do hibridismo do ciberativismo e manifestações no espaço público, marcaram a história do país, que, hoje, mantém um regime democrático, apesar de enfrentar crises institucionais nessa transição de sistema político. O atual presidente da Tunísia é Béji Caid Essebsi, eleito em 2014.

O sociólogo espanhol (CASTELLS, 2013, p.13) relata que a partir do estopim da revolução da “Primavera Árabe”, em 2011, outros movimentos eclodiram na Europa e nos Estados Unidos contra a forma gestão da crise econômica de “governos [que] se colocavam ao lado das elites financeiras responsáveis pela crise à custa de seus cidadãos”. Na Europa, as manifestações mais intensas ocorreram na Espanha, Grécia, Portugal, Itália, Grã-Bretanha e, “com menos intensidade, mas simbolismo semelhante, na maioria dos outros países” do continente europeu. Nos Estados Unidos, o movimento ficou conhecido como Occupy Wall

Street e seguiu as características dos demais: espontâneo e conectado em redes no ciberespaço e no espaço urbano.

[O Occupy Wall Street] tornou-se o movimento do ano e afetou a maior parte do país, a ponto da revista Time atribuir ao “Manifestante” o título de personalidade do ano. E o lema dos 99%, cujo bem-estar fora sacrificado em benefício do 1% que controla 23% das riquezas do país, tornou-se tema regular na vida política americana. Em 15 de outubro de 2011, uma rede global Occupy, sob a bandeira “Unidos pela Mudança Global”, mobilizou centenas de milhares de pessoas em 951 cidades de 82 países, reivindicando justiça social e democracia. Em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos políticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada de decisões (CASTELLS, 2013, p.13).

Outros pesquisadores têm se debruçado a discorrer sobre outras manifestações de ativismo digital no mundo. O livro Ativismo político em tempos de internet (SORJ; FAUSTO, 2016, p.9) traz uma análise das transformações do ativismo político na América Latina a partir do uso dos meios de comunicação ao reunir 19 estudos de caso de seis países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Venezuela). A obra apresenta uma “ampla gama de experiências inovadoras e seus impactos nas formas de organização e de atuação da sociedade civil, partidos políticos e governos”.

Os casos analisados de ciberativismo indicam que nenhuma delas representa uma “bala de prata” — uma experiência capaz de resolver os múltiplos desafios enfrentados pela construção de instituições democráticas mais sólidas e de maior qualidade. Mas todos indicam novas possibilidades e desafios ao desenvolvimento de relações virtuosas entre as formas tradicionais de participação (tanto nas organizações da sociedade civil como nos partidos políticos) e o ativismo no espaço virtual (SORJ; FAUSTO, 2016, p.9).

Embora as pesquisas versem sobre diferentes campos de estudo do ciberativismo – manifestações de rua; plataformas de consulta; campanhas de apoio on-line, mudanças nas formas tradicionais de organização da sociedade civil e dos partidos políticos; e o lugar dos meios tradicionais de comunicação – optamos por exemplificar os trabalhos que estão relacionados ao tema desta dissertação. No prefácio da obra, Sorj (2016, p.25) faz uma crítica às análises imediatistas relacionadas às manifestações de rua dos últimos anos e alerta os historiadores do presente para que fiquem “sempre atentos para o novo, mas sem esquecer lições do passado”.

A surpresa de muitos analistas sobre os desdobramentos da Primavera Árabe, ou as limitadas consequências imediatas do Occupy Wall Street, que foram saudados por alguns como o início de uma nova era de participação democrática e que hoje outros banalizam como movimentos incapazes de

mudar a história, é produto de uma visão que deixou de se alimentar da experiência histórica. Explosões sociais são recorrentes em todas as sociedades e seus desdobramentos sempre foram controlados por organizações que souberam tirar proveito ou neutralizar a nova situação (SORJ, 2016, p.25).

Os três casos de estudos analisados referentes a manifestações de ruas são do Chile, Brasil e Venezuela e dão conta de “fatores que antecederam as manifestações, seu transcurso e, quando possível, suas consequências” (SORJ, 2016, p.25). O primeiro trata do movimento estudantil chileno de um grupo que atuou fortemente nos bastidores off-line para, depois, promover ações nas ruas. As demandas do grupo integraram o programa de governo da candidata à presidência da Concertação. Além disso, nota-se a participação de vários líderes deste movimento, que sofreu queda após as eleições, no sistema político como candidatos nas eleições ou na composição do governo.

No Brasil, a pesquisa aborda as manifestações de junho de 2013, que tiveram outra dinâmica. Os atos são iniciados por um coletivo organizado off-line, o Movimento Passe Livre (MPL), que iniciou sua atuação em 2005. Formado especialmente por estudantes, o foco de luta do grupo é a melhoria da mobilidade urbana e por tarifa zero no transporte público. Os atos de junho de 2013 em São Paulo se expandiram rapidamente por todo o país. “Denúncias contra a corrupção, o desperdício de recursos para a realização da Copa do Mundo de futebol e a baixa qualidade dos serviços públicos passaram a ser as principais bandeiras dos manifestantes” (SORJ, 2016, p.25). As manifestações não tiveram a participação de partidos políticos, que se tornaram alvo dos protestos também. O autor concebe os atos de 2013 como uma primeira fase das manifestações que se deram a partir de 2015, porém, com foco mais direcionado: a presidente de Dilma Rousseff e os pedidos do impeachment.

Embora o texto aqui incluído se concentre nos eventos de 2013, eles podem ser considerados uma primeira fase, que continuou com as manifestações de março e abril de 2015, dirigidas fundamentalmente contra a presidente Dilma Rousseff e a favor do processo de impeachment. Nessa nova fase, passam a ocupar um espaço maior núcleos organizados off-line, com uma identificação política, em geral conservadora e/ ou pró-mercado, que se apresentam como os principais promotores das manifestações e buscam se apresentar como seus porta-vozes (SORJ, 2016, p.25-26).

Os estudos na Venezuela exploram as manifestações de 2014, cujo contexto político é extremamente polarizado. “A polarização política e as manifestações de rua atingiram a diáspora venezuelana, possibilitando o surgimento de um website e uma página de Facebook denominados SOS Venezuela” (SORJ, 2016, p.26). O autor relata que a iniciativa dos

ativistas venezuelanos, dos quais muitos estavam no exterior, visava a “chamar a atenção internacional para os desmandos do governo”. Embora no final das manifestações percebe-se o declínio das atividades, a marca SOS Venezuela “permanece ativa nas redes sociais”.

Segundo Sorj (2016, p.26) os três estudos “mostram formas muito variadas de articulação entre o sistema político, os grupos off-line e as manifestações de rua, nas quais os novos meios de comunicação desempenham um papel central nas convocações para as manifestações”. Em sua análise sobre cada um deles, ele diz:

No Chile, o sistema político-partidário se mostrou capaz de absorver as demandas e lideranças geradas pelo movimento estudantil. Liderados por militantes geralmente de partidos menores de esquerda, conseguiram marcar a identidade do programa de governo da candidata vencedora das eleições presidenciais e deslocar o eixo da política chilena. O caso brasileiro aponta a existência de um mal-estar em setores sociais muito variados (que se encaixariam numa definição muito ampla de classe média), insatisfeitos com o sistema político e com os partidos. Seu impacto foi o de marcar um novo momento da política brasileira, na qual a rua foi tomada por setores insatisfeitos com o governo do PT, mas não apenas com ele. (...) Por fim, na Venezuela temos uma polarização política, na qual desempenham um papel central o governo e os vários setores da oposição, que buscam reprimir, capturar ou apaziguar as manifestações de rua. Foi um capítulo de um drama político mais amplo, produto e reflexo da radicalização por parte da oposição e que foi integrado na dinâmica de enfrentamento com o governo (SORJ, 2016, p.26).

A partir dos estudos empíricos das bibliografias apresentadas nota-se que os novos meios de comunicação digital ocupam cada vez mais espaço na vida cotidiana e, a partir de sua apropriação, a sociedade contemporânea mostra que o engajamento e a participação social podem provocar rupturas e abalar as estruturas das instituições tradicionais. De modo geral, os autores observam a desconfiança e a falta de representatividade dessas instituições em escala mundial e as “novas revoluções digitais” aparecem como possibilidades de mudança dos rumos da história. Porém, os estudos merecem ser aprofundados e difundidos para que possamos compreender a dimensão e a relevância das tecnologias de informação e comunicação no dia a dia da sociedade, uma vez que a história nos mostra que o povo, independentemente dos recursos tecnológicos, encontra meios para externar sua insatisfação e indignação frente aos abusos do poder instituído.

CAPÍTULO II – MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES E

No documento Download/Open (páginas 50-56)