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1.3 O Surgimento da Cidade: Autoridade Política e Religiosa se

1.3.2 O Advento da Filosofia

Deve-se reconhecer que, conforme mostra a história, o homem foi se desenvolvendo em vários aspectos, e, de modo especial, no que diz respeito a sua razão.

44 As legiões eram o modo de divisão do exército romano.

45 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 244.

46 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 245.

A partir do ano 600 a.C. surgiram alguns pensadores que, não se conformando com a explicação do mundo baseada nos mitos religiosos, ousaram investigar a natureza e chegaram a conclusões nunca dantes imaginadas, mas que hoje, milênios depois, se mostraram muito razoáveis, o que é bastante surpreendente, considerando o conhecimento do mundo na época.

Pois bem, o marco do surgimento da filosofia é a passagem da explicação mítica da origem do mundo, para uma tentativa de explicação racional, onde os deuses do Capitólio ou do Olimpo cediam lugar à investigação da natureza.

Como seria de se esperar, a religião aos poucos vai sendo atingida por este novo modo de pensar que já não admitia a existência de deuses particulares, mas passava à concepção de um Deus único e universal.

Até o advento da filosofia na era antiga, os homens não concebiam a divindade como poder supremo, mas como um protetor particular:

Cada família teve a sua religião doméstica, e cada cidade a sua religião nacional. Uma cidade era como que uma perfeita pequena Igreja, com seus deuses, seus dogmas e seu culto. Estas crenças parecem-nos muito grosseiras, mas foram crenças do povo mais espiritualista daqueles tempos, exercendo sobre esse povo e sobre o povo romano ação tão forte que desta religião teve origem a maior parte de suas leis, de suas instituições e de sua história.47

O refinamento da crença veio com o tempo, inicialmente pela revolução feita pela plebe que acabou por dessacralizar o caráter hereditário e excludente do culto religioso primitivo e, em seguida, pela reflexão filosófica que iniciou a ideia da alma imaterial e de um Deus único do gênero humano e não mais deuses privados: “[...] lenta e obscuramente foi operando uma revolução intelectual.”48

Os filósofos da antiguidade eram aristocratas, cidadãos, participavam ativamente da vida política e jurídica de seu tempo. O esforço intelectual a que se dedicavam visava o conhecimento de modo global: matemática, astronomia, medicina e filosofia. Buscavam explicar a natureza de modo racional.

47 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p.123.

48 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 281.

Nos seus estudos sobre a Metafísica Aristóteles faz uma introdução com uma breve história da filosofia, iniciando com os pensadores pré-socráticos até Platão.49

Em Mileto, na Ásia Menor (Grécia) nascem os primeiros filósofos: Tales (624 a.C a 545 a.C.), Anaximandro (610 a.C. a 547 a.C.) e Anaxímenes (585 a.C. 525 a.C.). 50

O primeiro, segundo Aristóteles seria o fundador da filosofia da natureza e acreditava ser a água o elemento primordial, o princípio de tudo. Anaximandro introduziu o conceito de necessidade na natureza, onde o elemento fundamental seria apeiron, o ilimitado, o indeterminado, aquele que seria imutável. Anaxímenes acreditava que a origem de todas as coisas seria o ar. E seria também apeiron, ilimitado, indeterminado.

Em seguida vêm outros.

Pitágoras é da ilha de Samos, nascido em 570 a.C. e fundou a escola filosófica que reunia a atividade matemático-investigativa e a místico-religiosa. Acreditava na reencarnação da alma e pregava preceitos de purificação, influenciou o pensamento platônico. Para os pitagóricos os números eram o princípio da natureza através do qual seria possível explicar todos os fenômenos naturais.

Paralelamente à investigação da natureza começam a surgir na cultura grega as primeiras tentativas de se pensar a origem do próprio pensamento sobre o

cosmos. Partiram dos filósofos chamados “eleatas”: Xenofontes, Heráclito e

Parmênides. A partir deles, o interesse se volta para a origem do próprio pensamento, desloca-se o eixo da investigação, da natureza para o pensamento ou

logos.

Cassires constata isto. Ele nota que, nos seus primórdios, a filosofia grega se ocupou apenas do universo físico, entretanto, com a evolução do pensamento grego, vão além e iniciam o caminho da introspecção:

Heráclito posta-se na fronteira entre o pensamento cosmológico e o antropológico. Embora fale ainda como filósofo natural e faça parte dos “antigos fisiologistas”, está convencido de que é impossível

49 ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Marcelo Perine, São Paulo: Edições Loyola, 2010, p. 17- 41.

50 CASTRO, Suzana de. A filosofia antiga: os três períodos da filosofia antiga in Castro, Suzana de (org.). Introdução à filosofia. 2ª ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p. 11-31.

penetrar o segredo da natureza sem ter estudado o segredo do homem.51

Xenofontes (570 a.C. a 480 a.C) teria sido professor de Parmênides quando após muitas viagens chegou a Eleia. Era poeta e seus versos tratavam de cosmologia e teologia, criticava os valores tradicionais como o elogio exagerado da força física feito pelos gregos, pois a sabedoria valia mais do que a força. Acreditava que na verdadeira religião não havia múltiplos deuses, mas apenas um único Deus. Aristóteles dirá que ele foi o primeiro mestre da unidade entre os eleatas.

Heráclito de Éfeso provinha da aristocracia e seu pensamento era tido como enigmático e obscuro, porém pode-se afirmar que seguiu a mesma perspectiva de Xenofontes sobre a unidade e totalidade para o princípio de todas as coisas, tanto do pensamento quanto da natureza, a este princípio deu o nome de

logos52.

Parmênides de Eléia (515 a.C. a 440 a.C.) elaborou o princípio básico da ontologia: “só o ser é, o não ser não é”, que posteriormente foi chamado por Aristóteles de princípio da não contradição.

A afirmação parece uma redundância, porém, simplificando, se pode dizer que ele entendia que o logos, ou o pensamento, só pode pensar a verdade, ou o ser, mas quando se exprime uma opinião, isto já não é o logos, é somente a aparência do ser ou o não ser. E, assim, este ser é uno, imutável, imóvel e eterno, pois, do contrário, teria em si o não ser, o que para ele era impossível.53

Em seguida, vem o sistema pós-parmenidiano com Empédocles, Anaxágoras e Demócrito.

Empédocles (490 a.C. a 430 a.C.) reuniu os três elementos primordiais da natureza quais sejam o ar, o fogo e a água54 e os uniu a outro elemento, a terra, para afirmar que os seres nasceriam e pereceriam em função da composição e separação desses quatro elementos. Para ele nenhum ser acaba completamente,

51 CASSIRES, Ernest. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. Tradução Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 14.

52 CASTRO, Suzana de. A filosofia antiga: os três períodos da filosofia antiga in Castro, Suzana de (org.). Introdução à filosofia. 2ª ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p.16.

53 CASTRO, Suzana de. A filosofia antiga: os três períodos da filosofia antiga In Castro, Suzana de (org.). Introdução à filosofia. 2ª ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p. 17.

54 Para Tales de Mileto o elemento primordial da natureza era a água; para Heráclito era o fogo e para Anaxímenes, o ar.

mas se transforma na união com outros elementos ou corpos. Ele chamava de amor ao princípio da composição dos corpos e de ódio ao de separação dos elementos.

Anaxágoras (500 a.C. a 428 a.C.) foi quem levou a filosofia para Atenas quando ali foi morar em 465 a.C.. Ele acreditava também, como os anteriores, que não há geração a partir do nada e nem corrupção completa até o nada, mas afirmará que essas transformações não decorrem dos quatro elementos, mas de infinitas sementes que, divisíveis ao infinito, estariam presentes em todas as coisas desde o começo. Estas partes seriam idênticas umas às outras. Acreditava, ainda que, haveria um princípio espiritual do universo que movimentaria este princípio material das partículas infinitas:

Anaxágoras concebeu o Deus-Inteligência que reina sobre todos os homens e sobre todas as criaturas. Afastando-se das antigas crenças, distanciou-se também da antiga política. Como não acreditasse nos deuses do pritaneu, Anaxágoras não cumpria tampouco os seus deveres de cidadão; desse modo fugia das assembleias e não desejou ser magistrado. Sua doutrina representava um perigo para a cidade; os atenienses condenaram-no à morte.55

Por fim, surge Demócrito (460 a.C. a 370 a.C), conhecido por ser um dos fundadores do atomismo56. Os atomistas, ao contrário dos eleatas admitiam a existência do não ser, isto é, do Nada. Assim, o espaço vazio para Demócrito tem existência, pois, graças a ele, os átomos podiam se movimentar e entrar em composição ao se chocarem.

A partir do Século IV a.C., assistimos a um novo período da filosofia antiga, onde ocorreram dois deslocamentos espaciais: primeiro, o deslocamento do centro da cultura filosófica grega de suas colônias da Ásia Menor para as cidades- estado (polis) da península, e, segundo, o êxodo da filosofia, partindo do silêncio das escolas para o burburinho as cidades.57

55 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 281.

56 Teoria segundo a qual existe um elemento material mínimo e indivisível, o átomo, a partir do qual todas as coisas são compostas. Ainda, o átomo seria invisível, devido ao seu tamanho, eterno e imutável.

57 CASTRO, Suzana de. A filosofia antiga: os três períodos da filosofia antiga in Castro, Suzana de (org.). Introdução à filosofia. 2ª ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p.19.

Os novos filósofos são chamados de sofistas e são responsáveis por uma guinada na investigação filosófica, ou seja, deixam de lado a investigação da natureza para investigar o próprio homem.

Dentre os sofistas mais destacados estavam Protágoras (480 a.C. a ?) e Górgias (480 a.C. a 380 a.C.).

Eram eles que preparavam o jovem para sua atuação na vida pública, ensinando-lhes não apenas a literatura, mas oratória, educação moral e civil, entre outros. Viajavam de cidade em cidade oferecendo seus préstimos em troca de remuneração equivalente. Também aconselhavam os jovens em questões de ética, enfim, pretendiam educar a pensar, agir e falar corretamente, fosse na vida privada, fosse na pública.

Eram homens ardentes no combate aos velhos erros [...] não poupavam nem as instituições da cidade, nem os preconceitos da religião. Examinaram e discutiram ousadamente as leis que ainda regiam o Estado e a família [...] ensinando não precisamente a indiferença entre o justo e o injusto, mas uma nova justiça, menos acanhada e menos exclusiva que a antiga, mais humana, mais racional e livre das fórmulas das idades anteriores. [...] Ensinavam os gregos que, para governar o Estado, não bastava mais invocar antigos costumes e leis sagradas, mas era necessário persuadir os homens e agir sobre vontades livres. Substituíam o conhecimento dos antigos costumes pela arte de raciocinar e de falar, a dialética e a retórica [...] ligavam-se à eloquência e ao espírito.58

Os sofistas não acreditavam numa verdade absoluta, pois o que encontravam em suas inúmeras viagens era uma variedade enorme de cultura. Assim, seus ensinamentos sobre a teoria do conhecimento, política, ontologia e ética tinham sempre uma perspectiva relativista e convencionalista.59

Quase concomitantemente Sócrates (470 a.C.) aparece, ensinando em sua cidade natal, Atenas. Ele, ao contrário dos sofistas, ensinava sem cobrar e tecia ácidas críticas àqueles que, além de cobrar pelo que ensinavam, se achavam muito sábios.

58 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 281.

59 Para Protágoras o conhecimento jamais poderá ser único para todos os homens, pois a percepção que cada um tem da mesma coisa varia de acordo com o estado físico e emocional do indivíduo. Por esta razão, o conhecimento deve ser voltado para a prática e não para a abstração. Os sofistas eram, portanto, conselheiros dos jovens para que conduzissem sua vida da melhor forma.

Sócrates, por sua vez, afirmava nada saber e se ocupava com o ensinamento da ética aos jovens, para que conduzissem sua vida da melhor maneira, pela prática das virtudes. E o faz por meio de diálogos aporéticos, isto é, que terminavam sem uma solução60.

Com efeito, sua investigação filosófica era voltada para o ser humano concreto, anseios e perspectivas, teoria e vida não se separam para Sócrates61.

O filósofo não escreveu uma linha sequer, sendo que o principal responsável por tornar conhecidas suas ideias foi Platão, seu jovem discípulo.

De acordo com o que nos fez conhecer Platão, Sócrates foi condenado à morte por supostamente não reconhecer os deuses da cidade e corromper a juventude, mas ele somente pretendia levar os jovens atenienses à descoberta do pensamento autônomo e da reflexão62:

Deste modo, Sócrates:

Colocava a verdade acima do costume, a justiça acima da lei. Distinguia a moral da religião [...] mostrou estar a origem do dever na própria consciência do homem. Em tudo isso, quer o quisesse ou não, ele fazia guerra aos cultos da cidade. [...] Condenaram-no à morte por haver atacado os costumes e as crenças dos antepassados, ou, como então se dizia, por corromper a geração presente.63

A morte de Sócrates não deteve a revolução que foi iniciada pelos sofistas e a sociedade grega ia se libertando do domínio das antigas crenças e velhas instituições:

60 Sócrates inaugura um modo próprio de questionamento filosófico. Pelos diálogos platônicos vê-se que fundamental para Sócrates era a atitude de interrogador. Enquanto seus interlocutores acreditavam possuir a verdade sobre as coisas, afirmava sua ignorância de tudo. A despeito do oráculo de Delfos ter dito que seria o homem mais sábio da Grécia, afirmava nada saber. O ponto de partida do método socrático é a interrogação que algum jovem lhe faz sobre determinado tema (por exemplo, o significado da virtude, da justiça, do amor, etc.) Seu objetivo é levar seu interlocutor a reconhecer sua própria ignorância acerca de um assunto que supunha saber. Destrinchando as afirmações do seu interlocutor, vai conduzindo a perceber o quão pouco justificado era o conhecimento que acreditava possuir. Para Sócrates e Platão só uma crença justificada poderia ser considerada verdadeira (CASTRO, op. cit., p. 23).

61 Segundo Coulanges, em que pese Sócrates ter reprovado o abuso que os sofistas fizeram do direito de duvidar, pertencia à mesma escola. Não admitia a autoridade da tradição e acreditava que as regras de conduta estavam gravadas na consciência humana

62 CASTRO, Suzana de. A filosofia antiga: os três períodos da filosofia antiga in Castro, Suzana de (org.). Introdução à filosofia. 2ª ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p.24.

63 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 282.

Depois de Sócrates, os filósofos discutiram com toda a liberdade os princípios e as regras da sociedade humana. Platão, Críton, Antístenes, Espeusipo, Aristóteles, Teofrasto e muitos outros escreveram tratados sobre a política. Buscou-se, examinou-se; os grandes problemas da organização do Estado, da autoridade e da obediência, das obrigações e dos direitos, apresentaram-se para todos os espíritos.64

Em que pese Platão ter sofrido a influência dos antigos costumes ao imaginar sua cidade ideal ainda prenhe da cultura antiga e suas instituições, proclama que as regras de moral e política estão na consciência humana e não na tradição pura e simplesmente.

Por esta razão, afirmava ele que as leis somente são justas enquanto conformes à natureza humana e por isto se deveria atentar ao ditames da razão.

Posteriormente, com Aristóteles (384-322 a.C.), novas ideias surgem. Ele ensinava que os antigos eram gente ignorante e seria absurdo permanecer fiel a suas crenças.

Aristóteles deu uma base sólida à noção de justiça65 que seria a equidade, a proporcionalidade, conforme se verifica:

[..] o que todos visam com “justiça” é aquela disposição do caráter a partir da qual os homens agem justamente, ou seja, é o fundamento da ações justas e o que os faz ansiar pelo que é justo. [...]66

E assim:

É necessário, pois, que a justiça implique pelo menos quatro termos, a saber, duas pessoas, no mínimo, para quem é justo que algo aconteça e duas coisas enquanto partes partilhadas. E haverá uma e a mesma igualdade entre as pessoas e as partes nela implicadas, pois a relação que se estabelece entre as pessoas é proporcional à relação que se estabelece entre as duas coisas partilhadas. Porque se as pessoas não forem iguais não terão partes iguais, e é daqui que resultam muitos conflitos e queixas, como quando pessoas iguais têm e partilham partes desiguais ou pessoas desiguais têm e partilham partes iguais.67

64 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p.282.

65 DE CICCO, Claudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito; 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 49.

66 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução do grego de Antonio Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, p. 103.

67 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução do grego de Antonio Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, p. 109.

Após Sócrates, que ainda procurava cumprir com seus deveres de cidadão, houve um afastamento dos filósofos dos negócios públicos: Platão pretendia reformar o governo da cidade (o único que admitia), Aristóteles limitou-se a observar e analisar. Os epicuristas68 deixaram totalmente de lado a participação na vida política e os cínicos69 nem sequer queriam ser cidadãos.70

Os estoicos retornaram à política, porém, assim como concebem um Deus do universo, ensinam que na Terra também há um só governo para todos, que todos os homens são concidadãos do mundo, por conseguinte não aceitavam que o indivíduo fosse refreado pela cidade e libertaram a consciência humana desse jugo.

Ensinavam que o principal trabalho do homem devia ser o aperfeiçoamento interior, a procura da virtude em si mesmo. Por este motivo, só se deve obedecer à lei da própria consciência que deve manter-se independente, qualquer que seja o governo da cidade. Essa teria sido uma enorme inovação na época e acabou se tornando uma das regras mais sagradas da política.

Todos esses novos conceitos foram transformando o homem antigo que adquiriu a importância de si próprio, deixando para trás a crença de que a cidade era a razão de seu viver e a ela deveria se subjugar. O homem se volta para si e cai a importância da cidade, morre o patriotismo municipal:

Como o coração do homem não se prendia mais ao pritaneu, aos deuses protetores, ao solo sagrado, mas somente às instituições e às leis, e como estas, no estado de instabilidade em que todas as cidades então se encontravam, mudassem frequentemente, o patriotismo tornou-se sentimento variável e inconsciente dependendo das circunstancias e sujeito às mesmas flutuações do governo. Só se ama a pátria pelo regime político que momentaneamente ali prevalece; quem não gostasse de suas leis não tinha mais razão para defendê-la.71

68 Doutrina de Epicuro de Samos dos séculos IV e III a.C., que identifica felicidade com prazer (hedoné), pois, psicologicamente, tudo o que se faz é para obter prazer, que é bom, já que a dor é ruim. Deste modo, para ser feliz é necessário agir para aumentar o prazer e diminuir a dor (CASTRO, 2011).

69 Filosofia fundada por volta de 400 a.C. por Antístenes, discípulo de Sócrates, que teve como maior representante Diógenes de Sínope e que pregava essencialmente o desapego aos bens materiais e externos. Era mais um modo de vida do que escola filosófica. Mais tarde o termo passou a ser empregado num sentido bastante diferente.

70 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 283.

71 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma; trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 290.