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O Estado e as Instituições Parciais ou Intermediárias da

3.2 Democracia e Pluralismo

3.2.1 O Estado e as Instituições Parciais ou Intermediárias da

A evolução da democracia contempla não apenas a integração da democracia direta, mas, sobretudo, diz respeito a sua expansão até atingir esses corpos intermédios, que não se equiparam às associações políticas propriamente ditas.

Desta maneira, o indivíduo passa a ser visto não somente como um cidadão com deveres e direitos de participação política, porém em toda sua potencialidade, “na multiplicidade de seus status”263, ou seja, como pai de família,

260 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade; por uma teoria geral da política; trad. Marco Aurélio Nogueira, 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 153.

261 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade; por uma teoria geral da política; trad. Marco Aurélio Nogueira, 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 154.

262 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade; por uma teoria geral da política; trad. Marco Aurélio Nogueira, 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 65.

263 cf. BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade; por uma teoria geral da política; trad. Marco Aurélio Nogueira, 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 156.

como profissional, como consumidor, como produtor, gestor de serviços públicos ou seu usuário e uma infinidade de outros.

Portanto o pluralismo é decorrência da mais legítima democracia: O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos.264

Norberto Bobbio, lembrando Tocqueville, ensina:

Contrariamente à democracia dos antigos – que, fundada sobre o governo de assembleia, não reconhece nenhum ente intermediário entre o indivíduo e o Estado, o que faz com que Rousseau (seu moderno advogado de defesa) condene as sociedades parciais, capazes de dividir o que deve permanecer unido -, a democracia dos modernos é pluralista, vive sobre a existência, a multiplicidade e a vivacidade das sociedades intermediárias. Mais que pela igualdade das condições, a sociedade americana impressionou Tocqueville pela tendência que têm os seus membros de se associarem entre si com o objetivo de promover o bem público.265

Tais entes intermediários são associações livres de cidadãos que sozinhos nada poderiam. Somente por meio da cooperação entre si, da ajuda mútua para o bem de todos é que tal democracia sobrevive, reconhece Bobbio, como já notara Tocqueville.

De fato, ao contrário da concepção de Rousseau, Locke e Kant, para quem somente o acordo de vontades particulares era que formava o Estado, a sociedade não é constituída somente de indivíduos justapostos. Mas vivendo em sociedade, as pessoas se organizam em grupos nos quais há uma identidade de valores e normas, a fim de concretizar o que desejam fazer para alcançar a felicidade.

É como afirma a teoria organicista de Maurice Hauriou, para quem o Estado deve ser reformulado para ser um Estado de Solidariedade, do bem comum, e não do bem-estar individual, onde:

264 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª. Edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 143.

265 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade; por uma teoria geral da política; trad. Marco Aurélio Nogueira, 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 152.

a subordinação dos atos dos governantes e da administração a um controle jurídico se baseia não mais na lógica subjetivista, mas na lógica do direito de solidariedade, o qual prepondera sobre o direito individual em matéria de organização do poder.266

O Estado moderno deve se tornar a instituição das instituições, segundo Maurice Hauriou, ou seja, ele resulta da pluralidade de grupos sociais e de divisão de funções entre cada um deles, o que reporta a um equilíbrio de forças: “é preciso procurar na ‘instituição’ os equilíbrios das forças ativas das quais é feita a estabilidade social”.267

Pois bem, segundo Maurice Hauriou o Estado é composto destes grupos sociais, que ele denominou “instituições”, das quais as igrejas fazem parte.

Deste modo, se também as igrejas constituem o Estado, não é pelo fato de que a religião não mais é o fundamento da soberania e poder do governante, que numa concepção extremista, se deve extirpá-las da sociedade ou, pelo menos, do âmbito público.

O relato sobre a Cidade Antiga feito anteriormente mostra tal integração de modo bastante evidente, pois as cidades gregas e romanas foram sendo fundadas por meio de ritos religiosos que uniam tribos. Estas, por sua vez foram fundadas da união de frátrias (ou cúrias) que, por sua vez, foram formadas pelas famílias. Ou seja, a cidade era uma confederação.

Neste sentido, os cultos das famílias eram preservados, assim como o da frátria e da tribo, cada qual cultuando seus deuses, além dos deuses da cidade, com suas normas e prescrições. Ou seja, os grupos menores não foram dissolvidos pela fusão com outros grupos e formação de uma grupo maior. Ao contrário, as tradições de cada família eram preservadas.

Na época dos iluministas a concepção era do poder soberano do povo que num pacto social o outorgava ao governante e poderia modificá-lo a qualquer tempo. Mas Montesquieu, diferentemente, notou que:

Essa forma de governo [República Federativa] é uma convenção, pela qual diversos corpos políticos concordam em se tornar cidadãos

266 FARIAS, José Fernando de Castro. A teoria do Estado no fim do século XIX e no início do século XX: os enunciados de Léon Duguit e de Maurice Hauriou. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 63.

267 FARIAS, José Fernando de Castro. A teoria do Estado no fim do século XIX e no início do século XX: os enunciados de Léon Duguit e de Maurice Hauriou. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 100.

de um Estado maior, que querem formar. É uma sociedade das sociedades, as quais constituem uma nova, que pode aumentar com novos associados, até que seu poder baste para a segurança dos que se uniram.268

Há uma integração na coexistência das instituições ou estados menores, que Montesquieu chamou de “corpos intermediários”, cujas relações privadas devem ser respeitadas pelo Estado, que jamais poderá substituí-las. Por esta razão, a atuação do Estado é subsidiária, tendo como finalidade o bem comum dos indivíduos e instituições, que tem finalidades específicas.269

Pelo que consta, a concepção de Maurice Hauriou se coaduna com o entendimento da Igreja Católica a esse respeito, senão vejamos o que diz a Constituição Apostólica Gaudium et spes:

Para que a cooperação responsável dos cidadãos leve a felizes resultados na vida pública de todos os dias, é necessário que haja uma ordem jurídica positiva, que estabeleça convenientemente divisão das funções e dos orgãos da autoridade pública e ao mesmo tempo protecção do direito eficaz e plenamente independente de quem quer que seja. Juntamente com os deveres a que todos os cidadãos estão obrigados, sejam reconhecidos, assegurados e fomentados os direitos das pessoas, famílias e grupos sociais, bem como o exercício dos mesmos. Entre aqueles, é preciso recordar o dever de prestar à nação os serviços materiais e pessoais que são requeridos pelo bem comum. Os governantes tenham o cuidado de não impedir as associações familiares, sociais ou culturais e os corpos ou organismos intermédios, nem os privem da sua actividade legítima e eficaz; pelo contrário, procurem de bom grado promovê-la ordenadamente. Evitem, por isso, os cidadãos quer individual quer associativamente, conceder à autoridade um poder excessivo, nem lhe peçam, de modo inoportuno, demasiadas vantagens e facilidades, de modo a que se diminua a responsabilidade das pessoas, famílias e grupos sociais.270

Tais entes intermediários entre o indivíduo e o Estado se revelam inicialmente na família, célula mater da sociedade. Depois vem a escola, a universidade, a empresa, a associação de classes de profissionais, os sindicatos,

268 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis : as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. Tradução de Pedro Vieira Mota, 6ª edição, São Paulo: Saraiva, 1999, p.154.

269 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado; 14ª ed.; Sao Paulo: Saraiva, 1989, p. 91.

270 Disponível em http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat- ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html Acesso em 02-03-2014.

partidos políticos e tantos outros. Dentre estes grupos estão também os grupos religiosos ou as igrejas. Isso é um fato social.

Logo, num Estado Democrático às pessoas é permitido associar-se para manifestar suas crenças e agir na sociedade em conformidade com sua consciência. E são inúmeras as formas como elas despontam, o que resulta numa sociedade plural.

Pois bem, não privar os cidadãos e suas instituições de atuar na vida social e política é dever do Estado, sendo este o verdadeiro sentido de liberdade, conforme o entendeu Hannah Arendt e se abordará mais adiante.