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Os Sacro-Impérios Romanos: Franco e Germânico

1.5 Igreja e Estado na Idade Média

1.5.2 Os Sacro-Impérios Romanos: Franco e Germânico

Com o passar do tempo a Igreja vai tomando, então, como meta, estabelecer o Reino de Deus sobre a terra, o que significava associar-se ao poder terreno e submetê-lo ao poder de Deus, a fim de colocá-lo a serviço desta “missão”.

É o que se denominou de hierocracia, ou seja, onde o poder religioso se impõe ao poder temporal, controlando-o, pois concebe a ideia de que o poder espiritual na terra é superior ao poder exclusivamente terreno.113

Os francos foram os que primeiro abraçaram o Cristianismo, por meio de seu rei Clóvis, no final do século V:

111 DE CICCO, Claudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito; 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. p. 93.

112 AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. A Cidade de Deus: (contra os pagãos). Parte II; Tradução de Oscar Paes Leme, 2ª. Ed., Petrópolis: Vozes e São Paulo: Federação Agostiniana Brasileira, 1990, p. 171-179.

113 GALLEGO, Roberto de Almeida. O sagrado e a ágora: religião e laicidade no Estado

Democrático de Direito in (Re)pensando o Direito: Estudo em homenagem ao Porf. Cláudio de Cicco; coordenação Alvaro de Azevedo Gonzaga, Antonio Baptista Gonçalves, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 290.

[...] o monge São Remígio de há muito procurava converter o rei dos francos, Clóvis, cuja esposa, Clotilde, era cristã. Na batalha de Tolbiac, contra os borguinhões, que disputavam o Reno, Clóvis prometeu tornar-se cristão se vencesse os inimigos. Vitorioso, cumpriu sua palavra, fazendo-se instruir e batizar por São Remígio, que então lhe disse: “Adora o que queimaste e queima o que adoraste”. Com ele se fizeram batizar todos os seus súditos e, por isso, a nação dos francos ou França recebeu o título de “filha primogênita da Igreja”.

No local do batismo se ergueu a célebre catedral de Notre Dame de Reims, onde foram sagrados todos os reis da França.114

Surgia, assim, o Sacro Império Romano Franco, ao qual o rei visigodo da Espanha, Recaredo, se une em 587. A tentativa da Igreja era de manter sua autoridade, sagrando os reis, que somente assim se tornariam legitimamente governantes do Império.

A legitimidade do governo temporal era conferida pela submissão ao governo de Deus, representado pela Igreja.

No ano de 751, Childerico III, o último rei da descendência de Clóvis, é deposto por Pepino, o Breve, que mantém relações com a Igreja, e é coroado pelo Papa em 754. Dois anos antes, os dois haviam firmado uma aliança pela qual Pepino havia sido reconhecido como rei dos francos e em contrapartida estabelecia o Estado Pontifício, cuja autonomia de governo era do bispo.

Isto ocorreu em virtude das péssimas consequências provenientes do domínio exercido até então pelos imperadores sobre a Igreja especialmente na questão das chamadas “investiduras leigas”, por meio das quais o imperador era quem nomeava bispos e papas. Houve época em que os imperadores chegaram a nomear doze papas e destituir cinco.

Eram condutas, posteriormente denominadas de regalismo115 e

cesaropapismo,116 que visavam a utilização da religião com fins políticos o que

114 DE CICCO, Claudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito; 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 90.

115 Atitude de ingerência do chefe de Estado em questões internas da Igreja.

116 O cesaropapismo representa uma tentativa de restauração do sistema pré-cristão que unificava os dois poderes na pessoa do imperador. A tendência iniciou-se com Constantino, que chegou a dizer “tudo o que eu quero deve considerar-se um cânon” (ou lei eclesiástica); [...] o nobre ou o rei que construía uma igreja ou mosteiro no seu território, julgava-se possuidor de certos direitos sobre a direção da Igreja e a nomeação ou destituição do sacerdote, ou do bispo que nela exercia as funções eclesiásticas. Portanto, a consagração episcopal converteu-se, por vezes, num instrumento político ou administrativo em benefício do rei ou do nobre, deturpando-se, assim, a essência dos ofícios eclesiásticos (LLANO CIFUENTES, Rafael. Relações entre Igreja e o Estado – 2ª. Ed. atualizada, Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p. 65-66)

resultou em práticas detestáveis como a simonia (venda de cargos eclesiásticos) e o nicolaísmo (clérigos casados ou que viviam em concubinato).

Com Pepino, então, se reconheceu que o Estado não poderia determinar questões internas da Igreja, que passou a ser reconhecida como um Estado independente, o Estado Pontifício.

Poder e autoridade passaram a caminhar lado a lado na construção do Sacro Império, inaugurando-se com Carlos Magno, herdeiro do trono do pai, Pepino, um reinado longo (768-814), de conquistas militares e conversões, até culminar com a conquista da Germânia e sua integração ao Império, posteriormente denominado Sacro Império Romano Germânico.

Carlos Magno, no ano 800, recebe a coroa imperial do Papa Leão III que intencionava fortalecer o imperador cristão, já que o oriente se enfraquecia diante da questão iconoclasta117 e o avanço dos muçulmanos. Ele foi responsável por defender a cristandade das invasões de eslavos e avaros, avançando, com isto para a Península Ibérica.

Com efeito, Carlos Magno consegue reunificar o Império Romano do Ocidente e obter tal poder somente comparável ao ápice da Roma Imperial Antiga.

Esse período foi reconhecido como o “renascimento carolíngio”, pois ali se desenvolveu a escrita: “é aos clérigos copistas da Alta Idade Média e a seu trabalho obstinado, em um meio, não obstante, pouco favorável, que devemos a conservação do essencial da literatura latina antiga”.118

A gramática e a retórica se tornaram disciplinas mestras do saber carolíngio, que teve sua base na propagação do ensino do latim.Houve o desenvolvimento de técnicas que permitira a expansão da liturgia, bem como o renascimento artístico com a inovação da arquitetura e a construção de grandes catedrais.