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2.1 Os Tempos Modernos e o Advento do Humanismo Antropocêntrico

2.1.1 Reforma e Contrarreforma

Martinho Lutero teria ingressado para o seminário, em 1505, por medo de morrer, pois viu um amigo a seu lado cair fulminado por um raio no meio de uma tempestade. Tinha um temperamento enervado e ao mesmo tempo assolavam-no terríveis crises de escrúpulos, isto é, sentimento de indignidade. 153

O padre Martinho Lutero tornou-se vigário do distrito de Wittenberg na Alemanha.

Sobre Marinho Lutero atualmente estão superadas as teorias de perversão moral e deformação psicológica ou mesmo de que seria um mero professor assoberbado de trabalho que não encontrava mais tempo para rezar a missa e recitar o breviário.154

Reconhece-se que:

Lutero teve uma experiência pessoal de Deus, um autêntico sentido do pecado e da própria nulidade, da qual se reergueria pelo apego a

151 LLANO CIFUENTES, Rafael. Relações entre Igreja e o Estado. 2ª ed. atualizada, Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p. 80.

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O termo deriva do grego “puro” As primeiras menções a essa heresia datam dos anos 1140 e sua crença se balizava pela impureza do mundo material e do corpo, razão de negarem totalmente o casamento e o ato carnal para procriação (cf. BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: Do ano mil à colonização da América. Tradução Marcelo Rede. São Paulo: Globo, 2006, p. 224).

153 Cf. DE CICCO, Claudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito; 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 142.

154 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. Trad. Orlando Soares Moreira. V.1, São Paulo: Loyola, 1995, p. 121-123.

Jesus Cristo e pela confiança cega nEle e em sua redenção. Sua familiaridade com os místicos alemães não teria explicação sem um verdadeiro e veemente desejo de Cristo. A isto se unia uma grande caridade para com os pobres. De outra parte o agostiniano possuía um caráter forte, unilateral, descomedido, exuberante, impulsivo, mais disposto a se apossar da realidade que a aceitá-la humildemente.155

E, ainda:

Isso explica sua forte tendência ao subjetivismo, que o levava a uma interpretação unilateral da Escritura e o tornava pouco disposto a aceitar as diretrizes de quem se apresentasse como mediador entre Deus e o homem. Essa mesma riqueza de vida interior explica o fascínio que ele exercia sobre todos os que dele se aproximavam [...] Mas de seu espírito explodia com frequência uma repentina fúria que o levava a expressões cruas e vulgares e a descaradas mentiras (como no caso da bigamia concedida a Filipe de hessen e negada em público), bem como a críticas exacerbadas a seus adversários, arrasados por uma avalanche de invectivas e impropérios: chamavam-no de doctor hyperbolicus.156

Segundo Giacomo Martina, os historiadores modernos se dividem bastante em relação às razões da revolução protestante.157

A tese tradicional, que se tornou clássica, é a dos abusos e desordens morais, sobretudo na cúria romana contra as quais Lutero teria se revoltado. Contudo, posteriormente, estas concepções foram severamente criticadas, dado que em outras épocas na Igreja também houve abusos graves, sem que isto levasse a uma separação com Roma:

Em 1916, o historiador protestante Georg von Below negava incisivamente que Lutero fosse filho de um convento corrupto e se perguntava porque razão a reforma não tivera origem na Itália, onde as condições religiosas e morais não eram melhores que as da Alemanha.158

155 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. Trad. Orlando Soares Moreira. V.1, São Paulo: Loyola, 1995, p. 123.

156 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. Trad. Orlando Soares Moreira. V.1, São Paulo: Loyola, 1995, p. 123.

157 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. Trad. Orlando Soares Moreira. V.1, São Paulo: Loyola, 1995, p. 51-56.

158 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. Trad. Orlando Soares Moreira. V.1, São Paulo: Loyola, 1995, p. 52.

Atualmente católicos e protestantes, analisando melhor as palavras dos reformadores, estão de acordo que a tese clássica deve ser rejeitada.

O que Lutero realmente questionava eram os dogmas da Igreja que entendia como superstição quais sejam: a presença real de Cristo na eucaristia, o sacrifício da missa, o primado do papa, seu magistério supremo e seu direito de convocar concílios.

Foram sustentados, igualmente, como razões da Reforma, fatores psicológicos. Uma nova religiosidade era desejada, que se distanciasse tanto da superstição do povo como da aridez dos doutores eclesiásticos, que eliminasse intermediários da Palavra de Deus possibilitando seu conhecimento direto, bem como a certeza do perdão sem necessidade de confissão auricular. A certeza teria vindo com a doutrina reformada da salvação somente pela fé.159

Há inúmeras outras teses religiosas e políticas sobre a Reforma, que não

cabem neste pequeno estudo, sob pena de um desvio desnecessário.160

Em suma, Lutero em 1510 fez uma viagem a Roma e escandalizou-se com a venda de indulgências e alegando este motivo passou a atacar a autoridade papal e negar os sacramentos. Passou a concitar nobres alemães a se apoderarem das terras eclesiásticas. Declarou-se em rebeldia contra Roma que o havia incitado a arrepender-se. Traduziu a Bíblia para o alemão e elaborou uma nova doutrina onde somente a fé era necessária à salvação e seria possível o livre exame e interpretação da Bíblia, única mediação entre o Cristo e os homens.

A partir da Reforma encabeçada por Lutero outros ramos do protestantismo foram surgindo, dentre eles o de Calvino, presbiterianismo, que

dominou a Suíça e os Países Baixos chegando a instaurar um Estado Teocrático.161

Na Inglaterra não se adotou integralmente o protestantismo, mas em virtude de questões pessoais Henrique XVIII encorajou-se a romper com a Igreja de

Roma, em que pese a oposição de Thomas Morus162, Chanceler do Reino. A partir

daí torna-se, ao mesmo tempo, o líder temporal e espiritual do Estado inglês. O líder maior da Igreja da Inglaterra ou Anglicana é, portanto, até hoje, o rei ou rainha.

159 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. Trad. Orlando Soares Moreira. V.1, São Paulo: Loyola, 1995, p. 55.

160 Sobre essas teorias cf. MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. Trad. Orlando Soares Moreira. V.1, São Paulo: Loyola, 1995, p. 57-115.

161 DE CICCO, Claudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito; 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 143.

162 Morus foi o célebre autor de Utopia, em que demonstra sua visão coletivista da sociedade, colocou-se dentre os grandes adeptos da tolerância (DE CICCO, op. cit., p. 143).

Como resposta surgiu na Igreja Romana o movimento denominado Contrarreforma, obra conduzida por jesuítas e dominicanos, e que se configurou como uma nova escolástica ou “Escolástica Tardia”, que restauraria a teoria do direito natural não na concepção da cidade de Aristóteles, mas numa concepção de “cidadãos do mundo” dos estoicos.163

A contrarreforma culminou com o Concílio de Trento em 1545-1563, que além de definir dogmas católicos condenou o protestantismo, reafirmando o primado do Papa.

Católicos e protestantes formariam dois partidos políticos que se envolveriam em lances dramáticos na Idade Moderna e decidiriam a sorte da Europa.

Houve, então, um período de guerras entre católicos e protestantes, onde os Estados, por fim, se configuraram com base numa ou outra religião. Assim, Portugal, Espanha, França, Itália e Bélgica eram redutos católicos. De outro lado, assumindo a religião protestante, separada do Bispo de Roma, ficaram Inglaterra, Alemanha, Holanda e Suíça.

A França, entretanto, ficou muito abalada com os grandes conflitos entre protestantes (huguenotes), então favorecidos pelo rei Francisco I e seu filho Henrique II, e católicos e iniciou-se uma era de revoluções.