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Cada tribo indígena tem o seu pagé e seus deuses, cada família da antiguidade os seus deuses antepassados, os judeus Iahweh (o Senhor), os gregos e romanos seus mitos, a Idade Média o cristianismo, a Idade Contemporânea o esoterismo e o sincretismo; mas jamais a humanidade de modo geral deixou de crer no sobrenatural.

É verdade que o agnosticismo e o ateísmo vem crescendo; mas fosse a religiosidade só uma face decadente da história humana, o mundo, após mais de meio milênio de liberalismo e secularização, teria dela apenas uma lembrança.

John Rawls reconheceu este fato e afirma que

“a diversidade de doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis encontrada em sociedades democráticas é uma característica permanente da cultura pública, e não uma simples condição histórica que logo desaparecerá”.243

Foi e continua sendo frequente a indagação da filosofia acerca do Absoluto. Inúmeros filósofos de todos os tempos tentaram provar a lógica seja da existência ou da inexistência de algo além do mundo sensível. Efetivamente, permanece ainda em grande parte da humanidade a fé no mistério da transcendência e, por conseguinte, em toda a moralidade que daí deriva.

É incrível que, séculos após os protestos do Iluminismo, o Estado Moderno se depare não apenas com a persistência de tradições religiosas como com novas formas de expressão de religiosidade incluindo-se seitas pentecostais e sociedades esotéricas e ainda formas individuais e comunitárias de sincretismo religioso. Definitivamente, a religião está longe de dizer adeus à sociedade.

Nota Habermas que nos Estados Unidos não apenas crescem os religiosos, como o movimento em prol dos direitos religiosos, que, de seu turno, vem

243 RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução Dinah de Abreu Azevedo, 2ª. Edição, São Paulo: Ática, 2000, p. 265.

sendo capaz de promover um despertar de consciências “o que provoca irritações paralisadoras em seus opositores seculares”244.

O fato mais surpreendente consiste propriamente na revitalização política da religião no âmago dos Estados Unidos da América, portanto, no centro da sociedade ocidental, onde a dinâmica da modernização se expande com maior sucesso.245

Na Europa, de fato, a religiosidade está em declínio, contudo isso não parece ocorrer no resto do mundo. A eterna busca de sentido para a vida, da alma humana em direção ao que lhe transcende, está evidentemente presente no mundo contemporâneo.

Deveria essa realidade ser simplesmente ignorada pelo Estado ou, sendo ela parte substancial de seus cidadãos, deveria ser protegida, assegurando-se não somente a prática da religiosidade de acordo com a fé de cada um, mas a consideração de seus valores na construção da sociedade, por meio do Direito?

A versão clássica da narrativa histórica do processo de secularização de acordo com o qual o isolamento da religião avança com o avanço da modernização, vem sendo abandonada e dando lugar a uma nova concepção da modernidade, consciente do fenômeno da persistência da religiosidade e de sua potencialidade para contribuir com a vida política. A esta nova sociedade Habermas chama de pós- secular.

Em consonância com a pós-secularização, faz o filósofo a crítica do pensamento pós-metafísico, que não pode se resumir a um “jogo de soma zero” entre as forças da ciência, de um lado, e a dos poderes tradicionais religiosos, de outro, onde a vitória de um pressupõe o aniquilamento do adversário. Deve-se, portanto, levar em conta o “papel civilizador de um senso comum”, funcionando como uma terceira via, no caminho entre ciência sem religião e religião sem ciência. É necessário o diálogo.246

244 HABERMAS, Jürgen. Entre naturalismo e religião: estudos filosóficos. Tradução Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 131.

245 HABERMAS, Jürgen. Entre naturalismo e religião: estudos filosóficos. Tradução Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 130.

246 HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. Tradução Fernando Costas Mattos. 1ª. Edição

– São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 6.

Faz parte dessa nova postura a compreensão por parte das religiões que é necessário dialogar com as outras confissões, bem como com a ciência, detentora do monopólio do saber.

Tão logo uma questão existencialmente relevante vá para a agenda política, os cidadãos – tanto crentes como não crentes – entram em colisão com suas convicções impregnadas de visões de mundo e, à medida que trabalham as agudas dissonâncias desse conflito público de opiniões, têm a experiência do fato chocante do pluralismo das visões de mundo.[...] 247

O fato é que

O mundo moderno e contemporâneo, marcado pelo avanço tecnológico e científico, atestou que não necessitava mais da experiência do sagrado para explicar a realidade, nem tampouco para dar sentido à vida dos homens. Vozes da Modernidade (ou Pós- modernidade) ecoaram de muitos lugares atestando a “morte de Deus”. A Sociologia falou em “desencantamento do mundo”, uma vez que o progresso científico e a racionalidade moderna haviam provocado um despojamento da magia do mundo libertando o homem das interferências dos deuses. 248

Ocorre que:

curiosamente, o que se presencia no final do século XX e início do século XXI e terceiro milênio cristão, é o revigoramento e a ascensão do fenômeno religioso. Lévi Strauss, na primeira metade do século XX - enquanto os “teólogos da morte de Deus” proclamavam seus oráculos - recomendava que não voltássemos à tese vulgar de que a magia seria uma modalidade tímida e balbuciante da Ciência, “pois nos privaríamos de compreender todo o pensamento mágico se pretendêssemos reduzi-lo a um momento ou a uma etapa da evolução técnica e científica (...). Em lugar de opor magia e ciência, melhor seria colocá-las em paralelo, como duas formas de conhecimento desiguais quanto aos resultados teóricos e práticos, mas não pelo gênero de operações mentais, que ambas supõem, e que diferem menos em natureza que em função dos tipos de fenômenos a que se aplicam”.249

247 HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. Tradução Fernando Costas Mattos. 1ª. Edição

– São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 7.

248 KUNRATH, Pedro Alberto. Crer depois da “morte de Deus” / Teologia da criação (Fé) e Ciência (Razão): caminhos para o diálogo in 21º. Congresso Anual da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – Soter. Edição Digital: Paulinas, 2008, p. 130. (O autor é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS) Disponível em: <http://www.soter.org.br/documentos/documento-LNxF3ACMRE52Y5j.pdf> Acesso em 04-03-2014. 249 KUNRATH, Pedro Alberto.

Crer depois da “morte de Deus” / Teologia da criação (Fé) e Ciência (Razão): caminhos para o diálogo in 21º. Congresso Anual da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – Soter. Edição Digital: Paulinas, 2008, p. 131.