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Antes mesmo da popularização dos computadores, da Internet, dos dispositivos móveis e das redes sociais digitais, Lipovetsky, em 1983, já dava pistas sobre o que viria anos mais tarde. O autor afirmava, na época, que as pessoas viviam a segunda fase da sociedade de consumo e que, portanto, já não havia mais uma ―idolatria ao american way of life10

, dos grandes carros, das grandes estrelas e dos sonhos de Hollywood‖ (LIPOVETSKY, 1983, p. 12). Tudo isso, segundo ele, abriu espaço, entre outros, para a busca da qualidade de vida, paixão da personalidade, sensibilidade extrema e o culto da participação e da expressão. Muito do que ainda hoje é percebido e valorizado por uma estética do real.

Pessoas de verdade, que riem, que choram, que erram e acertam, que se arrependem e pedem perdão, que se frustram, se decepcionam, que mentem, que amam, entre outros, e com rotinas de vida normais: dormir, acordar, tomar banho, trabalhar, pagar as contas, cuidar da família, ir ao supermercado, cozinhar, passear e se alimentar. Ou seja, com uma vida comum. Lipovetsky contribui ainda:

A cultura pós-moderna representa o pólo superestrutural de uma sociedade que sai de um tipo de organização uniforme, dirigista, e que, para o fazer, mistura os últimos valores modernos reabilita o passado e a tradição, revaloriza o local e a vida simples, dissolve a preeminência da centralidade, dissemina os critérios da verdade e da arte, legitima a afirmação da identidade pessoal de acordo com os valores de uma sociedade personalizada onde o que importa é que o indivíduo seja ele próprio, e onde

10―Expressão aplicada a um estilo de vida que funcionaria como referência de autoimagem para a maioria dos habitantes dos Estados Unidos da América‖ (CUNHA, 2017).

tudo e todos têm, portanto, direito de cidade e a serem socialmente reconhecidos, sendo que nada deve doravante impor-se imperativa e duradouramente, e todas as opções, todos os níveis, podem coabitar sem contração nem relegação. (LIPOVETSKY, 1983, p. 12).

Através dos vídeos do YouTube, as pessoas passaram a compartilhar mais a sua rotina e a sua ―verdade‖, provocando transformações nos padrões ideais impostos pela publicidade e pelos veículos de comunicação tradicionais, que basicamente falavam, até então, de uma sociedade idealizada: branca, com casais heterossexuais, de classe média e alta, com determinados padrões de consumo e de interesses. A plataforma também deu voz a quem não se sentia parte desse padrão: negros, idosos, moradores da periferia, pessoas com algum tipo de doença e até mesmo aqueles que estavam acima do peso ou obesos, entre outras situações.

É possível conectar a mudança do YouTube nestes padrões com o fenômeno dos blogs de moda street-style (estilo de rua). No momento da proliferação dos espaços de texto e foto produzidos por entusiastas e amadores, editoriais de moda foram criticados e, posteriormente, incorporaram dinâmicas de publicidade ao conteúdo publicado. A este respeito, Daniela Hinerasky (2012) explica:

A febre dos blogs e sua publicização definiram alguns processos consecutivos a sua profissionalização. Interferiram na sua monetização e exploração publicitária e no aumento da qualidade técnica e do conteúdo, o que significou a mudança do padrão e estética dos perfis e das fotografias desses blogs, com posts mais próximos a ensaios fotográficos de revistas especializadas, no caso do street-style. Ao mesmo tempo, o processo levou à conquista da notoriedade e até à celebrização de blogueiros e blogueiras, fato que também trouxe oportunidades de trabalho com empresas do ramo. (HINERASKY, 2012, p. 51).

Ainda sobre o Estudo Video Viewers, o YouTube atinge mais pessoas de 18 a 49 anos que a TV a cabo11, o que mostra uma tendência crescente de afinidade de um público com mais de 25 anos com a plataforma, uma vez que nos primeiros anos de existência, o YouTube tinha os adolescentes como principal público engajado. Segundo os dados do estudo, a quantidade de pessoas com idade entre 35-44 anos já corresponde a quase um quarto dos usuários do YouTube e é nessa faixa etária onde há o maior crescimento de novos usuários (GOOGLE, 2017).

Anterior à implantação do YouTube, no fim da década de 1990, surgiram os blogs, que vieram a se popularizar nos anos 2000. No início, as pessoas criavam os

11―A TV paga perdeu 938,7 mil assinantes em 2017. A crise econômica do Brasil, desde 2015 e a pirataria, são apontados como motivos para essa queda‖ (PADIGLIONE, 2018).

seus blogs para tratar sobre os mais variados assuntos: alguns utilizavam a plataforma como uma espécie de ―diário virtual‖, outros para fazer humor, ou para falar de política, dar dicas de moda, compartilhar receitas e assim por diante. Mesmo com conhecimentos intermediários em linguagens de programação e design, os blogueiros se sentiam importantes com esses espaços e divulgavam as suas páginas para os familiares, amigos e demais pessoas interessadas.

No entanto, novas redes sociais digitais surgiram e os blogueiros receberam uma nova nomenclatura. Independentemente da quantidade de plataformas em que essas pessoas estão presentes, a melhor definição para quem trabalha com conteúdo para essas mídias é ―produtor/criador de conteúdo on-line‖ ou ―influenciador digital‖, pois é o que de fato as suas postagens têm como objetivo: comunicar, entreter, apresentar e vender novos produtos, marcas e influenciar costumes. Os blogs continuam ativos, mas a amplitude de atuação que um influenciador alcança, ao utilizar-se de diversas plataformas digitais, é muito maior que o seu blog pessoal consegue atingir, embora o seu trabalho seja maior, pois deve adequar a sua comunicação de acordo com a funcionalidade de cada rede social digital.

Na televisão, no rádio, nos jornais e nas revistas surgem muitos assuntos que são levados para o YouTube. Porém, é nesse espaço digital que os assuntos do cotidiano são debatidos e ampliados, chegando aos veículos de comunicação tradicionais. A rede social pauta muitas conversas e é uma referência essencial para entender o que é relevante hoje. A respeito disso, Jenkins (2009) diz:

O conteúdo de mídia de massa muitas vezes se torna propagável pelo fato de sua onipresença relativa fornecer pontos em comum para conversas com uma ampla variedade de pessoas. O conteúdo de nicho, por outro lado, se propaga porque ajuda as pessoas a comunicar seus interesses e sensibilidades mais particulares, para se distinguir da maioria. O conteúdo de mídia de massa muitas vezes ajuda-nos a ―ser amigáveis‖, enquanto o conteúdo de mídia de nicho nos ajuda a encontrar ―melhores amigos‖. Às vezes, os textos de mídia de massa geram o tipo de paixão e interesse profundo muito frequentemente reservados aos interesses de nicho. Outras vezes, o material de nicho atrai o interesse do mainstream. De modo geral, no entanto, os textos de mídia mainstream e de nicho continuarão a desempenhar funções diferentes. (JENKINS, 2009, p. 296).

Sendo um ambiente de expressão, no YouTube as pessoas têm um espaço para compartilhar um pouco do que pensam e acreditam, das suas preferências e saberes, através de som, imagens e textos, com um impacto maior do que quando suas mensagens se davam unicamente por meio de textos e fotografias, em blogs.

O Estudo Video Viewers revela ainda que: ―o YouTube é um espaço em que as vozes se tornam mais fortes‖ (GOOGLE, 2017).

QUADRO 3 – YouTube: é onde nossas vozes se tornam mais fortes – Como isso se materializa para os brasileiros?

7 entre 10 brasileiros dizem que o YouTube reflete a diversidade ao seu redor.

7 entre 10 brasileiros dizem que é no YouTube onde qualquer pessoa pode ter uma voz, uma opinião.

7 entre 10 brasileiros dizem que o YouTube tem um impacto positivo nas suas vidas. 6 entre 10 brasileiros dizem que o YouTube tem um impacto positivo na sociedade.

5 entre 10 brasileiros se sentem parte de um grupo / comunidade quando assistem vídeos no YouTube.

Fonte: Estudo Video Viewers (GOOGLE, 2017).

Os dados do quadro acima são muito impactantes, pois trata de uma plataforma nova na vida das pessoas, que já ocupa um grande espaço no seu cotidiano e que vem, aos poucos, modificando a forma de consumir, sejam informações e até mesmo produtos e serviços. Ao mesmo tempo em que o site vem numa crescente extraordinária, ainda é comum que muitas pessoas não conheçam exatamente o funcionamento dessa rede social digital e nem estão a par dos principais produtores de conteúdo. Pensando numa família, por exemplo, ainda é possível que os filhos adolescentes saibam quem são as personalidades que têm seus canais ativos e muitos pais não fazem ideia do que está sendo dito a respeito dos maiores produtores de conteúdo neste espaço.

Em janeiro de 2016, foi divulgada a pesquisa ―Os novos influenciadores: quem brilha na tela dos jovens brasileiros", encomendada pelo Google e pelo veículo de notícias sobre o mercado publicitário Meio & Mensagem (RIBEIRO, 2016). Importante destacar que esta foi uma das primeiras matérias em que foi utilizado o termo ―influenciador digital‖ para designar a função dos produtores de conteúdo nas redes sociais digitais. Esse estudo indica as personalidades de vídeo mais admiradas por adolescentes de 14 a 17 anos em seis regiões do Brasil e considerou as classes A, B e C, pelo poder de consumo. A pesquisa procurou por jovens conectados e com hábito de assistir televisão, solicitando que indicassem espontaneamente cinco nomes de personalidades de cinema, vídeo on-line e televisão mais admirados. Realizado entre outubro e novembro de 2015, o estudo

contou com mil entrevistados que apontaram, entre seus preferidos, diversos produtores de conteúdo independentes que se tornaram conhecidos no YouTube.

Analisando a lista com as personalidades, é possível perceber que, das pessoas citadas, nove são atores e atrizes que estavam na televisão em 2015, seja em novelas, seriados ou em comerciais. É inegável que a presença constante desses indivíduos na televisão contribuiu para que o público lembrasse desses nomes com maior facilidade. Um deles é comediante, apresentador do programa The Noite com Danilo Gentili, exibido pelo SBT de segunda a sexta-feira. Curiosamente, os outros dez rostos são personalidades da internet, que fazem sucesso no YouTube e estão produzindo conteúdo on-line semanalmente, sem contar na presença diária nos seus perfis pessoais em outras redes sociais digitais.

Luciana Corrêa, coordenadora e pesquisadora da área Famílias e Tecnologia, do ESPM Media Lab, explica na publicação que o fenômeno da influência e do engajamento deve ser observado segundo os parâmetros de legitimidade. E ressalta:

O público adolescente investe seu tempo nos youtubers porque se enxerga neles e valoriza atributos como autenticidade e transparência. ―Essas gerações têm ainda mais sensibilidade para diferenciar o que é falso do que é verdadeiro. Para eles, a celebridade não está tão distante assim, é alguém que ele encontraria na rua‖, afirma a pesquisadora Luciana Corrêa. (RIBEIRO, 2016).

O público mais impactado pela produção de conteúdo oriunda dos influenciadores digitais são os adolescentes. Além da identificação, da transparência e de uma postura que remete a sua autenticidade, que são características muito valorizadas nessa fase da vida, é quando acontece também o despertar para o consumo. Por meio de decisões e de dinheiro próprio, ocorrem as primeiras compras, uma vez que esse público está ingressando no mercado de trabalho e têm poder aquisitivo para investimentos pessoais. As estratégias de comunicação e marketing, desde o design das embalagens, o discurso das marcas, até as campanhas na internet, são pensadas de acordo com cada público, mas percebe-se que maior parte delas é voltada para quem está com idade entre 18 e 30 anos.

Além disso, esse público está habituado desde a infância a buscar informações na web e nunca tiveram os meios de comunicação de massa tradicionais como únicas fontes de informação. Burgess e Green (2009) fazem uma reflexão a respeito da alfabetização digital impactando na cultura participativa:

Alfabetização digital é um dos principais problemas da cultura participativa. Ao menos nas sociedades mais tecnológicas, as preocupações iniciais quanto à desigualdade da participação on-line, que eram centradas em redor da ideia de uma ―barreira digital‖ – uma questão de acesso à tecnologia –, deram lugar a questões sobre a inclusão digital e a participação. A ideia da barreira digital foi um conceito dicotômico baseado meramente no acesso, ou falta de acesso, a tecnologias digitais como computadores ou infraestrutura de banda larga. Nesse sentido, ou a pessoa é ―digital‖ ou não é. Embora o acesso ainda seja um grande obstáculo, os debates mudaram para abarcar a ideia de ―lacuna de participação‖, em seu âmago, uma questão de alfabetização. (BURGESS; GREEN, 2009, ps. 98- 99).

No entanto, os autores seguem a explicação sobre a cultura participativa no YouTube ao indicar que o público, a medida em que acompanha os vídeos, vai aprendendo a participar da plataforma. A navegação no site é muito simples, um dos seus grandes benefícios junto aos usuários. Burgess e Green (2009, p. 92) falam, inclusive, que: ―o design da interface do YouTube pode não ser elegante, mas é famoso por sua usabilidade, pelo menos dentro das fronteiras de seus objetivos declarados – fazer upload, transcodificar, atribuir palavras-chave e publicar vídeos‖. Os autores chegam a seguinte conclusão:

Ser ―letrado‖ no contexto do YouTube, portanto, significa não apenas ser capaz de criar e consumir o conteúdo em vídeo, mas também ser capaz de compreender o modo como o YouTube funciona como conjunto de tecnologias e como rede social. (BURGESS; GREEN, 2009, p. 101).

O design do YouTube foi modificado desde a sua criação. Montaño (2015, p. 75) contribui ao pensar no contemporâneo como um audiovisual de interface e explica: ―[...] é um ambiente no qual diversos fluxos se encontram e onde a irreversibilidade de todas as imagens anteriores a ele se torna dado. Trata-se de uma imagem-interface, que se modifica radicalmente com a presença e intervenção do usuário‖.

Na sequência, uma amostra das principais telas, levando em consideração os anos de 2005, quando foi fundado; 2007, após ser adquirido pelo Google; 2012, quando ocorreu uma grande alteração na sua estrutura; e, por fim, em 2017, uma mudança radical desde o logo, até o layout do site, que foi modificado atendendo também as sugestões dos usuários. No logotipo, o ―Tube‖ saiu da caixa vermelha e se tornou o próprio ―play‖, seguindo a estratégia de usabilidade para espaços limitados, como na versão mobile, o ícone poderá ser usado como um logo abreviado e será reconhecido com mais facilidade do que o design completo.

FIGURA 2 – Evolução do layout do YouTube

2005 2007

2012 2017

Fonte: Internet Archive. [YouTube 2005, 2007, 2012, 2017].