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A primeira categoria a ser analisada neste estudo é sobre a relação da youtuber com a ferramenta. A intenção aqui é compreender a forma com que são utilizadas as técnicas oferecidas pela plataforma para chamar a atenção do público.

Num primeiro momento, Lipovetsky (2010) ajuda a compreender a produção exacerbada de bens materiais, comerciais e culturais e o que ele chama de momento do hiperconsumo. Neste período, há uma grande quantidade de produtos e serviços disponíveis e, dentro de cada segmento, uma variedade de marcas que atingem níveis de qualidade próxima dos produtos tradicionais, já consolidados e mais caros. Segundo o autor:

Entramos no ciclo do hiperconsumo quando os objetos industriais baratos conseguem atingir níveis de qualidade próximos dos produtos topo de gama. Os artigos são rejeitados não devido à mediocridade do seu fabrico, mas em consequência da economia da velocidade, do aparecimento de produtos novos, mais eficazes ou capazes de responder a outras necessidades. (LIPOVETSKY, 2010, ps. 78-79).

Portanto, a indústria precisa se reinventar constantemente se quiser manter a sua competitividade em qualquer segmento: inovação, qualidade e preço que seja acessível ao público que deseja alcançar. Nesse contexto, o YouTube chegou como uma plataforma alternativa de entretenimento e que entrega os quesitos que o público almeja. Porém, com o passar dos anos e com a quantidade exacerbada de canais e de publicações, o algoritmo tem colocado o público consumidor num ritmo mais frenético e, em muitos casos, até insano de consumo de vídeos. As pessoas estão dedicando, cada vez mais horas para assistir vídeos no YouTube e, consequentemente, exigindo maior dedicação dos produtores de conteúdo. A partir

desse cenário, o autor explica ainda, que hoje as pessoas vivem o individualismo extremo.

Para ele, até a década de 1970, a família comprava bens para o uso coletivo em casa, ou seja, um aparelho de televisão, um carro e uma linha telefônica, por exemplo, indicavam status e, portanto, eram itens de desejo. Passado esse período, Lipovetsky explica que o consumo passou a ser dirigido quase que exclusivamente ao indivíduo: uma televisão, um telefone ou um carro por pessoa. Ele destaca também que, nesse período, os indivíduos passaram a cultuar as marcas, artigos e símbolos que denotem luxo. Ou seja, tudo para adular o indivíduo que volta suas paixões para si mesmo, seu ego e seu conforto, em um mundo de ideologias coletivas arruinadas.

O autor acrescenta ainda: ―Estamos na era do divertimento integrado e generalizado, marcado pela hibridização da mercadoria, da emoção e da distração de massa‖ (LIPOVETSKY, 2015, p. 270). Assim, uma plataforma de entretenimento tão diversificada como o YouTube pode ser enquadrada perfeitamente no contexto acima, uma vez que, de acordo com as suas preferências, as pessoas são induzidas pelo algoritmo a decidir o que querem assistir em cada momento – a partir de uma escolha prévia –, ao mesmo tempo em que podem interagir e conhecer novos produtos e serviços que vão além do que o vídeo comunica. A respeito do jeito com que as pessoas vêm se divertindo, Lipovetsky reforça que:

O divertimento se tornou a retórica do consumismo, seu estilo, seu espírito dominante: ele é a aura de que se envolve o mundo do consumo estetizado. Ambiência generalizada de lazer que, difundindo uma atmosfera de ligeireza e de felicidade, constrói a imagem de uma espécie de sonho acordado permanente, de paraíso do consumo. (LIPOVETSKY, 2015, p. 271).

Nesse contexto, a utilização de elementos técnicos do próprio YouTube, a regularidade de postagens de vídeos, a programação dos canais, a interação junto ao público e a publicidade presente dão a ideia de profissionalização e de seriedade, que são determinantes para a divulgação do canal, a atração da atenção e o engajamento com o conteúdo. Logo, Lipovetsky (2015, p. 283) utiliza também a expressão ―realidade ‗show‘‖ para contextualizar a sociedade do hiperespetáculo, como ele mesmo denomina.

Conforme já dito anteriormente, é percebido que as pessoas se sentem mais à vontade e com mais abertura de dialogar e de questionar um influenciador do que um famoso, pois se sentem mais próximas a ele, uma vez que se mostram iguais a

qualquer outro indivíduo, com rotinas comuns. Então, produtores de conteúdo on- line expõem a sua intimidade, ao gravar os vídeos em casa e em diversos cômodos, com a presença de familiares e de amigos, como que se o público estivesse assistindo um reality show do cotidiano. Muitas vezes, os vlogs no YouTube são postados, inclusive, sem o cuidado de um conteúdo pré-definido, é simplesmente o que o youtuber está vivendo.

A respeito de transformar a vida num espetáculo, ao criticar os programas televisivos de reality shows, Lipovetsky faz uma crítica que também serve para o contexto do YouTube, uma vez que são utilizadas diversas técnicas e recursos de gravação e de edição dos vídeos:

O real não afastou de forma alguma a ficção: o próprio real se ficcionaliza, embora incorporando pessoas comuns. E não é a banalidade do real que é mostrada, mas um real que se tornou espetáculo, parecendo um filme, com suas lágrimas e seus risos, seus dramas e seu final feliz, e filmado como tal, com closes, flashbacks, montagem precisa, fundo musical. Nesses programas não é o banal que fascina, mas as reações individuais, os amores, as paixões e as rivalidades: fenômenos subjetivos que, apesar de vividos por indivíduos quaisquer, nunca são totalmente do domínio do banal. É a subjetividade, o emocional, o excesso das situações e das reações que cativam os telespectadores, não o espetáculo da insignificância e da plenitude. (LIPOVETSKY, 2015, p. 285).

No momento em que o YouTube oferece a possibilidade dos criadores de conteúdo inserirem um banner com uma arte do canal, podendo acrescentar também as outras redes sociais digitais em que o influenciador está presente, podem escrever mais informações sobre o espaço e disponibiliza a opção de escrever o título, a descrição e a thumbnail22 de cada vídeo, é possível personalizar o canal de acordo com uma programação e regularidade que se deseja manter com quem acompanha os conteúdos. Além disso, existe a análise, a performance e a monetização do que é publicado, automaticamente viabilizando esse espaço como negócio, essencialmente em benefício próprio, mas favorecendo o capital social de inúmeras pessoas que querem se expor. Nesse contexto, o real e as situações do dia a dia se mesclam com a ficção de uma produção para o entretenimento.

Para Lipovetsky (2009, p. 244): ―A cultura de massa é uma cultura de consumo, inteiramente fabricada para o prazer imediato e a recreação do espírito, devendo-se sua sedução em parte à simplicidade que manifesta‖. Assim, é cada vez

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Termo utilizado para designar uma imagem em miniatura. Ou seja, é a imagem da capa do vídeo postado no YouTube.

mais comum que os influenciadores que tratam as suas redes como um negócio se apropriem ao máximo das ferramentas que a plataforma oferece para explorar mais recursos aos seus conteúdos e profissionalizarem mais a sua identidade no nicho em que estão inseridos.

Lipovetsky (2009, p. 238) diz também que: ―Toda a cultura mass-midiática tornou-se uma formidável máquina comandada pela lei da renovação acelerada, do sucesso efêmero, da sedução, da diferença marginal‖. Ele aborda isso comparando que nos anos de 1950, o tempo médio de exploração de um longa-metragem era de cerca de cinco anos, hoje é em torno de um ano.

Isso tudo vem a partir da variedade disponível hoje: televisão aberta, por assinatura e streaming dão mais opções às pessoas e fazem com que elas consumam mais conteúdos num curto período de tempo. A respeito da agilidade com que os membros da sociedade consomem, Lipovetsky lembra:

É verdade que, por intermédio dos novos meios de difusão audiovisual, assiste-se ao aumento da duração de vida dos produtos culturais, podendo os filmes em particular ser vistos à escolha, independentemente das estreias e programações em salas. Mas o que vale para o cinema não vale para as músicas e os livros, a cada mês um disco expulsa o outro, um livro um outro livro – a obsolescência aí reina como em nenhuma outra parte. (LIPOVETSKY, 2009, p. 238).

A partir da redução progressiva do tempo de um filme em cartaz, das músicas que tocam nas rádios ou nas principais listas das mais tocadas de uma determinada plataforma, o YouTube é um exemplo muito claro da limitação da vida útil do que é postado. Diariamente surgem novos canais e discussões em que cada um ofusca o outro. É possível postar um vídeo, por exemplo, com um conteúdo que rende várias discussões, polemicas ou engajamentos, mas em questão de dias ou de uma semana já é um material considerado antigo e substituído por novos conteúdos.

Além da quantidade de opções, Lipovetsky (2015, p. 250) aborda também a respeito do design que atrai a atenção de quem quer consumir os conteúdos: ―O design não procura mais traduzir unicamente a função objetiva e neutra dos objetos, mas, por meio destes, um universo de sentidos que nos fala e nos emociona‖. O autor acrescenta ainda que o design hipermoderno é feito de acordo com qualidades sensíveis e focado para o público de interesse ao conteúdo, valorizando aspectos irônicos, descontraídos, símbolos e voltados às emoções das pessoas. Essas

qualidades comentadas por Lipovetsky podem ser percebidas claramente na maioria dos canais que se tornaram ou querem se tornar profissionais.

Portanto, de forma prática, a autora buscará analisar as propriedades técnicas da plataforma. Ou seja, a existência de uma vinheta, os links internos dos vídeos remetendo a outras publicações, a regularidade das postagens, a customização da página do canal, se existem chamadas para a interação junto ao público e se há a inserção de publicidade nos vídeos, o que seria considerado positivo para as normas da plataforma.