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O discurso epistemológico visto através do vértice ontológico

Esquema 4 Esquema referente ao discurso epistemológico

4 O MAPA QUE TRILHA UMA ORDEM SOBRE O DISCURSO VISUAL: A

4.3 O discurso epistemológico

4.3.1 O discurso epistemológico visto através do vértice ontológico

O imperativo pelo domínio do conhecimento presente na cultura letrada é uma exigência à qual está submetida a sociedade atual. Tal conhecimento implica, entre outros, no entendimento de um conjunto complexo de linguagens que convivem colocando em evidência determinados sistemas de signos limitados e arbitrários que, ora apresentam-se como vocais (fonéticos), ora como gráficos (inscrições), ora como outros códigos e protocolos, sempre atuando como signos partilhados por um determinado grupo social, que, de modo particular, os põem em funcionamento. A constituição e o uso destes sistemas, sua dominação e acesso por toda a população societária, historicamente desperta o interesse dos Estados, em função, sobretudo, das suas expectativas desenvolvimentistas almejadas. Prova disto são enunciados achados em documentos normativos, cujas escrituras se articulam a questões que dizem respeito ao desenvolvimento do país, ao domínio e conhecimento da leitura e da escrita e à educação.

No aspecto econômico, o Brasil tem de enfrentar ainda uma somatória de problemas antigos e modernos: produzir mais para suprir as carências materiais de grandes parcelas da população, distribuir a riqueza mais equitativamente e cuidar para que a exploração predatória não esgote os recursos naturais de que dispomos. Parece haver um razoável consenso de que para se atingir essas metas é preciso elevar o nível da educação de toda população (BRASIL, 2001, p. 38, grifos nossos).

Na primeira metade do século XX, entre as preocupações da CEAA, ganha relevo o signo do domínio da cultura letrada pela população brasileira, como um bem, uma competência, vinculada e obtida através da educação nacional. As escrituras nestas discussões asseveram que “[...] a justificação econômica da Campanha se fez com base na idéia de que a „insuficiência cultural‟ do país estaria entravando a produção” (PAIVA, 2003, p. 208, grifos da autora). Como visto a educação em geral e os estudos da língua materna, em particular, são signos que vão ao encontro das aspirações governamentais, ordenados em documentos que evidenciam tal importância para a vida societária, sobretudo, quando colocados frente às questões econômicas. Dentre as implicações que envolvem o estudo da língua materna e o domínio dos seus códigos, o uso do LD da disciplina Língua Portuguesa assume destaque econômico e cultural, ao ser situado historicamente, considerando as suas práticas pedagógicas, políticas e sociais.

Ao considerar os conteúdos que envolvem as práticas suscitadas pelo uso corrente do LD da EJA, toma-se em evidência as séries enunciativas presentes no discurso

epistemológico, que recorrem ao recorte ontológico, pretendendo, por meio de palavras e imagens, nominar certa realidade ou representá-la. Este é caso de enunciados encontrados em dispersão que remontam às escrituras encontradas na gramática de Port-Royal, as quais se referem à palavra ressaltando seu valor sígnico para a organização da vida humana.

Resta-nos examinar aquilo que ela tem de espiritual, que a torna uma das maiores vantagens que o homem tem sobre todos os outros animais e que é uma das grandes provas da razão: é o uso que dela fazemos para expressar nossos pensamentos, e essa invenção maravilhosa de compor, com vinte e cinco ou trinta sons, essa variedade infinita de palavras que, nada tendo em si mesmas de semelhante ao que se passa em nosso espírito, não deixam de revelar aos outros todo seu segredo e de fazer com que aqueles que nele não podem penetrar compreendam tudo quanto concebemos e todos os diversos movimentos de nossa alma (ARNAULD; LANCELOT, 2001, p. 29).

A extensão ontológica do signo proposta através do ato de ver e ler imagens como mediadora da aprendizagem é encontrada nas recursividades didático-pedagógicas e epistemológicas ao tomar a imagem como representação para as coisas outras. É o caso do enunciado “[...] verbete „pedagogia crítica da visualidade‟ [...]” (CARLOS, 2010, p. 21, grifo do autor) aqui, o texto visual como mediador do processo ensino-aprendizagem pode servir à aprendizagem do educando como representação das coisas do mundo material e natural que o entornam e, a um só tempo, aguçar a sua visão crítica acerca dos sentidos que o constituem como sujeito cognoscível e social.

Sob o signo da metodologia do ensino da língua materna na EJA emergem enunciados que tratam do uso de diversos gêneros textuais. São conteúdos propostos para o educador utilizar didaticamente em sala de aula: “[...] revistas, jornais, bulas de remédio, recibos, cupons, contas, filmes, sítios eletrônicos, músicas, desenhos, ilustrações, dentre outros”. (BRASIL, 2010a, p. 12). Verifica-se que este conjunto de materiais ratifica o uso de signos imagéticos vinculando-os às metodologias para o ensino da língua portuguesa na EJA, autorizando uma prática pedagógica que movimenta diferentes linguagens, respeitando as regras normativas e pedagógicas que orientam o uso do LD da EJA.

Enunciados correlatos de natureza normativa evidenciam a diversidade de materiais didáticos que circulam na escola, relacionando-os às escolhas metodológicas e falam que o professor pode “[...] selecionar o material didático apropriado para cada situação” (BRASIL, 2010b, p. 19). Isto implica numa abertura para a incorporação e uso de diferentes recursos didáticos, podendo constatar-se uma noção de metodologia aplicada nestes documentos, segundo as especificidades da modalidade da EJA.

Encontram-se regularidades em séries enunciativas do discurso epistemológico, que falam sobre as imagens e palavras, ressaltando que “linguagem e realidade se prendem dinamicamente” (FREIRE, 1997, p. 11). São enunciados que colocam em evidência diferentes linguagens como, por exemplo, o estudo dos signos linguísticos valendo-se da palavra e da imagem, ambas próximas do mundo vocabular e da memória discursiva do educando. Desse modo, para circundar a vida societária do educando jovem e adulto, as propostas filosóficas e metodológicas freirianas levam em conta as palavras e imagens como signos que se articulam para significar. Recorrendo aos signos imagem e metodologia, as lições freirianas participam da trama tecida e transpassada discursivamente: “Tal perspectiva está diretamente relacionada aos ensinamentos de Paulo Freire sobre a necessidade de que a leitura da palavra seja articulada à leitura do mundo” (BRASIL, 2010a, p. 7).

Ressaltando o uso pedagógico da imagem que circula no LD de língua portuguesa da EJA, o texto visual a seguir encerra regularidades enunciativas por meio de referências, não somente e exatamente a uma coisa, mas também, a uma entidade abstrata, que pode ser evocada pela apresentação de uma imagem.

Imagem 13 - Trabalho e consumo

Fonte: SILVA, C. O; SILVA, E. G. de O; MARCHETTI, G. N. (2009d, p. 28).

Neste texto visual, para além das muitas possibilidades de explorá-lo tendo em vista as suas dimensões psicológica, filosófica, política e sociológica articuladas ao campo da

educação, importa aqui a sua potencial condição de mediação na prática pedagógica para o ensino da língua portuguesa na EJA. De acordo com Santaella (2005), o texto visual tem a função de representar aquilo que ele remete visto ontologicamente através das suas partes constitutivas por similaridade. Segundo a classificação sígnica peirciana, esta representação trata-se de um signo icônico, considerando a sua semelhança com o objeto evocado pela imagem. Nesta condição, apresenta relação de semelhança com o seu objeto (o carro representado) de existência, cuja imagem, pelas aparências, o evocam. Devido à existência do texto multimodal, o texto linguístico inclina-se para desempenhar a função de nominar e significar o substantivo abstrato (felicidade). Agindo na subjetividade do educando, por meio de outro enunciado, o texto verbal que, junto ao texto visual, pode aguçar a associação entre o que pode representar (a felicidade) e o que deve representar (o carro), provocando sinergia ao emergir entre o educando e a sua aprendizagem mediada por uma imagem do mundo social e seus eventos, do qual este educando participa. Dialogando com Debray (1993), percebe-se que este texto visual encontra-se em função enunciativa de regularidade, pois, sua origem, sendo da propaganda inclina-se à inversão das coisas, ou seja, neste movimento a imagem passa a ser o real, aquilo que deve ser representado pelas coisas que ela inspira e cogita, aguçando a imaginação do educando envolvido nesta prática pedagógica.

Para que os alunos leiam e escrevam com autonomia, precisam familiarizar- se com a diversidade de textos existentes na sociedade. Precisam reconhecer as várias funções que a escrita pode ter (informar, entreter, convencer, definir, seduzir), os diferentes suportes materiais onde pode aparecer (jornais, livros, cartazes, etc.), as diferentes apresentações visuais que pode adquirir e suas características estruturais (organização sintática e vocabulário). (BRASIL, 2001, p. 55).

Sobre o signo do LD, enunciados presentes nos discursos jurídico e didático- pedagógico, emergem em séries dispersas para falar sobre a sua ontologia, aquilo que o faz ser o que lhe permite culturalmente ser o que é, um signo simbólico (CHOPPIN, 2004). Referenciado culturalmente como um suporte pedagógico, é constituído segundo a sua tradição cultural para transmitir o conhecimento sistematizado pela disciplina escolar. O LD da EJA inclui-se nesta regra, e sob o signo dos seus sujeitos, as teorias e conceitos veiculados são organizados, também segundo os conteúdos das disciplinas escolares e propostas curriculares apresentadas. No que concerne às metodologias, este material escolar desempenha “[...] um papel pedagógico, assegurando uma concepção e proposta adequada às características dos sujeitos da EJA, e também garantindo a veiculação de conceitos e

informações corretos, mantendo coerência da sua opção metodológica [...]” (BRASIL, 2010b, p. 20, grifos nossos). Séries heterogêneas do discurso didático-pedagógico falam sobre o LD-EJA, discutindo a sua produção pedagógica segundo conteúdos definidos em sala de aula, considerando o educando como participante da produção desse material didático, assumindo, assim, um conjunto de etapas para realização desta tarefa pedagógica.

Há, inclusive, propostas de EJA voltadas para a prática e transformação social, que se apropriam da realidade como instrumento pedagógico, em que professores e alunos são protagonistas das produções didáticas, e preconizam a produção de materiais didáticos como parte do processo pedagógico-formativo (BRASIL, 2010a, p. 12).

Implicadas nesta possibilidade pedagógica estão as transformações de diversos materiais para torná-los didáticos, como, por exemplo, peças publicitárias, livros de literatura em língua materna, jornais, revistas, acervos particulares e souvenirs, entre outros materiais que circulam como recursos materiais didáticos, porque foram autorizados em documentos didáticos e normativos. Modificar a função destes materiais e fazer o seu deslocamento para o campo pedagógico requer, também, considerar a sua ontologia. Significa entendê-los, a partir da sua constituição, seus fins primeiros de produção e circulação, suas condições e possibilidades de reconstituí-los e deslocá-los para o campo didático-pedagógico.

Em meio à trama discursiva epistemológica, percebe-se que a sua tessitura pode ser vista extensivamente através do vértice semiológico presente no discurso visual em tela. D´après cette direction, a próxima seção apresenta os achados enunciativos tramados discursivamente e transpassados semiologicamente.