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II. Análise semântico-temporal dos tempos verbais do português no D

2.3. Os tempos do IND

2.3.3.2. O FS no corpus seleccionado

Tendo em conta o número de enunciados analisados, o FS apresenta um peso percentual pouco significativo, o que desde logo aponta para uma produtividade reduzida no âmbito do DI, nomeadamente ao nível da oração subordinante com apenas duas ocorrências:

19 A concepção de Futuro é dentro da evolução semântico-linguística, uma das aquisições temporais mais

recentes; em Latim evolui de um optativo que, nalguns casos, também deu o Conjuntivo (modo da não actualidade), o que faz com que em certas construções sintácticas, este seja utilizado para exprimir futuridade (Oliveira 1985: 356)

20

Loureiro (1997) e Oliveira (1985) fazem notar que a relação de dispensabilidade que é, por vezes, possível entre o FS e o PRInd ou formas analíticas com ‘verbo auxiliar + Infinitivo’ pode desvirtuar o sentido modal que o FS encerra, sendo necessário prestar particular atenção ao contexto como fonte de informações complementares.

136a) Francisco Assis assumirá ter falhado os objectivos eleitorais traçados para o distrito, mas vai pedir uma reflexão sobre o que correu mal e tentar sossegar, até às presidenciais, as movimentações internas com vista à liderança da Federação. Narciso Miranda admite que os resultados foram "frustrantes". Porém, garante que será solidário com todos os candidatos. (http://jn.sapo.pt/2005/10/21/politica/assis_assume_falhado_objectivos.html, 21.10.05)

137a) Segundo o líder do PS/Porto, é preciso reflectir nomeadamente sobre a articulação da Federação com as concelhias e o método de escolha dos candidatos, o que pode implicar alterações estatutárias. É esse debate que pedirá, hoje, que seja feito pelos dirigentes distritais. (http://jn.sapo.pt/2005/10/21/politica/assis_assume_falhado_objectivos.html, 21.10.05)

Nos dois enunciados seleccionados, o FS aponta para um intervalo temporal posterior a ME, que o justifica directamente. No que concerne ao primeiro exemplo (136a) é de notar que a forma do FS surge numa frase coordenada adversativa em que a forma verbal subsequente é a construção “ir” PRInd + INF. Assim, podemos considerar que, por serem duas acções que estão ao mesmo nível, a utilização da forma FS pode indicar, por parte do jornalista, alguma dúvida quanto a uma eventual atitude do sujeito. A forma de FS permite exprimir, por isso, possibilidade e o não comprometimento do jornalista, algo que a forma analítica não expressa, por apontar para uma interpretação de factualidade. No entanto, no segundo exemplo compulsado (137ª), em que a forma de FS surge acompanhada do advérbio de localização temporal “hoje”, pensamos que pode estabelecer- se uma relação de dispensabilidade com o PRInd, ou com a forma “ir + INF”, sem que se altere o sentido inicial, uma vez que não nos parece, neste caso concreto, tendo em conta as informações fornecidas contextualmente, que haja uma sobreposição da informação modal à informação temporal. Em termos práticos, enunciados em que o verbo introdutório se encontra no FS não representam casos de discurso indirecto canónico, em que se reenvia uma enunciação prévia, daí que haja uma forte componente modal associada ao valor temporal de futuridade. Fabricius-Hansen (1989: 160) designa esta modalidade de DI de “vorwegnehmende Wiedergabe”. Os enunciados que se seguem remetem para possíveis configurações temporais e/ou modais que o FS pode assumir na oração subordinada, quando dependente de um verbo de relação de ilocução:

64) Ontem, o presidente do SPD reiterou que o partido só aceitará integrar um Executivo com a direita se Gerhard Schröder se mantiver chanceler, algo que os conservadores consideram inaceitável. – p. 19

73) Uma comissão parlamentar considerou que o Presidente polaco, Aleksander Kwasniewski, e seis outros políticos deverão enfrentar um tribunal especial devido a alegações de abuso em negócios que envolvem uma companhia petrolífera com participação do Estado. – p.20

75) A cinco dias das legislativas na Polónia os partidos do centro-direita, que continuam a liderar sondagens, referiram que as suas divergências sobre política económica não os impedirão de governar em coligação. – p.20

83) O presidente do Supremo Conselho de Segurança Nacional do Irão, Ali Larijani, declarou ontem à imprensa, em Teerão, que o seu país reatará o enriquecimento de urânio e procederá a uma revisão da política que permite inspecções às instalações nucleares se acaso o respectivo programa atómico for submetido à consideração das Nações Unidas. – p. 22

102) Graça Freitas afirma, porém, que caso seja comprovada a eficácia das máscaras na prevenção da gripe das aves, as autoridades farão chegar a quem delas precisa, se isto for necessário. – p.25

79a) Os inspectores da DCITE afirmaram também que a rede agora interceptada não terá quaisquer outras ligações com grupos de traficantes recentemente presos em Portugal. Salientaram, no entanto, que Portugal é um local estratégico para o desembarque de cocaína, quase sempre transportada por via marítima (os pacotes agora confiscados vinham revestidos com uma capa de borracha, para evitar a deterioração devido a eventuais contactos com a água) e que a maior parte das organizações detectadas são estrangeiras. (Público nr. 5666/29.09.05, p. 28)

No primeiro exemplo proposto (64), o FS permite uma leitura temporal e modal. Na verdade, e tendo em conta o advérbio de localização temporal “ontem” e a forma verbal em PPS, parece-nos evidente que o FS marca posterioridade face a MEO e ME actual do discurso jornalístico. No entanto, e tendo em conta o enquadramento contextual, em que o FS surge em articulação com uma oração condicional e com a palavra de expressão não- polarizada “só”, teremos de considerar que há informação modal de cariz hipotético. No que concerne ao exemplo seguinte (73), é de ressalvar a existência de uma informação de

posterioridade, face a ME prévio e actual, ainda que nos pareça que a marca essencial do tempo verbal é a modalidade associada ao valor semântico do verbo modal “dever”. No enunciado seguinte (75), o FS evidencia um intervalo temporal posterior a ME e à situação comunicativa de origem, e, neste contexto, parece-nos que a leitura temporal se sobrepõe a uma interpretação modal. Assim, o emprego da forma analítica “vão impedir” introduziria a mesma informação temporal, mas poderia significar uma maior assertividade. No exemplo 83, a presença do FS contribui, essencialmente, para fixar um momento posterior ao de ME inicial e actual. No entanto, configura um sentido modal hipotético, que depende de condições explicitamente fornecidas pelo contexto, através do emprego de uma oração condicional. O enunciado que se segue (102) permite, mais uma vez, uma interpretação de duplo sentido do FS, na medida em que, para além da referência a um contexto de futuridade, já sobejamente mencionada, acresce o sentido modal epistémico marcado pelo emprego da adversativa “porém”, pela articulação com o PConj e pela ocorrência de uma oração condicional. Por fim, o último exemplo compulsado (79a) aponta para uma interpretação unicamente modal da forma do FS, com valor hipotético. Relativamente à inscrição dos factos na linha do tempo, parece, por um lado haver suspensão de ancoragem face a um ponto de referência específico, havendo, por isso, um valor de permanência, que inclui necessariamente ME e MEO. A utilização do FS no DI parece ser um recurso semântico importante, tendo em conta a eficácia pragmática pretendida pelo jornalista. Nesse sentido, torna-se ainda mais difícil recuperar o enunciado original, uma vez que existem outras formas de exprimir futuridade, existindo divergências, exactamente, nos sentidos modais mais ou menos vincados que as formas verbais transmitem. Acresce que, mesmo em alguns enunciados em discurso indirecto seria possível estabelecer relações de dispensabilidade entre FS e PRInd ou outras construções, em termos temporais, colocando- se a questão ao nível da estratégia comunicativa pretendida, o que implica uma particular atenção à integração do FS no contexto. Tendo em conta a informação de posterioridade que este tempo verbal encerra, diremos que, na oração subordinada, pode estabelecer relação de dispensabilidade com o FP, com ancoragem directa a MEO. Após o PRInd, a manutenção de FS parece-nos legítima e de acordo com a sua utilização na situação discursiva original. Quanto ao emprego de FS na oração subordinante, verificamos que o emprego do INF na forma composta pode ser resultado da manutenção da forma do discurso original para o discurso citado, ou pode ser resultado de transposição de um PPS

original, sem alteração da informação temporal. De acordo com as regras de sequência temporal, no exemplo seguinte (137a), apenas a forma de PConj é admissível.

2.3.4. O PImp no DI

2.3.4.1. Considerações Iniciais

O PImp detém no corpus por nós recolhido uma preponderância pouco significativa, nomeadamente ao nível da oração introdutória, o que de alguma forma se poderá prender com a interpretação que lhe é inerente no conjunto do grupo que designamos por tempos do passado.

Cunha & Cintra (1997) e Said Ali (1964) estabelecem uma visão tripartida do sistema verbal português em presente, pretérito e futuro. No entanto, os primeiros autores reconhecem a especificidade desta forma verbal ao descreverem o valor afectivo do PImp da seguinte forma21:

Por expressar um facto inacabado, impreciso, em contínua realização na linha do passado para o presente, o IMPERFEITO é, como dissemos o tempo que melhor se presta a descrições e narrações (…). (Cunha & Cintra 1997: 452s)

Paiva Boléo (1929) define da seguinte o PImp latino:

O Pretérito Imperfeito latino exprime uma acção durativa, contemporânea duma acção passada ou duma época a que nos transportamos, e que, se está passada em relação ao presente (por isso se diz tempo do pretérito), todavia estava-se realizando e ainda não era conclusa (imperfeito), num dado momento passado. (Boléo 1929:327)

De facto, as definições apresentadas, parecem ir para além de uma noção tripartida dos tempos verbais, na medida em que parece não ser suficiente a referência a um ponto de ancoragem único: o ME. Retomemos, por isso, algumas noções centrais que nos permitirão estabelecer um enquadramento explicativo de interpretação do PImp. O facto de ME não ser

21 Os autores citam C.M.Robert que designa o Imperfeito como “presente no passado” (Cunha & Cintra

o ponto de referência único para interpretação de um tempo verbal foi, primeiramente, postulada por Reichenbach (1966) ao definir para os tempos verbais do Inglês uma interpretação baseada na relação de ME com um outro momento (designado por ponto de referência e que é contextual) e a relação entre este e o MS. A teoria de Reichenbach foi sendo sucessivamente interpretada, adaptada e reformulada nas diversas línguase tornou-se importante na medida em que introduziu novos dados na análise e interpretação verbal, uma vez que a par da perspectiva temporal de presente, passado e futuro surge uma localização relativa contextual de anterioridade, simultaneidade e posterioridade.

Eugénio Corseriu (1976) estabelece no seu estudo Das romanische Verbalsystem um enquadramento teórico para análise dos tempos verbais do português que assenta na divisão convencional, passado, presente futuro e numa outra complementar que o autor designa de “aktuell”/ “inaktuell”. Assim, define que as formas do PPS, PRInd e FS pertencem à perspectiva “aktuell” porque têm como ponto de ancoragem ME, enquanto que o PMPS, o PImp e o COND remetem para uma perspectiva “inaktuell”, na medida em que precisam de outro ponto de referência para além de ME. Peres (1995) propõe, para o PImp, uma interpretação assente em dois parâmetros – perspectiva temporal e localização relativa – considerando que este tempo verbal é, quanto ao primeiro critério, passado [pass], e quanto ao segundo, sobreposto [sobr]. Assim, e seguindo, igualmente, as propostas de Peres, Carecho (2003) interpreta desta forma, o PImp, contrastando-o com o PPS:

A situação referida pelo verbo é assim localizada pelo Pretérito Perfeito num intervalo anterior a um ‘ponto de perspectiva temporal’ presente e pelo Pretérito Imperfeito em sobreposição a um ‘ponto de perspectiva temporal’ passado. (Carecho 2003: 69)

Estas propostas de análise dos tempos verbais remetem para uma concepção mais complexa da temporalidade, que já não assenta somente nas perspectivas de ‘passado, presente, futuro’ relativamente a ME como ponto único de ancoragem e perspectiva temporal, permitindo também uma análise contextual de anterioridade, posterioridade e simultaneidade. Assim, surge a este propósito a designação de tempos absolutos e anafóricos, sendo que os primeiros remetem para um tempo da situação que necessita

unicamente do ME, enquanto que os segundos necessitam da perspectiva de ME e de uma outra fornecida contextualmente.22

Retomando a análise e interpretação do PImp, parece-nos que este é indissociável de uma interpretação retrospectiva face a ME, assumindo também uma perspectiva de simultaneidade face a um momento passado relativamente a ME. No entanto, a grande maleabilidade semântica que a forma assume prende-se com o facto de assumir “uma perspectiva retrospectiva não circunscrita relativamente ao ponto de referência natural, que é o momento da enunciação” (Loureiro 1997:76), ou seja, o PImp não denota uma necessidade de ancoragem face a ME, pelo que a sua relatividade contextual é, muitas vezes justificada pela marcação de um outro ponto de referência, que não ME. Mateus (2003) e Loureiro (1997) fazem, igualmente notar as potencialidades da forma não delimitada à esfera de passado, face a ME, permitindo uma projecção para um futuro, ocorrendo com pontos de perspectiva temporal que são posteriores a ME, através do uso de orações condicionais e de advérbios de tempo como amanhã. No entanto, o PImp pode, igualmente, remeter para intervalos de tempo delimitados face a ME, ou seja, falamos de ocorrências em que o PImp se refere a momentos delimitados contextualmente “que se circunscrevem a um espaço perfeitamente identificado e limitado no tempo pelo contexto, ou ainda a situações que têm como limite posterior um marco contextualmente indicado ou pressuposto ou até o próprio momento da enunciação (Loureiro 1997: 66). Nesse sentido, o PImp parece permitir uma extensão não delimitada dos intervalos de tempo, permitindo uma aproximação face a ME, pois possibilita expressar uma ideia de continuidade que, no entanto, não é de todo explícita:

O que parece ficar circunscrito na esfera do passado em determinados usos do IMP é a relativa coincidência, ou outra, que contextualmente se desenha entre os factos apresentados e um qualquer marco referencial indicado contextualmente, não ficando explícita a relação entre a extensão total e o ME. (Loureiro 1997: 67)

Uma outra interpretação do valor temporal do PImp prende-se com o facto de este poder assumir um valor enunciativo face a ME, sendo por isso, coincidente com este ponto

22 Bento José de Oliveira na Nova Grammática (1880) define a seguinte divisão dos tempos verbais tendo em

conta a dicotomia tempos absolutos e relativos: tempos absolutos – presente, pretérito perfeito e futuro imperfeito; tempos relativos – pretérito imperfeito; pretérito mais que perfeito, e futuro perfeito, demonstrando que esta proposta de análise da temporalidade é já bastante antiga. (cf. Oliveira 1880: 36-37 e 68-69)

de ancoragem. Por outro lado, pode, igualmente, expressar modalidade, permitindo ocorrer para exprimir um valor hipotético. A modalização do PImp permite que ocorra, também, na forma do denominado Imperfeito de delicadeza, propício a determinados contextos discursivos de interacção verbal (Mateus et alii. 2003:157). Numa análise aspectual do PImp, a mesma autora faz notar a necessidade de enquadramento de PImp através de outros elementos de referência contextuais, o que vem corroborar a existência de um marco referencial para além de ME para proceder à interpretação deste tempo verbal, dando como exemplo a utilização de orações temporais ou de expressões adverbiais de quantificação ou localização temporal. No que concerne às orações temporais é de ressalvar o emprego do PPS como tempo capaz de se assumir como o outro ponto de referência. No que diz respeito a uma análise aspectual, verificamos que o PImp, por ser um tempo alargado, na medida em que traduz, muitas vezes uma indefinição dos limites dos intervalos de tempo a que se refere, verificamos que o PImp pode desencadear uma série de transformações aspectuais. Seguindo a classificação e a análise propostas por Mateus et alii. (2003), consideraremos que o PImp pode apresentar uma leitura habitual passada tendo em conta predicados que são pontos como, por exemplo, “espirrar”, podendo igualmente, transformar estados télicos em atélicos não delimitados, ou estados habituais (Mateus et alii. 2003: 140s). O PImp detém 6 ocorrências no discurso citador e 22 em contexto de oração subordinada.