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II. Análise semântico-temporal dos tempos verbais do português no D

2.2 Opções Metodológicas e Organização do Capítulo

Tal como estabelecemos inicialmente, optámos por definir como critério orientador da nossa exposição a análise da relação que se estabelece entre o verbo/expressão introdutórios e o verbo principal da oração subordinada, por considerarmos que esta é primordial na expressão da temporalidade no discurso indirecto.

No entanto, precede a nossa descrição do comportamento específico dos tempos verbais no universo textual jornalístico, uma sistematização quantitativa e percentual da ocorrência de cada um desses tempos verbais nas referidas posições na frase. Levámos ainda a cabo uma análise quantitativa transversal, em que, para cada tempo verbal considerado, no discurso citador, quantificámos as combinatórias admitidas entre este e o tempo verbal da subordinada. Acreditamos que estes dados nos permitem uma visão global da produtividade das várias formas no corpus textual seleccionado.

No que respeita à selecção e organização do corpus, e tal como os dados constantes do anexo 2 demonstram, foram analisados um total de 358 enunciados, dos quais 211 pertencem a um único jornal, designadamente o Público n.º 5658 de 21de Setembro2005, enquanto que os restantes enunciados provêm de várias fontes jornalísticas desde jornais, revistas de cariz informativo e jornais on-line, devidamente identificados em cada enunciado. A constituição do universo de análise em duas partes distintas tem por objectivo permitir a constituição de um corpus com uma dupla vertente. Por um lado, a recolha exaustiva de todos os exemplos em que ocorre transposição discursiva em estilo indirecto nos moldes anteriormente explicitados (relação de subordinação entre discurso

citador e discurso citado), por outro, a selecção de enunciados escolhidos de forma aleatória, provenientes de várias fontes. Assim, pretendemos criar um corpus com uma dimensão fechada que facilite o estabelecimento de protótipos, que permita distrinçar o que é semântica e temporalmente constante, mas que encerre também uma vertente alargada, baseada em exemplos com proveniências distintas e que permita confirmar/precisar ou mesmo infirmar as tendências verificadas no corpus mais restrito. Por outro lado, basear a constituição de um corpus num único documento poderia levar à obtenção de dados incompletos e parcelares, na medida em que determinado órgão de comunicação social priviligia determinados estilos composicionais dicursivos e, como tal, era importante despistar factores condicionantes deste género. Tal como é possível verificar pelo anexo 2, os enunciados que constituem na segunda metade do corpus são sinalizados com a letra “a”, para além do número de ordenação.

A observação das duas tabelas (anexo 1) demonstra que foram contabilizados um total de 445 tempos verbais na oração subordinante e 486 na oração subordinada. Numa primeira instância, denotamos uma clara incidência na utilização do Pretérito Perfeito do Indicativo (PPS) na oração introdutória do DI, em mais de metade dos exemplos analisados. Este facto não nos parece, de todo, surpreendente se tivermos em conta que a génese da transposição discursiva é em estilo indirecto uma leitura retrospectiva de re, com todas as alterações deícticas daí decorrentes. Na verdade, e como veremos posteriormente, o PPS é, por excelência, um tempo de passado, que corresponde a um intervalo de tempo delimitado e terminado.

Verificamos que o Presente do Indicativo (PRInd) é o tempo verbal que possui o segundo maior número de ocorrências. Este, como teremos oportunidade de verificar posteriormente, pode assumir valores temporais e aspectuais alargados e, só em alguns casos, fornece uma abordagem enunciativa.

A tabela 1 permite ainda constatar que o Gerúndio (GER) e o Infinitivo (INF) são tempos verbais com alguma produtividade, ao nível da oração introdutória. Os enunciados analisados demonstram que critérios de ordem estilística e/ou de coerência gramatical e imposições sintácticas, são importantes para a utilização das formas, ainda que haja a expressão de relações temporais inerentes, como analisaremos posteriormente.

A tabela 2 representa, globalmente, a produtividade dos tempos verbais na oração que compreende o discurso citado. Como veremos as formas verbais adquirem a este nível

uma multiplicidade de interpretações e ramificações temporais, que não ocorrem nas orações introdutórias, na medida em que há que analisar a relação estabelecida com os MEs, os vários pontos de referência fornecidos pelo contexto e especificidades contextuais, na rede de relações semântico-temporais que se podem estabelecer num dado enunciado

Ao visualizarmos a tabela 2, verificamos que o PRInd assume níveis de produtividade elevados ao nível da oração subordinada. Na verdade, o emprego deste tempo verbal associa-se, normalmente, à enunciação de “um facto actual, que ocorre no momento em que se fala” (Cunha & Cintra 1997: 447), o que aponta, desde já, para uma arbitrariedade e relatividade do ME, ainda que esta coincidência entre este ponto de referência natural e a forma verbal, não seja a interpretação mais produtiva do PRInd. De facto, do ponto de vista temporal e aspectual, este tempo verbal potencia uma míriade de ocorrências e interpretações, o que justifica a sua utilização recorrente ao nível da oração subordinada.

A utilização do PPS está claramente justificada pela sua interpretação temporal e semântica retrospectiva mais recorrente, adquirindo um papel central no discurso em estilo indirecto. Será, no entanto, curioso verificar o comportamento deste tempo verbal tendo em conta a temporalidade expressa pelos verbos introdutórios utilizados.

A referida tabela permite, igualmente, verificar que o FS e o INF são, respectivamente, os tempos verbais que ocorrem mais frequentemente em terceiro e quarto lugares. Apesar da designação, sabemos que o FS não é o tempo verbal mais comummente utilizado em Português para exprimir posterioridade. Veremos que no caso do DI em texto jornalístico, o FS expressa, não raras vezes, posterioridade sendo, no entanto, muito recorrente a sua utilização num sentido modal.

O PImp, o Presente do Conjuntivo (PConj) e as formas perifrásticas apresentam alguma produtividade quantitativa, configurando situações semanticamente relevantes no corpus em estudo. Relativamente ao PImp, verificamos que este é um tempo com informação de passado mas que pode “ ser um tempo alargado (…) havendo uma sobreposição parcial ou total com um tempo de passado ou ainda uma relação de inclusão” (Mateus et alii. 2003: 156), características temporais e aspectuais que podem adquirir especial relevo na transposição discursiva em estilo indirecto.

Por outro lado, verificamos uma maior incidência do CONJ nas orações referentes ao conteúdo proposicional de discurso citado, do que nas orações de relação de ilocução. O

CONJ é recorrente em construções que apresentam subordinação, podendo ocorrer em frases completivas, relativas, condicionais, temporais, concessivas e finais, apresentando evidentes contrastes semânticos com o IND, como veremos. Esta posição que ocupa na construção frásica aponta para uma falta de autonomia que é inerente aos tempos do CONJ, cujo valor temporal e modal são indissociáveis

Por último, referimos as construções perifrásticas que, por opção metodológica, analisamos separadamente. Independentemente da informação temporal nelas expressa, consideramos que é o seu valor aspectual que potencia a relevância destas construções, ao permitirem a representação da estrutura interna de um estado de coisas e fornecerem a perspectiva do enunciador face ao processo verbal (Oliveira 1992: 289). Tendo em conta as considerações que tecemos sobre a categoria “aspecto”, no capítulo I (vd. supra: 37ss), sobre os dois sistemas linguísticos em estudo, este é um dado contrastivo relevante entre elas.

Quanto às tabelas que se referem à análise quantitativa das formas verbais constantes da oração subordinada, tendo em conta o tempo verbal do discurso citador, procuram fornecer informação complementar e uma melhor visualização das relações semântico-temporais que se estabelecem ao nível inter-sintagmático.

Relativamente à estrutura dos sub-capítulos, que apresentamos seguidamente, pensámos, inicialmente, em organizar o nosso estudo tendo como ponto de partida, o tempo verbal que consta da expressão de relação de ilocução, por isso, partimos do pressuposto que este é estruturante no DI, pois parece contribuir para configurar diversas possibilidades de localização temporal, tendo em conta o(s) ME(s) a considerar, bem como outros pontos de referência fornecidos pelo contexto, que permitem reenviar, através do texto jornalístico, uma situação discursiva prévia. No entanto, verificámos que a análise dos dados ficaria extremamente dispersa e pouco sistematizada, uma vez que a cada tempo verbal da oração introdutória, corresponde um número alargado de formas verbais. Assim, e tendo sempre em conta os objectivos específicos de análise dos tempos verbais em contexto, bem como as dificuldades de sistematização que algumas formas verbais do português apresentam, optámos por organizar o nosso trabalho tendo como princípio orientador a produtividade quantitativa dos tempos verbais, apresentada nas tabelas 1 e 2. Porém, ao procedermos a essa análise quantitativa apercebemo-nos de que há tempos verbais que ocorrem no discurso citado, mas não na expressão de relação de ilocução.

Assim, definimos os seguintes critérios para estruturação e organização do nosso estudo: a) constituir quatro grupos distintos, designadamente: os tempos verbais do IND, os tempos verbais do CONJ, as formas nominais e as formas perifrásticas; b) dentro de cada grupo, a ordem pela qual cada tempo verbal será analisado entra em linha de conta com dois vectores, nomeadamente, a produtividade quantitativa e a ocorrência na oração subordinada e subordinante, sendo que aqueles que ocorrem em apenas uma delas são analisados posteriormente e também de acordo com os níveis de produtividade percentual apresentados. Na medida em que estamos a trabalhar com um corpus que inclui um número alargado de formas verbais, foi nossa opção, por questões de limitação espacial, remeter para os exemplos que constituem uma amostra representativa do comportamento dos diferentes tempos verbais. Por isso, e ainda que na listagem em anexo os enunciados surjam ordenados e devidamente numerados, essa ordem não será mantida no presente capítulo, pois foi necessário fazer a selecção dos enunciados mais representativos para cada tempo verbal. No entanto, a numeração que consta do anexo 2 foi mantida por uma questão de coerência e para facilitar a identificação dos exemplos.

O nosso trabalho investigativo procura orientar-se num duplo sentido: por um lado, descrever e caracterizar cada tempo verbal tendo em conta as gramáticas de língua portuguesa consultadas e artigos científicos sobre esta temática, na tentativa de compreender o que é temporal e semanticamente regular para cada uma delas, e depois, procedermos a um análise relativa e em contexto de DI, no texto jornalístico. A análise contextual e específica deverá, por isso, potenciar e delimitar novas configurações e interpretações das formas verbais, para além do quadro das descrições gramaticais. A integração contextual das formas necessita, assim, de ter em atenção o sistema deíctico e as alterações que nele ocorrem, na transposição DD / DI. Efectivamente, para além de ME e MEO e a relação que se estabelece entre eles, é necessário considerar outros marcos referenciais, como outros intervalos temporais, que podem ser traduzidos por tempos verbais ou por outras referências deícticas. Estas, por sua vez, podem alargar o especificar a informação temporal fornecida pelos tempos verbais. Retomamos, por isso, a classificação de Comrie (1986) sobre os tipos de referência e adoptamos as designações: referência fixa e referência deíctica e, dentro destas, as expressões deícticas absolutas e relativas (Comrie 1986: 268s), e averiguamos quanto à importância e manifestações de cada uma delas na transposição discursiva, nos vários enunciados analisados.

Será, igualmente, nosso objectivo verificar os tempos verbais que ocorrem, simultaneamente, no discurso citador e citado, apresentam configurações semântico- temporais distintas, tendo em conta a posição relativa ocupada no DI em específico. Por fim, procuraremos averiguar quanto à existência ou não de uma regra gramatical igual ou semelhante à formulada por Comrie –“sequence of tenses” (vd. supra: 31ss) - para a língua inglesa, ou se é possível identificar algum princípio orientador que defina, para o português, a ocorrência das formas verbais no produto discursivo específico, que é o DI.

Naturalmente que, tendo em conta o objecto de estudo e as limitações que uma investigação de mestrado impõem, reconhecemos que as nossas conclusões serão sempre relativas e parcelares, ainda que tentemos descrever e analisar todos os exemplos significativos de todos os tempos verbais que ocorrem no corpus seleccionado. Esperamos, no entanto, contribuir de forma válida para a análise e compreensão dos elementos que exprimem temporalidade, em especial os tempos verbais, numa configuração tão específica como a produção do DI tentando, desta forma, apresentar alguns dados que poderão ajudar à descrição do sistema verbal português e reconhecer as suas especificidades face ao sistema verbal alemão.