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II. Análise semântico-temporal dos tempos verbais do português no D

2.3. Os tempos do IND

2.3.2.2. O PRInd no corpus seleccionado

Tal como fizemos para o PPS, começaremos por nos debruçar sobre a análise semântico-temporal do PRInd na oração introdutória, sendo que a forma verbal é, como vimos, a segunda mais representativa na expressão de relação de ilocução. Seleccionámos, por isso, alguns contextos que nos parecem sintomáticos da ocorrência da forma verbal, e que analisamos posteriormente:

3) Porque, sublinha Bachara, a identidade não se forma no Holocausto. – p.3

11) Diz agora o Tribunal Constitucional que, independentemente de não ser aquela (a audição das súmulas feitas pela Polícia Judiciária) a melhor interpretação da lei, também não é inconstitucional tal entendimento. – p.8

17) Mas o líder do PND admite que esta questão possa “não ser pacífica” num partido recém-formado, que vai fazer dois anos em Novembro. Até porque há na Nova Democracia quem entenda que não faz sentido apoiar um candidato que defende o semipresidencialismo, que é federalista e apoia a Constituição Europeia. – p.9

74) O painel disse ter reunido provas para suportar as alegações e pretende que Kwasniewski, ex-membro do Partido Comunista, e outros responsáveis enfrentem o Tribunal estatal, instância judicial especial para altos responsáveis políticos. – p.20

86) Segundo diplomatas europeus citados pela Reuters, o projecto de resolução a circular em Viena poderá hoje ser formalmente apresentado aos governadores, mas duvida-se de que ainda esta semana seja votado, dadas as objecções da Rússia, China, Brasil e África do Sul. –p. 22

Uma das questões que os exemplos transcritos levantam prende-se com a utilização de PRInd na oração introdutória de DI, na medida em que, como sabemos, o DI reenvia uma situação comunicativa anterior ao ME de referência. Efectivamente, faria sentido empregar tempos do “passado”, que sinalizassem a anterioridade do acto enunciativo de origem relativamente à enunciação actual.

A utilização do PRInd no primeiro exemplo (3) aponta, em nosso entender, para uma questão estilística, ou seja, parece-nos que o verbo “sublinhar” poderia ser substituído pelo PPS, sem que tal afecte o sentido da frase ou a sua gramaticalidade. De facto, e tendo

em conta a natureza do DI, o enunciador já proferiu, num momento anterior, o referido conteúdo discursivo. No entanto, o recurso ao PRInd permite uma vivacidade discursiva e uma noção de actualidade, que com o PPS seria automaticamente eliminada. Falamos, assim, do que nos parece ser uma aplicação do denominado presente histórico em contexto de texto noticioso. A utilização desta forma verbal potencia a interpretação de que há um enunciado que se inscreve num intervalo temporal anterior a ME, mas simultaneamente, indica uma quase sobreposição dos dois momentos de enunciação (em sentido lato). No exemplo 65a esta leitura torna-se ainda mais evidente, na medida em que o PPS da oração subordinada marca de forma clara um enunciado que se situa no passado devidamente circunscrito e a referência “em declarações à VISÃO” delimita o acto enunciativo marcado pelo verbo assertivo “garantir”. No entanto, o PRInd em que se encontra este verbo transpõe o acto discursivo anterior para a esfera de actualidade do ME. Tal como demonstra o exemplo 11, o PRInd ocorre, por vezes, com o adverbial de tempo “agora”, que reitera a informação temporal de um passado presentificado ou permite uma leitura de actualidade, no sentido lato, admitindo um contraste com “um antes”. O advérbio de localização temporal “agora” não pode ser tomado num sentido restrito, mas deve apontar para uma leitura mais lata e abrangente, para um intervalo de tempo alargado que inclui ME. Relativamente ao exemplo 17, verificamos que o emprego do PRInd pode justificar-se pelo facto de os dois verbos introdutórios poderem adquirir uma leitura permanente, na medida em que as expressões “admite” e “há quem entenda” remetem para a expressão de ideias e convicções, que podem não se limitar a um acto enunciativo em concreto, ainda que, principalmente, a forma verbal “admite” permita essa leitura. Mais ainda, o predicado “há quem entenda” remete para uma cristalização do emprego de PRInd ao apresentar uma focalização que aponta para um enunciador colectivo não identificado, que só poderia, neste contexto, ser veiculado no PRInd. O exemplo 74 apresenta a conjugação de dois verbos introdutórios em tempos distintos, designadamente o PPS e o PRInd, sendo que outras combinações verbais poderiam ter sido feitas, nomeadamente a utilização do PRInd com o verbo “dizer” sem que houvesse alterações na interpretação do enunciado. Este facto aponta para a questão uma estilística e para a possibilidade de, em algumas ocorrências, o PPS e o PRInd serem empregues em alternativa, principalmente com verbos assertivos neutros, como “declarar”, “referir” ou “dizer”. No entanto, o verbo “pretender” tem a nosso ver uma leitura de permanência que não poderia ser conseguida com outro tempo

verbal. O último exemplo por nós escolhido (86) remete para uma outra cristalização discursiva, que não aponta um enunciador concreto, mas antes para um sujeito indeterminado de referência arbitrária, sendo que os adverbiais de tempo e duração reiteram a leitura de permanência que inclui ME num sentido mais lato.

Podemos, assim, concluir que a utilização do PRInd na oração subordinante pode ter um propósito estilístico, na tentativa de conferir vivacidade e autenticidade ao discurso, reportando-se a um acto discursivo prévio. Trata-se de uma variante do presente histórico, podendo, na maior parte dos casos ser utilizado PPS nos mesmos contextos em que nos referimos a um acto enunciativo proferido antes de ME actual e cuja validade é passada. A utilização do PRInd verifica-se também quando existe referência a um acto discursivo passado mas cuja validade tem uma leitura de permanência ou actualidade que inclui ME actual num sentido lato. Por outro lado, surgem algumas cristalizações associadas não só à leitura de permanência mas, juntamente com esta, à não identificação do sujeito ou a estruturas invariáveis, que permitem a aproximação entre um sentido retrospectivo, enunciativo e permansivo.

Relativamente à utilização do PRInd na oração subordinada, verificámos que esta é a forma verbal que mais frequentemente ocorre, o que se prende, de alguma forma, com a pluralidade de sentidos e interpretações que o tempo verbal potencia em contextos diversos. Vejamos algumas citações em estilo indirecto que consideramos exemplificativas da ocorrência do PRInd:

3) Porque, sublinha Bachara, a identidade não se forma no Holocausto. – p.3

4) A maior contribuição de Wiesenthal “foi sem dúvida a caça aos nazis”, diz Bauer, moldando uma consciência internacional, não em Israel. É certo, diz, que o israelita médio não o conhece. – p.3

7) Depois de, nos últimos anos, diversos tribunais superiores terem anulado escutas telefónicas em processos crime – (…) -, o Tribunal Constitucional veio agora defender uma nova abordagem. Consideraram os juízes, num acórdão de 25 de Agosto a que o Público teve acesso, assinado por três magistrados, que não é inconstitucional o entendimento de que as escutas telefónicas são válidas mesmo quando não houve prévia audição pessoal do juiz, mas aquelas foram apenas acompanhadas pela leitura dos textos, completos ou em súmula, apresentados pela Polícia Judiciária. – p. 8

25) Na reunião, explicou aos deputados que só aceita negociar com as chefias e não com as associações. – p.10

38) Para já, os sociais-democratas aguardam pelos “termos da petição” para, de seguida, enveredar por uma posição “de acordo com os princípios e valores da social-democracia”, declarou ao Público Ana Manso. – p.12

40) Queixam-se – diz Carrilho depois – de falta de assistência da CML. O candidato promete apoio, porque “esta é a instituição que nos permite dormir sossegados”. Ao Público falam também dos habituais problemas de coordenação entre cooperações. No Verão, os sapadores de Lisboa foram chamados a combater incêndios florestais…em Viana do Castelo. – p.13

82) Entretanto, o Japão e a Coreia do Norte vão retomar brevemente as negociações governamentais para tentar normalizar as suas relações diplomáticas, declarou ontem o ministro nipónico dos Negócios Estrangeiros, Nobutaka Machimura. – p.21

105) As aulas deste projecto inovador vão começar já em Outubro e englobam disciplinas de Português, Inglês, Metodologias de Estudo e pesquisa, Tecnologias de Informação e aulas dos exames de acesso de cada aluno, explicou Luciano Almeida, presidente do CCISP. – p.27

115) Como lembra a agência AP, a aproximação do Rita ao Texas surge no mesmo mês em que se comemoram 105 anos de um dos mais mortíferos desastres naturais dos EUA. – p.28

O primeiro exemplo seleccionado (3) remete para uma utilização do PRInd histórico em que ocorre uma transposição para o presente de factos que são, tendo em conta o ponto de perspectiva conferido pelo ME, passados. No entanto, por serem factuais e verídicos, foram já presentes em dada altura, como é o caso do Holocausto. A presença de PRInd no exemplo 4 explica-se pelo facto de este conferir uma interpretação de permanência, ou seja, trata-se de um acontecimento que não tem qualquer balização definida, pelo que há uma neutralização do valor temporal dos acontecimentos, apresentados como constantes e actuais para qualquer ME que seja tido em conta, algo que é reforçado pelo presença de PRInd na oração introdutória. No enunciado seguinte (7), o PRInd adquire o mesmo valor de permanência, reiterado pela presença da oração

concessiva/temporal introduzida por “mesmo quando” que lhe confere uma validade ilimitada, independentemente de qualquer condição considerada. No exemplo 25, o PRInd pode ter uma dupla interpretação: uma noção de futuridade, remetendo para um acontecimento posterior a ME ou um valor de permanência se considerarmos a pretensão do LOC válida para ME e MEO. De qualquer forma, parece-nos que uma vez que essas negociações ainda não decorreram, o valor de futuridade se sobrepõe. O contexto que se segue (exemplo 38) traduz, em nosso entender, uma interpretação de actualidade, intensificada pelo uso da expressão adverbial “para já” que circunscreve os acontecimentos a um espaço temporal que inclui ME e que é parcialmente coincidente com este. O excerto subsequente (40) configura uma leitura de habitualidade ou permanência, na medida em que remete para comentários gerais recorrentes, em que se desconhece intervalo anterior e posterior, daí ser estabelecida uma relação de “independência” temporal face a ME, ainda que este seja incluído no lapso temporal considerado. De facto, a utilização do verbo “queixar” no PRInd não aponta para um acto delimitado, mas sim para um sentido iterativo inscrito na linha do tempo. Os dois exemplos seleccionados a seguir (82 e 105) fornecem uma leitura de futuridade, uma vez que os factos se inscrevem num intervalo temporal posterior à actualidade de ME. O advérbio temporal “brevemente” e a expressão temporal adverbial “já em Outubro”, bem como o recurso às estruturas formadas pelo verbo ir + INF apontam para a explanação de projectos futuros. No entanto, e uma vez que o verbo introdutório ocorre no PPS seria possível empregam o PImp como tempo verbal do verbo auxiliar da construção perifrástica. O contexto posterior (exemplo 115) permite uma leitura de actualidade, que inclui o intervalo cronológico em que ME se insere “no mesmo mês em que” sendo, por isso, temporalmente delimitado.

O PRInd é, como vimos, um tempo verbal com grande produtividade no discurso indirecto, permitindo uma série de interpretações semântico-temporais. Tendo em conta a natureza do DI, verificamos que o PRInd assume na oração subordinante, por vezes, uma configuração em algo semelhante à interpretação de presente histórico, que serve, neste caso concreto, uma tentativa de presentificação do discurso, aliada à tentativa de conferir vivacidade e autenticidade ao discurso. Quando remete para actos discursivos delimitados no tempo e anteriores a ME, é permutável com PPS. No entanto, permite também leituras de actualidade e permanência, por vezes, associados a verbos que exprimem crença ou opinião. Repare-se que, nos exemplos analisados, a utilização de PRInd na oração

introdutória, permite manter no discurso citado os tempos verbais que assumimos terem sido utilizados no discurso citado original.

A leitura de presente histórico do PRInd na oração subordinada é muito pouco significativa porque a génese da notícia não se prende, por norma, com factos passados de alguma forma distantes, ainda que exista, como vimos, um exemplo que traduz esta configuração de PRInd. Verificamos, também, que, no que concerne a oração subordinada, o PRInd é empregue nos sentidos permansivo, actual ou habitual, para além de remeter para intervalos temporais posteriores à enunciação. Nesse sentido, consideramos que a utilização do PRInd no DI, quando o verbo ocorre num tempo de passado, permite a manutenção do tempo verbal em PRInd utilizado no acto discursivo original, por se considerarem que são contextos em que há a denominada aplicabilidade contínua, designação empregue por Comrie. Por outro lado, a utilização deste tempo verbal é, como vimos, por vezes, um pouco ambígua relativamente ao MR de ancoragem a considerar: o intervalo designado pelo verbo da oração principal (MEO) ou ME, o que remete para o fenómeno de “acesso duplo”.

2.3.3. O FS no DI

2.3.3.1. Considerações Iniciais

A expressão da futuridade conta, em Português, com uma série de construções linguísticas, designadamente o FS, o PRInd, as formas analíticas “ir + Inf”, “haver de + Inf”, advérbios e expressões adverbiais. A análise da bibliografia e do corpus permitiu-nos constatar que associado ao FS é possível destrinçar uma componente temporal e uma informação modal, o que parece plausível se considerarmos que qualquer referência a acontecimentos posteriores ao ME determina a alusão a uma esfera de factos com maior ou menor grau de possibilidade de concretização e, como tal, mais ou menos hipotéticos, tendo em conta o grau de conhecimentos disponíveis na esfera temporal actual. Nessa medida, fica automaticamente justificada a perspectiva modal inerente não só ao FS mas, segundo Fátima Oliveira (1985), a todas as outras possibilidades de expressão da futuridade: “A opção entre as formas diferentes dependerá, assim, da relação destas coordenadas de acordo com a perspectiva em que se coloca o locutor (Oliveira 1985: 353).

Cunha & Cintra (1997) definem, como já vimos anteriormente, uma divisão tripartida do tempo cronológico apresentando para as esferas do passado, presente e futuro os tempos verbais que poderão remeter para cada um deles. No entanto, constatámos, não só através da bibliografia, como do corpus, que a forma do FS ainda que coincidente com a arqui-designação futuro, é um tempo utilizado em situações restritas, não sendo muitas vezes capaz de transmitir a informação temporal de futuridade, sendo por isso, substituído por algumas das alternativas mencionadas no parágrafo anterior.

Os mesmos autores supra-mencionados definem as seguintes utilizações do FS: indicar factos certos ou prováveis, posteriores ao momento em que se fala; exprimir incerteza (probabilidade, dúvida, suposição) sobre os factos actuais. Para além destes valores semântico-temporais, o FS pode remeter para uma forma polida de presente; pode exprimir uma súplica, um desejo, uma ordem; nas afirmações condicionadas, refere-se a factos de realização provável. Na sequência, os autores dão conta de meios linguísticos substitutos do FS, referindo três construções analíticas com os verbos auxiliares haver / ter / ir no PRInd seguidos de INF. (Cunha & Cintra 1997: 457s).

Said Ali (1964) considera que o FS tem dois tipos de aplicação, designadamente, uma principal de “futuro propriamente dito, denotador de atos realmente vindouros”, de “carácter narrativo, profético ou anunciativo”, e as aplicações secundárias de “futuro compulsivo”, que tem uma função imperativa, “futuro problemático” que exprime valores de incerteza e “asserções condicionadas”, que designam estados de coisas que julgamos de realização possível, sendo que esta três últimas designações remetem para o valor modal da forma do FS. (Said Ali 1964: 317s).

As duas perspectivas apresentadas, nomeadamente a primeira “de futuro propriamente dito”, denotam alguns problemas porque o FS exprime futuridade mas esta é indissociável na vertente modal ou, quando muito, numa temporalidade modalizada. Acresce que o FS é claramente dependente do PRInd estabelecendo com este uma forte conexão, não só pelo facto de haver uma relação de coincidência semântica entre FS e as formas analíticas descritas, em que o auxiliar se encontra no PRInd, mas também, porque em termos semânticos e contextuais o futuro é sempre posterior a um presente, sendo potenciado ou delimitado pelo contexto situacional de ME em termos latos:

De facto, o Fut., se encararmos o tempo linearmente, é o tempo posterior ao presente, muito provavelmente o presente da enunciação, o que nos faz supor que há sempre uma certa

informação por parte do Loc., no momento em que se refere ao Futuro, do estado actual de coisas que lhe permite predizer o que acontecerá, sabendo-se que o Fut. é não-factual e supõe uma abertura para mundos ou histórias possíveis, dos quais o locutor escolhe um, sob qualquer critério preferencial, revelando assim a sua intenção, a sua disposição, o seu plano, a predeterminação dentro de uma relação de causa e efeito elaborada, por vezes, com base em conhecimentos experienciais ou outros. (Oliveira 1985: 355)

Mateus et alii.(2003) consideram que o FS, apesar de remeter para intervalo temporal posterior a ME, se encontra mais próximo de um modo do que de um tempo, demonstrando que outros meios linguísticos alternativos expressam, mais claramente, a noção de posterioridade ou futuridade face a ME (cf. Mateus et alii 2003: 158). A particularidade do FutS está, exactamente no facto de, a par da expressão da posterioridade face a ME, que pode ou não ocorrer com um sentido modal associado (epistémico, deôntico ou apreciativo), poder exprimir unicamente sentidos modais19 e ao facto de ser possível, em termos temporais, estabelecer relações de dispensabilidade com o PR e as formas perifrásticas.20 Oliveira (1985) considera que a futuridade pressupõe modalização e que o emprego das várias possibilidades que a expressam, remetem para atitudes distintas do falante, que terá de escolher qual a alternativa que produz os efeitos pragmáticos desejados a fim de “dar conta de uma maior ou menor certeza face a um estado de coisas ou ao seu desenvolvimento” (Oliveira 1985: 370). O FS regista 2 ocorrências na oração subordinante e 54 na oração subordinada.