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II. Análise semântico-temporal dos tempos verbais do português no D

2.3. Os tempos do IND

2.3.5.2. O PMPC no corpus seleccionado

Iremos, agora debruçar-nos sobre as ocorrências do PMPC no corpus recolhido, tentando inventariar os possíveis elementos linguísticos que servem de ponto de perspectiva temporal ao PMPC. Nos dois únicos exemplos do corpus em que o PMPC ocorre na oração subordinante (vd. infra: 85), verificamos que, relativamente ao primeiro enunciado (33), o ponto de referência é o adverbial de localização temporal “no início deste ano”, que corroborado pelo monema “já” indica explicitamente anterioridade face ao marcador de localização temporal. O exemplo seguinte (135) permite-nos, desde logo, verificar que o PMPC é compatível com adverbiais de medição temporal. Por outro lado, parece-nos que este mesmo adverbial terá de se referir, necessariamente, a um ponto de perspectiva temporal contextual e que, em nosso entender, ocorre na oração anterior: “A Fed conclui que a “inflação core” (…) tem sido baixa nos últimos meses (…)”. Repare-se que, apesar de o tempo verbal da oração anterior ser o PRInd, este é anterior ao ME actual do discurso jornalístico, logo, inferimos que a localização de sobreposição que se verifica entre PMPC e o adverbial de duração é anterior às conclusões da Fed. De facto, e ao contrário do que acontece com o PPS, que designa um evento passado concluído, perspectivado a partir de uma ancoragem a ME, a análise dos exemplos permite verificar a necessidade de o PMPC apresentar um outro ponto de perspectiva temporal, relativamente ao qual se posiciona como sendo passado, de forma a designar anterioridade e perfectividade.

33) No início deste ano, já a câmara havia dito que não podia repor o terreno na situação anterior, por a empresa se encontrar em falência, os herdeiros de Luís Baptista foram confrontados com novas obras. – p.11

135) Vários governadores dos bancos que compõem a Fed haviam declarado nos últimos dias que a resposta a um desastre natural não deve ser monetária mas fiscal – isto é, o incentivo à reconstrução de Nova Orleães deve vir da despesa pública, não de taxas de juro mais baixas. – p. 31

No que concerne às ocorrências do PMPC na oração subordinada, iremos debruçar- nos sobre os seguintes enunciados, que nos parecem exemplificativos da ocorrência da forma:

99a) Fonte ligada ao processo adiantou à agência Lusa que o jovem, actualmente com 19 anos e que está a responder a perguntas da defesa do apresentador de televisão Carlos Cruz, foi questionado pelo advogado Ricardo Sá Fernandes sobre se tinha sido alvo de alguma situação de abuso sexual por parte de alguém que não estivesse a responder no julgamento que decorre no Tribunal do Monsanto. De acordo com a mesma fonte, o rapaz respondeu que tinha sido alvo de abusos sexuais por parte de Herman José, numa casa de Azeitão, alegadamente pertença do humorista e apresentador de televisão. Após esta resposta, Ricardo Sá Fernandes perguntou à testemunha se tinha sido o principal arguido, o ex- motorista casapiano Carlos Silvino da Silva a apresentá-lo e a levá-lo ao encontro do humorista, ao que o jovem pediu para falar com os seus advogados, tendo depois recusado responder à questão, em virtude de poder incorrer em procedimento criminal. Os advogados da Casa Pia fizeram então uma declaração para acta considerando que este tipo de perguntas e a respectiva resposta podem levar a que a testemunha incorra em responsabilidade criminal. Os advogados lembraram que já no decurso do julgamento foram movidos contra o mesmo jovem queixas crime pelos representantes legais do ex- deputado socialista Paulo Pedroso e pelo antigo líder do PS Ferro Rodrigues, por

declarações prestadas em tribunal.

(http://visaoonline.clix.pt/default.asp?CpContentId=328126, 11.10.05)

119a) Correia de Campos adiantou ainda que não está prevista a aquisição oficial de um outro medicamento, indicado por um estudo da revista científica «Nature» como mais eficaz para uma estirpe do H5N1. O ministro esclareceu que a alegada resistência do vírus ao Oseltamivir já tinha sido equacionada e está a ser devidamente seguida pela comunidade científica internacional. No entanto, Correia de Campos assegurou que o Oseltamivir continua a ser o mais eficaz e que Portugal foi um dos primeiros países europeus a tomar as medidas de alerta contra o vírus da gripe das aves, mundialmente definidas.(http://online.expresso.clix.pt/1pagina/artigo.asp?id=24754570, 18.10.05)

146a) Uma patrulha foi deslocada ao local, deparando com um jovem de 19 anos, com sinais de ter sido ferido a tiro, mas que estava com vida. Explicou que tinha sido abordado por três indivíduos, com sotaque brasileiro, após o que um deles fez um disparo de arma de fogo, fugindo em seguida. O jovem, que reside nas imediações de Santa Cruz, foi transportado ao Hospital de Torres Vedras, onde foi verificado que tinha um projéctil alojado no tronco, num ponto lateral, junto a uma costela. No entanto, estava em condições de falar, explicando então que os três indivíduos que o tinham abordado tinham por objectivo praticar um assalto. (http://jn.sapo.pt/2005/10/23/policia/jovem_ferido_a_tiro_durante_assalto_.html, 23.10.05)

Em cada um dos enunciados supra apresentados, a interpretação semântico- temporal do PMPC aponta, claramente, para a ideia de que este tempo verbal remete para um evento que ocorre antes de um ponto de referência passado face a ME actual e que é configurado como sendo o ME da situação comunicativa original. Um ponto que nos parece importante realçar é o facto de quase todas as ocorrências do PMPC na oração subordinada, surgirem na voz passiva, que nos parece ser um dado que justifique a utilização composta face à forma simples, que, de facto, não é muito comum ocorrer na conjugação passiva. Não obstante, verificamos que, quer nas ocorrências na oração subordinante, quer na oração subordinada, é possível comutar a forma simples e composta sem alteração do valor semântico-temporal do enunciado. É, ainda, possível aferir quanto à relação que se estabelece entre as formas em PMPC e em PPS, sendo que este serve de MR à forma composta, situando-a num intervalo anterior a ele e, como tal, anterior a ME citador actual, relativamente ao qual o PPS detém uma relação de ancoragem directa. É exactamente esta leitura contrastante entre as duas formas que nos permite verificar que PMPC surge em DI como o tempo de transposição de PPS em DI, porque ambos oferecem a mesma leitura semântico-temporal, sendo que é o ponto de perspectiva temporal que diverge.

Relativamente ao emprego de PMPC na oração subordinante, verificamos que, no exemplo 135, a presença de PRInd provém de uma interpretação de aplicabilidade contínua, sendo que no enunciado 33, a forma de PImp transpõe para o DI um valor actual/posterior de PRInd, com alteração do ponto de perspectiva temporal directo para MEO.

2.3.6. O PPC no DI

2.3.6.1. Considerações Iniciais

O PPC tem uma produtividade quantitativa bastante baixa no corpus recolhido com um total de 8 ocorrências. Tal como verificámos no subcapítulo referente ao PPS, as formas simples e composta do pretérito perfeito não registam sobreposição semântico-temporal, como acontece nas formas do mais-que-perfeito remetendo, assim, para informações temporais distintas. São vários os autores que consideram que o PPC apresenta especificidades claras no conjunto do sistema verbal português, na medida em que não é tido nem como um tempo verbal perfectivo nem como um tempo claramente de passado. No artigo “O pretérito perfeito composto: um tempo presente?”, Campos considera que o PPC é um tempo verbal que localiza um intervalo de tempo com ancoragem directa a ME, denotando-se uma relação de inclusão de ME no lapso temporal configurado PPC (Campos 1997: 122).

Mateus et alii. (2003) consideram que o PPC marca “ a duração de uma situação iniciada no passado e que continua no presente (da enunciação), podendo ainda apresentar uma leitura de iteratividade” (Mateus et alii. 2003: 159). O valor semântico-temporal de iteratividade fornecido pelo PPC tendo em conta, por vezes, a complementaridade de expressões adverbiais e o tipo de predicado em questão, bem como a distinção inerente às duas formas de pretérito, nomeadamente o valor durativo que inclui ME e que é configurado pelo PPC e o valor não durativo que a forma do PPS implica, ainda que este último possa admitir intervalos de tempo praticamente coincidentes com ME, é uma das características importantes do sistema verbal português. Esta distinção semântico-temporal não ocorre em outras línguas românicas como o galego e o francês (Campos 1997: 115-122; 9-22)24. De facto, se para os falantes destas línguas a utilização da forma simples ou composta parece ser relativamente indistinta em termos aspectuais, e registam-se distinções

24 (…) a forma galega que corresponde ao perfeito composto português conserva o valor historicamente

primitivo que remonta à forma latina ‘habeo+particípio’. A forma do perfeito simples – escríbin – traduz as formas simples e composta do pretérito perfeito castelhano: escribi e he escrito. (…) serão imperceptíveis para o falante galego, os diferentes matizes aspectuais que, em castelhano, estão associados a cada uma dessas formas. E a forma composta do galego só é usada quando se pretende acentuar o valor perfectivo de uma acção (Campos 1997: 117)

meramente formais ou mesmo de índole estilística, como os artigos citados demonstram, em português, a própria designação de PPC pode ser problemática:

Chega a ser problemático que se possa considerar o PC um pretérito, apesar da sua designação. Esta, aliás, totalmente desadaptada, pois se ainda pode haver dúvida sobre se é um pretérito, não haverá dúvida nenhuma de que não é “perfeito” – pelo contrário, aspectualmente, tem valor imperfectivo. (Fonseca 1994: 20)

Retomemos, então, o valor aspectual do PPC. Lopes (1995) e Mateus et alii. (2003) concordam que a interpretação aspectual de iteratividade depende do tipo de predicado e de possíveis informações adicionais fornecidas contextualmente, nomeadamente através de adverbiais ou mesmo através dos complementos (Lopes 1995: 101s; Mateus et alii. 2003: 159s). Nesse sentido, e seguindo a terminologia apresentada pela Gramática da Língua Portuguesa, o PPC tem valor iterativo com predicativos eventivos com culminação, sendo que esta informação pode ser adicionada pelas expressões adverbiais. Considerámos que o PPC marca “um início indeterminado de um estado ou de um evento anterior ao presente da enunciação que pode continuar para além deste” (Mateus et alii. 2003: 160). No entanto, para além da ancoragem a ME, o PPC deixará de ter um valor aspectual de iteratividade, quando tiver como ponto de referência não for ME, mas um outro fornecido contextualmente.

Veremos, seguidamente, o comportamento da forma verbal no corpus estudado, começando pelas ocorrências na oração subordinante que são apenas 3, enquanto que no discurso citado se verificam 5 ocorrências.