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II. Análise semântico-temporal dos tempos verbais do português no D

2.3. Os tempos do IND

2.3.4.2. O PImp no corpus seleccionado

Iremos, agora, analisar as várias ocorrências do PImp no corpus seleccionado, começando por deter-nos nos exemplos em que este tempo verbal ocorre na oração subordinante:

9) Uma tese que foi contra-argumentada pelos arguidos, que consideravam serem as escutas nulas, porque a selecção das partes consideradas relevantes haviam sido feitas pela Polícia Judiciária e não pelo juiz de instrução. – p.8

132) Havia alguma especulação de que, perante a devastação causada pelo Katrina, a Fed pudesse optar por uma pausa temporária na sua política monetária anti-inflacionista, para dar algum alívio. – p. 31

160) A Boeing prevê que as empresas chinesas irão precisar de mais 2600 aviões durante os próximos 20 anos, o que se traduzirá em ganhos de 213 milhões de dólares para a indústria aeronáutica, adiantava ontem a agência noticiosa AFP. – p. 33

201) [o delegado de saúde] referiu ainda, ao mesmo tempo que admitia que, perante os parâmetros bacteriológicos detectados nas análises disponibilizadas pelos serviços da edilidade, os participantes da prova podem ser afectados por problemas como “uma gastroenterite ou uma doença de pele.” – p.55

147a) Da mesma forma, a Agência Francesa da Segurança Sanitária dos Alimentos sublinhava anteontem que o avanço da doença na Rússia (ontem foi detectado um novo foco nos Urais) não acompanhou as rotas habituais das aves migratórias, mas sim as vias do transsiberiano, um importante eixo de comunicação. A hipótese "bastante provável" de que o vírus tenha seguido com aves transportadas pelo homem não diminui a possibilidade do papel das aves migratórias, diz a agência, mas traz a lume o peso da actividade humana

ligada ao negócio, seja legal ou ilegal.

(http://jn.sapo.pt/2005/10/23/sociedade/quarentena_funcionou.html, 23.10.05)

Comecemos a nossa análise do PImp no corpus recolhido tendo como ponto de partida essencial algumas considerações feitas anteriormente sobre este tempo verbal, designadamente a sua dependência contextual e a necessidade de ser exactamente o contexto a fornecer os elementos que permitem justificar e precisar as fronteiras temporais do intervalo de tempo passado (configurado pelo PImp) relativamente a ME, demonstrando se existe ou não continuidade com este. Por outro lado, e tendo em conta a eventual necessidade de outros pontos de referência para além de ME, veremos que relação estabelece PImp com esses marcos referenciais. Assim, tendo em conta que a maleabilidade semântica de PImp lhe permite um valor de localização relativa, procuraremos verificar a ancoragem a outros pontos de referência que não ME.

No que concerne ao primeiro excerto compulsado (9), verificamos que a interpretação de PImp necessita de um ponto de referência contextual que não está expresso no exemplo em causa. O início do parágrafo aponta para a existência de uma determinada tese (anteriormente mencionada) relativamente à qual os arguidos contra- argumentavam. Assim, o parágrafo anterior tem como tempo verbal da oração subordinante o PPS, sendo relativamente a esta matéria que o exemplo em análise se refere:

8) Defendeu também o representante do Ministério Público naquele tribunal superior que o juiz de instrução pode ser coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal, na respectiva selecção das escutas telefónicas, não necessitando de ser ela a fazê-la. – p.8

Tendo em conta a contextualização fornecida, consideramos que o PImp assume um valor retrospectivo, sendo que não existe continuidade face a ME, ou seja, o intervalo descrito pelo PImp estabelece-se relativamente a um outro intervalo de tempo passado, que o enquadra e justifica, havendo uma sobreposição parcial face a esse intervalo de tempo.

Relativamente ao exemplo seguinte (132), o PImp assume um valor modal referindo uma situação hipotética, ainda que remeta, igualmente, para um valor temporal, que é fornecido e pressuposto no contexto “perante a devastação do Katrina”. Repare-se que o excerto transcrito vem na sequência do seguinte período “Era a primeira reunião dos governadores da Fed depois do impacte do Furacão Katrina, que devastou o sudeste dos EUA”. O valor hipotético que o PImp assume pressupõe, desde já, um efeito de não ancoragem que é, no entanto, diluído contextualmente na medida em que o exemplo em causa se articula com um indicador contextual anterior. Assim, o intervalo de tempo configurado PImp inscreve-se nos limites do intervalo de tempo anterior a ME e que é configurado pela oração anterior. O exemplo seguinte (201) torna ainda mais evidente esta configuração e interpretação temporal de PImp, na medida em que o elemento contextual “ao mesmo tempo que”, o enquadra dentro dos limites do intervalo de tempo marcado pelo PPS. Nos dois exemplos que se seguem (147a e 160), o PImp ocorre em conjugação contextual com advérbios de localização temporal, que permitem enquadrar esse intervalo de tempo num passado circunscrito face a ME. Assim, podemos concluir que, tendo em conta o corpus visado e analisado, o PImp pode assumir uma interpretação de passado, marcando um intervalo de tempo directamente ancorado ME e especificado por outros elementos contextuais, como os adverbiais, ou seja, estes indicadores delimitam o intervalo de tempo configurado por PImp e, nestes contextos específicos, pode estabelecer uma relação de dispensabilidade com PPS. Outros indicadores contextuais de localização de PImp, podem ser outros tempos verbais fornecidos contextualmente, designadamente o PPS ou outra forma de PImp, que servem de MR e permitem aferir quanto a uma possível extensão temporal do intervalo configurado pelo tempo verbal em análise. Por outro lado,

o PImp pode apresentar um emprego modal, de cariz hipotético que, no corpus analisado, não é dissociável de interpretações temporais.

Vejamos, agora, as configurações e interpretações semântico-temporais que o PImp pode assumir na oração subordinada, no discurso indirecto, tendo em conta alguns excertos compulsados:

5) Isser Harel, chefe da Mossad, quando Eichman foi capturado, chegou a dizer que o contributo de Wiesenthal era uma “invenção”. Outros acusaram-no de ter exagerado o seu papel. Wiesenthal respondeu uma vez que nunca reclamara ter sido o único a contribuir para a captura, e que não estava certo de como a Mossad usara a informação que lhes dera, em 1954. – p.3

19)Durante a tarde, os dirigentes associativos estiveram reunidos com o chefe de Estado- Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante Mendes Cabeçadas, que os convocou para vincar mais uma vez que os militares no activo estavam proibidos de se manifestar, tendo apelado ao “bom sendo e cumprimento das leis.” – p.10

33) No início deste ano, já a câmara havia dito que não podia repor o terreno na situação anterior, por a empresa se encontrar em falência, os herdeiros de Luís Baptista foram confrontados com novas obras. – p.11

102a) Numa primeira reacção, José Lello, dirigente nacional do partido, veio apenas congratular-se com o facto da abstenção ter baixado, optando por dizer, no que toca às perspectivas de derrota em Lisboa, Porto e Sintra, que estas câmaras não eram do PS. (http://online.expresso.clix.pt/interior/default.asp?id=24754346&wcomm=tr ue, 09.10.05)

Uma vez que o PImp é um tempo verbal que admite uma extensão temporal num passado anterior a ME, relativamente aberta e maleável, consideramos que no exemplo 5, os predicados em PImp configuram estados, verificando-se uma relação de sobreposição entre os intervalos de tempo configurados por PPS e PImp. No que concerne à transposição discursiva efectuada, o PImp substitui no discurso indirecto, o PRInd com sentido actual face a ME original. No que concerne ao exemplo seguinte (19) poderemos considerar que o PImp remete para um evento cuja duração temporal coincide com o MR configurado pelo PPS “convocou”, que introduz uma oração final. Para além da sobreposição relativa a

MR, o PImp projecta-se num lapso temporal posterior àquele e não fica explícita a relação com ME actual. Neste enunciado em concreto, o PImp transpõe, em nosso entender, o PRInd de sentido enunciativo e/ou prospectivo. O excerto 33 permite a mesma interpretação que o enunciado anterior, ainda que o MR seja marcado pelo PPC, devidamente enquadrado pelo adverbial de localização temporal. Podemos, de facto, considerar que o intervalo de tempo configurado pelo PImp remete para um lapso temporal de relativa coincidência com PPC, porque também se projecta para lá deste intervalo temporal, ainda que, exactamente por falta de marcações temporais contextuais explícitas, seja difícil circunscrever a situação descrita PImp. Não fica explícita a sua actualidade face a ME. Parece-nos, igualmente, existir no DI uma substituição de PRInd utilizado em sentido actual / prospectivo, face a ME original. Quanto ao último exemplo seleccionado (102a), o PImp configura um intervalo de tempo anterior e parcialmente coincidente com MEO “veio congratular-se”. De facto, e tendo em contexto em que surge o enunciado, o leitor sabe que as câmaras municipais em questão não pertenciam ao partido político mencionado, antes das eleições e do momento enunciativo em questão. Assim, PImp pode marcar a transposição de PRInd para o discurso indirecto, mas pode igualmente ser o resultado da manutenção desse tempo verbal, ocorrido já em contexto de enunciação original.

Tal como podemos constatar, o PImp é um “tempo alargado” (Mateus et alli. 2003: 156), cuja interpretação semântico-temporal remete para uma dificuldade em balizar e definir concretamente os limites dos intervalos de tempo por ele configurados, sendo, por isso, necessária uma grande dependência contextual para precisar o seu valor temporal. De ressalvar que em contexto de DI, o PImp terá sempre de ser entendido como anterior ao ME actual, o texto jornalístico produzido. Na oração subordinante a sua interpretação pode decorrer directamente de um ponto de referência passado anterior ao ME actual ou pode ocorrer relativamente a um outro marco referencial marcado por um outro tempo verbal (PPS ou mesmo PImp), deixando, muitas vezes imprecisa a extensão e circunscrição temporal dos intervalos de tempo configurados. Na oração subordinada, e tendo em conta as transposições temporais que o discurso em estilo indirecto poderá implicar, podemos considerar a possibilidade de o PImp substituir a utilização do PRInd no enunciado original quando este tem valor de futuro ou de actualidade face a ME. O corpus analisado permitiu-

nos, igualmente, demonstrar que o PImp pela sua heterogeneidade semântico-temporal, permite exprimir modalidade, num sentido hipotético.

Tal como demonstrámos ao longo da nossa observação do comportamento de PImp na oração subordinada, verifica-se a transposição discursiva de PRInd (do enunciado original) para PImp. Efectivamente, o PImp, ao contrário de PPS, evidencia uma indeterminação dos limites temporais dos intervalos considerados, assumindo uma perspectiva retrospectiva. Nesse sentido, ele é a forma verbal que poderia traduzir, para contexto de DI, a extensão temporal que o PRInd de sentido prospectivo (não balizado) e actual, para além de que em termos aspectuais, pode transformar eventos télicos em predicados atélicos (“podia repor”) e é particularmente usado com estados atélicos (“estavam proibidos de se manifestar”) sendo, no entanto, necessário algum enquadramento temporal de referência. Relativamente ao emprego de PImp na oração subordinante, verificamos, a necessidade de localização temporal contextualmente fornecida, em que a relação é mais ou menos explícita face a ME. Nos dois primeiros exemplos, a utilização de INF decorre de uma utilização estilística, estando em substituição da forma de PImp, enquanto que no enunciado 132, a sequência temporal, bem como a ordem sintáctica, prevêem, por questões temporais, modais e de gramaticalidade, a utilização do IConj.

2.3.5. O PMPC no DI

2.3.5.1. Considerações Iniciais

Tendo em conta os critérios estabelecidos para análise do corpus, nomeadamente ao nível da produtividade quantitativa das formas verbais, o PMPC é o primeiro tempo composto sobre o qual nos iremos debruçar, sendo que, na totalidade das ocorrências, dentro dos tempos do IND, a sua utilização é pouco significativa em termos numéricos. O PMPC é formado a partir do PImp do verbo “ter” ou “haver” + Particípio (PAR) do verbo principal. Tal como o corpus demonstrará seguidamente, este é um tempo analítico que não remete para um intervalo temporal localizado directamente a partir de ME, mas que precisa necessariamente de um outro ponto de referência passado relativamente àquele23, “que

habitualmente se encontra expresso no quadro de uma frase ou texto, mas que também se pode reconstruir ou inferir” (Mateus et alli. 2003: 161). Nesse sentido, o seu emprego e interpretação são altamente dependentes das relações estabelecidas contextualmente. O PMPC levanta, no entanto, algumas questões que nos parecem fundamentais abordar, designadamente o facto de se considerar que existe uma coincidência semântica entre as formas do PMPS e PMPC, ou seja, ambos parecem configurar uma perspectiva retrospectiva devidamente delimitada temporalmente, tendo como MR um ponto passado, que no universo do discurso indirecto, é configurado pelo ME original dependente do ME que cita, sem que nos pareça importante a proximidade relativa face ao ponto de referência considerado. Efectivamente, Cunha & Cintra (1997) enquadram as formas simples e compostas sob a arqui-designação de Pretérito mais-que-perfeito e consideram ser a mesma interpretação semântico-temporal válida para ambas: “uma acção que ocorreu antes de outra acção já passada”. Said Ali (1964) remete, também, para a sinonímia semântico- tempral entre as duas formas: “Embora tinha cantado seja o imperfeito quanto à forma, a sua significação de ato perfeitamente realizado é idêntica à do PMPS, tinha cantado torna- se equivalente de cantara” (Said Ali 1964: 73). Maria Graça Carpinteiro no artigo “Aspectos do mais-que-perfeito do indicativo em português moderno” (1961), em que considera como universo de análise a obra literária Os Maias, aponta para o facto de a forma composta poder, em comparação com a forma simples, transmitir uma noção de continuação temporal mais acentuada “…” que, no entanto, como veremos, não nos parece ser significativa ou mesmo demonstrada pelos exemplos do corpus que analisámos. Assim, e tal como Loureiro (1997) faz notar diremos que o paralelismo da produtividade semântica das duas formas advém do valor semântico-temporal que ambas configuram: “O emprego temporal ramificado da forma, dando conta de um passado anterior a outro passado, é, sem dúvida, aquele que se reveste de maior importância, pela sua frequência e pelo espaço que permite preencher na simetria do quadro” (Loureiro 1997: 113). Curioso é o facto de Mateus et alii. (2003) não abordarem, na Gramática da Língua Portuguesa a forma simples, remetendo, unicamente, para a forma composta, o que pode ser um dado a favor da noção de que a forma composta, tem vindo gradualmente a substituir a forma simples. Acresce que o nosso corpus aponta, igualmente, para uma discrepância de produtividade entre ambas, que deverá ser naturalmente relativizada, até pelo número reduzido de ocorrências que nos serve de universo. Por outro lado, Loureiro (1997) refere,

igualmente, esta questão, denotando que a forma simples, em comparação com a composta só não tem vindo a ser substituída em contextos com valor condicional ou em lugar do IConj. Em termos aspectuais, Mateus et alii. (2003) e Cunha & Cintra (1997) apontam para o valor de perfectividade da forma, pelo facto de designar uma acção concluída no passado, sendo que na Gramática da Língua Portuguesa, a noção de perfectividade aponta para a existência de um estado resultante ou consequente ( Mateus et alli. 2003: 162). O PMPC regista 2 ocorrências na oração subordinante e 7 na oração subordinada.