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O “lugar” dos saberes experienciais nos encontros de formação

4. RESULTADOS E ANÁLISES

4.2 O QUE SE VÊ E OUVE – ANÁLISE DOS CASOS OBSERVADOS

4.2.2 Um grupo de formação de professores alfabetizadores no Pacto Nacional

4.2.2.2 O “lugar” dos saberes experienciais nos encontros de formação

Os encontros de formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa se constituem num potencial espaço de explicitação dos saberes experienciais das professoras alfabetizadoras. Nessas reuniões os saberes da experiência docente são trazidos para a discussão e confrontados com os saberes e com a ação de outros professores. Isso pode ser visto como uma oportunidade de adequação dos saberes aprendidos durante a formação inicial e no percurso da profissão.

Podem-se destacar quatro momentos em que esses saberes da experiência são resgatados no programa. O primeiro momento se constitui nas “tarefas para casa ou escola”, contidas nos cadernos de formação, que durante as formações foi dado o nome de “diário de bordo”. O segundo momento aparece nas intervenções das professoras alfabetizadoras durante a apresentação e estudo dos temas contidos nos cadernos de formação, momento em que se pode observar que as professoras alfabetizadoras podem falar sobre o tema em estudo e relatar suas experiências. O terceiro momento em que podem expor seus saberes experienciais é nos “trabalhos em grupo”. Partindo da leitura da seção compartilhando, os professores alfabetizadores têm a possibilidade de explanar para o grupo de formação sua experiência de sala de aula. O quarto momento, apresentado pelo MEC em novembro de 2014, se constitui num relato de experiência que cada professora alfabetizadora fez no site do SIMEC (Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do Ministério da Educação).

O primeiro momento: no início dos encontros, a orientadora de estudos dispunha de um tempo para socialização das “tarefas para casa ou escola” ou “diário de bordo”. O que se pode verificar nas gravações e observação realizada nos encontros de formação, esse é um dos momentos em que as professoras em formação tinham para contar como desenvolveram uma prática, as dificuldades encontradas, a superação dessas dificuldades e, nesse processo, poderiam servir de inspiração para a prática de outras alfabetizadoras.

No entanto, se observa que, esses saberes e experiências serviam para elucidar um tema em estudo, ficando restrito ao grupo de formação. Essas experiências não foram utilizadas pelo programa de formação para servir de material de estudo e reflexão de outros professores ou compiladas para posterior publicação como resultado do trabalho dos professores em formação.

O segundo momento, caracterizado pelo estudo dos textos contidos nos cadernos de formação e a apresentação do resumo em forma de slides, as alfabetizadoras podiam interromper a qualquer momento para dar sua opinião ou contar sua experiência sobre o assunto. Pode-se perceber isso nas gravações das formações. No estudo sobre Grandezas e Medidas, uma professora alfabetizadora expõe outra forma de introduzir a necessidade de se utilizar uma medida padrão. Diferente de começar como anuncia o caderno de formação, partindo de medidas não padronizadas, com uso de materiais como lápis, borracha, palmos, passos e contrastando as medidas para assim surgir a necessidade de uma medida padrão, o metro, a professora explicita outro princípio metodológico, adotado por ela, e que também favorece a aprendizagem dos alunos. A docente explica que, ao contrário do que diz o caderno, ela primeiro mostra o que seria uma abstração para a criança – o metro, e a necessidade de utilizá-lo. Só depois parte para as atividades que justificam essa necessidade. Assim ela ilustra:

Eu primeiro mostro o metro e digo para que serve. Depois deixo as crianças medirem o que temos na sala de aula utilizando diferentes instrumentos, como lápis, borracha, pés, palmos. Aí faço elas comparar que quando se utiliza uma unidade padrão de medida, fica sempre igual, e outra forma não (ALFABETIZADORA D - transcrição da gravação em 26/09/2014, p. 44).

Com esse depoimento, a alfabetizadora inverte o que está posto no caderno de formação, destacando a possibilidade de utilizar outra forma para introduzir uma unidade de medida, o metro, confrontando o posto no documento e demonstrando firmeza na atividade que realiza.

Nessas ocasiões, um depoimento seguia-se de outro. As alfabetizadoras iam lembrando brincadeiras e maneiras que poderiam ser utilizadas ou que já haviam utilizado com suas turmas de alfabetização, além das contidas no caderno de formação, como no depoimento a seguir:

Uma experiência que realizo com as crianças é a aplicação de receita em sala de aula. Já fiz de bolo, de sopa de legumes, de pipoca para trabalhar os cinco sentidos. Porém uma que faço anualmente é a recita de massa de modelar caseira. Procuro fazer dentro de um projeto de resgate de brinquedos e brincadeiras que as crianças gostam e aproveito para trabalhar as medidas, os ingredientes utilizados e suas origens. Também utilizo o texto para leitura e o glossário de palavras (ALFABETIZADORA C - transcrição da gravação em 27/09/2014, p. 47).

Durante as leituras dos resumos contidos nos slides ou das leituras na íntegra dos textos diretamente no caderno, as professoras alfabetizadoras, sempre que consideravam necessário, faziam referência a sua prática pedagógica ou se reportavam a algum texto conhecido para ilustrar o conteúdo.

Nos trabalhos em grupo, o que se denomina de terceiro momento de interação, as professoras alfabetizadoras, a partir da leitura de experiências contidas nos cadernos de formação, tinham possibilidade de criar novas estratégias de trabalho para as classes de alfabetização ou contar para o grupo experiências já realizadas em sala de aula. Nesses momentos, vinham à tona os saberes construídos ao longo da profissão, os modos de trabalhar em sala de aula, as concepções sobre alfabetização e letramento que sustenta no seu fazer pedagógico.

No grupo de trabalho se escolhia uma relatora, a qual ficava responsável de socializar o que era estudado e discutido para as demais. Esse momento dava oportunidade às demais alfabetizadoras de também explanarem suas experiências. A orientadora de estudos escutava a explanação das alfabetizadoras. Geralmente, o resultado desse trabalho, era um texto ou painel, exposto na sala de formação (Figura 3).

Figura 3 - Exposição de trabalhos das professoras alfabetizadoras na sala de formação

Fonte: A autora

O quarto momento se constitui num relato de experiência que as professoras alfabetizadoras realizaram na página do SIMEC. Esse único relato foi atividade obrigatória, e cada professora alfabetizadora preencheu itens relativos à experiência realizada em sua classe de alfabetização. Esses itens correspondem a:

1- Área Temática; 2- Turma;

3- Período em que a experiência foi realizada; 4- Objetivo principal da experiência;

5- Técnicas utilizadas;

6- Tempo de duração da experiência; 7- Organização;

8- Materiais utilizados;

9- Local em que a atividade foi realizada; 10- Dificuldades na realização da tarefa;

11- Avaliação do grau de envolvimento das crianças; 12- Título da experiência;

13- Resumo da experiência;

14- Objetivos principais foram alcançados?

A figura 4 mostra a interface pela qual as alfabetizadoras preencheram os dados da experiência realizada.

Ao ler as experiências das professoras alfabetizadoras, na página do SIMEC, não é possível ter uma descrição minuciosa do que foi planejado e realizado pelo professor alfabetizador com a turma de alfabetização, tampouco referências dos fundamentos que sustentam a atividade descrita. Esses registros de experiências não são de domínio público, somente o professor alfabetizador e seu orientador de estudos podem acessar a aba preenchida pelo professor. O orientador de estudos teve acesso ao relato de experiência do professor alfabetizador para realizar a avaliação do mesmo. A partir da avaliação, a experiência foi classificada como “experiência destaque”, “experiência satisfatória” ou “experiência insatisfatória”. No entanto, até o final da pesquisa, nenhum mecanismo de compartilhamento dessas experiências entre os professores alfabetizadores foi realizado pelo Ministério da Educação.

Figura 4 - Relato de experiência dos professores alfabetizadores