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2.3 SABERES DOCENTES E ALFABETIZAÇÃO

2.3.2 Proposições atuais

A partir da década de 80, o conceito de alfabetização foi ampliado. Por meio das pesquisas realizadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky a alfabetização passou a ser vista pelos professores como um processo ativo, diferente do que se pensava até então com a utilização de métodos para alfabetizar, no qual as crianças aprendiam a codificar e decodificar símbolos linguísticos. Para Emília Ferreiro, a própria “invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de codificação” (FERREIRO, 2001, p. 12).

Segundo as pesquisas das autoras, as crianças em processo de alfabetização apresentam concepções acerca do que é escrever e passam por estágios, também chamados de níveis, que precisam ser compreendidos pelos professores para auxiliá-las na exploração da escrita. Nas palavras de Emília Ferreiro:

Os indicadores mais claros das explorações que as crianças realizam para compreender a natureza da escrita são suas produções espontâneas, entendendo como tal as que não são o resultado de uma cópia (imediata ou posterior). Quando uma criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras, está nos oferecendo um valiosíssimo documento que necessita ser interpretado para poder ser avaliado (FERREIRO, 2001, p. 12-13).

Ferreiro (2001, p. 16-28) nos remete às concepções das crianças a respeito do sistema de escrita, descritos em três níveis:

Nível pré-silábico. A criança que se encontra nesse nível, supõe que a escrita é outra

forma de desenhar as coisas. A criança pode ou não conhecer as letras, porém utiliza as que conhece para fazer seus registros. Geralmente relaciona o tamanho do objeto ao número de letras que vai precisar para escrever o nome desse objeto, assim, para escrever o nome de um objeto pequeno, necessita de poucas letras e para escrever o nome de um objeto grande, necessita de muitas letras. A esse critério dá-se o nome de Realismo Nominal. Outros critérios, chamados por Ferreiro de Intrafigurais

[...] se expressam, sobre o eixo quantitativo, como a quantidade mínima de letras, geralmente três, que uma escrita deveria ter para que se ‘diga algo’ e, sobre o eixo qualitativo, como a variação interna necessária para que uma série de grafias possa ser interpretada (se o escrito tem ‘o tempo todo a mesma letra’, não se pode ler, ou seja, não é interpretável) (FERREIRO, 2001, p. 20).

Portanto, nessa perspectiva, faz-se necessário nas classes de alfabetização, aproximar a criança com o maior número possível de portadores de textos e de letras. Quanto mais letras ela conhecer maior será o número que utilizará em suas escritas. Trata-se de levar a criança a observar que a escrita representa a fala e de que tudo que se fala é passível de registro. Isso vai auxiliá-la a formular outra hipótese, a hipótese silábica.

Nível Silábico. Estágio no qual a criança passa a entender que a escrita se relaciona

com a fala e que, assim como essa a escrita das palavras também precisa ser de forma diferente, ou seja, para ler diferentes palavras, elas precisam ser escritas de outra forma.

Nesse nível, a autora defende que a escrita passa a apresentar certa estabilidade. A criança começa a perceber que uma palavra é sempre escrita do mesmo jeito e que para cada sílaba da palavra necessita de uma letra para representá-lo. Esse é o grande eixo evolutivo do processo de aprendizagem da escrita. “A criança começa a descobrir que as partes da escrita (suas letras) podem corresponder a outras tantas partes da palavra escrita (suas sílabas)” (FERREIRO, 2001, p. 24).

Outra característica desse processo se relaciona com a quantidade de letras necessárias para se escrever uma palavra. A criança percebe que “a quantidade de letras com que se vai escrever uma palavra pode ter correspondência com a quantidade de partes que se reconhece na emissão oral” (FERREIRO, 2001, p. 25). Assim, a criança acredita que para cada vez que se abre a boca para pronunciar uma palavra é necessário colocar uma letra. Essa crença “permite regular as variações de quantidade de letras que devem ser escritas e centra a atenção da criança nas variações sonoras entre as palavras” (FERREIRO, 2001, p. 25).

Nível Alfabético. A criança já conhece o valor sonoro, se não de todas, de quase todas

as letras e entende que a letra corresponde a um valor sonoro menor que a sílaba. Também há a descoberta da existência de uma regularidade entre o som e a grafia das letras. Diferente da escrita silábica, agora já se pode ler suas escritas (CAMPOS, 2006).

Ferreiro adverte que é o período em que as crianças ainda podem apresentar algumas dificuldades na escrita. “A partir desse momento a criança se defronta com as dificuldades próprias da ortografia, mas não terá problemas de escrita, no sentido estrito” (FERREIRO, 1991, p. 213). Defende também a importância de fazer essa ressalva, já que, muitas vezes, se

“confundem as dificuldades ortográficas com as dificuldades de compreensão do sistema de escrita” (1991, p. 213).

Posteriormente às pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Telerosky, a alfabetização na perspectiva do letramento, é difundida no meio educacional. A proposição se destaca pela inserção social da leitura e escrita.

Magda Soares (2011) explica que o termo letramento nasceu da tradução da palavra da língua inglesa literacy, cujo significado, inicialmente, é o mesmo que alfabetismo. Porém, nos últimos anos vêm-se progressivamente despontando no meio acadêmico a preferência pelo termo letramento em relação à palavra alfabetismo, estabelecendo-se diferenças entre ambos os processos.

É importante destacar que foi só em 2001 que a palavra letramento foi dicionarizada. O dicionário Aurélio, da Língua Portuguesa, traz o verbete sobre letramento apontando Magda Soares como sua instituidora:

Le.tra.men.to sm. 1. Ato ou efeito de letrar (-se). 2. Bras. Educ. E. Ling. Estado ou condição de indivíduo ou grupo capaz de utilizar-se da leitura e da escrita, ou de exercê-las, como instrumentos de sua realização e de seu desenvolvimento social e cultural: ‘Letramento é palavra recém-chegada ao vocabulário da Educação e das Ciências Linguísticas’ (Magda Soares, Presença Pedagógica, de jul./ agosto de 1996) (FERREIRA, 2001, p. 455).

Para Soares (2011), letramento é entendido como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita. É a aquisição do princípio alfabético e do ortográfico que possibilita a pessoa ler e escrever em situações de vida em que necessita fazer uso dessas ferramentas com autonomia. É o processo de inclusão e participação na cultura escrita e leitora. Esse processo de inserção inicia quando a criança começa a reconhecer e a fazer leituras, mesmo não dominando o código alfabético dos escritos, como placas de sinalização, rótulos de alimentos, embalagens, revistas, propagandas de televisão etc., e se prolonga por toda a vida.

Os estudos de Magda Soares sobre letramento trazem contribuições muito importantes para a alfabetização. Nessa nova perspectiva de alfabetização na concepção de letramento é imprescindível que se faça a relação da escrita com o mundo e com o contexto em que se vive. Para que isso aconteça é necessário um ambiente alfabetizador que desafie a criança a pensar sobre a língua escrita. Um ambiente capaz de fazer a mediação entre a criança que aprende e o mundo social.