• Nenhum resultado encontrado

3. A LEI DE BIOSSEGURANÇA

3.2. O melhoramento convencional e a produção comercial de sementes

A compreensão da lei de biossegurança aplicada ao complexo agro-industrial pressupõe também o conhecimento - ainda que rudimentar - sobre alguns temas que têm interface direta com a questão, como o melhoramento convencional de plantas, e a produção comercial de sementes.

A domesticação e a seleção de espécies vegetais e animais vêm sendo desenvolvidas desde que a humanidade inicia sua vida em sociedade. Essas atividades fazem parte da luta eterna do Homem pela dominação da Natureza. Mas os atores sociais são livres para dominarem outras espécies? Essa questão ética foi magistralmente tratada por Coetzee, (1999) no romance “Elizabeth Costello” que contribuiu para concederem-lhe o Prêmio Nobel de Literatura em 2003, pelo conjunto da obra. Entretanto, embora reconhecendo essa questão como de alta relevância em face do questionamento que alguns grupos sociais e religiosos opõem quando o Homem inicia o caminho para estender seu domínio sobre outras espécies, esclarecemos desde logo que não iremos enveredar por esse caminho filosófico e doutrinário. Na verdade, vamos nos ater nesta dissertação à conotação mais prosaica da expressão melhoramento convencional aqui entendido não como o processo histórico, mas como a técnica utilizada por especialistas lotados em universidades, institutos públicos de pesquisa, empresas e cooperativas, para a obtenção de variedades de plantas destinadas ao cultivo comercial.

Os programas convencionais de melhoramento genético em geral são executados por meio de retro-cruzamento ou seleção massal (no caso de forrageiras) de indivíduos de espécies vegetais mantidos em bancos de germoplasma bruto, e têm por alvo a obtenção de novas variedades - denominadas cultivares na legislação brasileira - destinadas ao plantio agrícola, com vantagens comparativas em relação àquelas já disponíveis aos agricultores. Como resultado, esses programas oferecem ao mercado de sementes e mudas, novas cultivares adaptadas às diferentes regiões do país, e constituem a base da indústria de sementes e mudas.

A indústria brasileira de sementes - que congrega mais de seiscentas empresas segundo os dados da Associação Brasileira de Produtores de Sementes - ABRASEM constantes no site <www.abrasem.org.br> acessado em 23.08.2007 - conta com os avanços tecnológicos de programas de melhoramento vegetal, em geral conduzidos por universidades e entidades públicas de pesquisa estaduais e federais, cooperativas e empresas privadas.

Além da adaptabilidade às condições de solo, clima e altitude tão diferentes em um país com dimensões continentais, esses programas buscam obter cultivares com características

especiais como maior produtividade, arquitetura de planta mais conveniente à colheita mecânica, coloração compatível com a demanda, melhor sabor, facilidade de cocção, resistência a pragas, tolerância a doenças, etc.

O lançamento comercial de uma nova cultivar pressupõe seu registro obrigatório no Registro Nacional de Cultivares – RNC, do Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (MAPA), para o que é exigido um relatório descrevendo o seu respectivo valor de cultivo e uso (VCU), isto é, a revelação de suas principais características e dados agronômicos que a diferenciam das demais. Uma vez registrada no RNC, é efetuada a divulgação da cultivar para demonstrar ao setor especializado quais são suas características. E, e a partir daí, sua denominação é amplamente difundida na região do país indicada para plantio e pode ser adotada pelos agricultores para a sua produção, desde que as sementes comerciais dessa nova cultivar tenham sido disponibilizadas no mercado especializado.

O processo de obtenção de sementes, por sua vez, tem diferentes etapas. A primeira delas consiste na seleção, pelos pesquisadores, de pequena quantidade de semente genética resultante da conclusão da pesquisa integrante do respectivo programa de melhoramento. A semente genética, em geral, é armazenada em câmara fria com temperatura abaixo de zero grau centígrado e teor de umidade controlado. São condições imprescindíveis à perpetuação das características intrínsecas e manutenção da integridade da semente genética, considerando que a mesma representa o valor agregado de pesquisa de cerca de 10 anos, em média, necessários a obter-se uma cultivar de espécie anual e de 20 a 30 anos, em relação às perenes.

Quando se trata de espécies anuais como trigo, arroz, e soja, parte da pequena quantidade de semente genética obtida pelos pesquisadores é utilizada para dar início à cadeia de produção de sementes comerciais da cultivar obtida. Para tanto, adota-se o seguinte procedimento: a entidade pública, cooperativa, ou empresa responsável pela obtenção da nova cultivar, após a colheita da primeira produção de semente genética oriunda dos campos experimentais após os últimos testes, solicita junto ao MAPA a inscrição de campos para a produção de semente básica. Nos campos inscritos é efetuado o plantio de parte da semente genética obtida. Portanto, a semente básica nada mais é do que o resultado da multiplicação da semente genética nos campos inscritos.

A semente genética e a básica (de determinada variedade) constituem o elo entre a pesquisa e o mercado, isto é, entre a conclusão do resultado da pesquisa objetivando a obtenção da própria cultivar e o início da cadeia de produção de suas sementes comerciais, de diferentes categorias, pelas indústrias de sementes visando atender à demanda dos agricultores.

O plantio da semente genética para obtenção da básica é efetuado sob condições controladas, e os campos inscritos ficam sujeitos à fiscalização. O resultado dessa colheita, em quantidade muito maior, é selecionado, tratado, embalado, armazenado e, posteriormente vendido como semente básica às indústrias de produção de semente daquela determinada espécie vegetal. A indústria adquirente da semente básica por força da Lei de Sementes é obrigada, por sua vez, a inscrever, junto ao MAPA, para controle e inspeção, seus respectivos campos de multiplicação de sementes comerciais. Nesses campos, a indústria planta a semente básica adquirida e colhe uma quantidade muito maior de semente comercial de diferentes categorias - registrada, fiscalizada I, fiscalizada II, certificada ou não certificada – tudo em conformidade com os diferentes padrões de qualidade e pureza estipulados na legislação de sementes e mudas em vigor no país.

A produção de sementes básicas e de sementes comerciais envolve não só o plantio de material propagativo de cultivar registrada no RNC em campos previamente inscritos junto ao MAPA, mas também cuidados especiais para assegurar a inexistência de pragas, fitopatologias e mistura varietal, isto é, mistura acidental no campo de produção com sementes de outras variedades da mesma espécie. Caso seja verificada a existência de uma dessas ocorrências, o campo é condenado pela fiscalização do MAPA, e descartado o produto de seu plantio. O beneficiamento pós-colheita é efetuado nas unidades de beneficiamento de sementes (UBS), sistema mecânico de separação de impurezas e de classificação de sementes. O tratamento da semente com produtos apropriados visa garantir sua durabilidade até a data de plantio, na safra seguinte. O acondicionamento do produto é efetuado com embalagem condizente com a espécie, e na sacaria deve constar, obrigatoriamente, a denominação da cultivar registrada no RNC, além do nome da indústria responsável pela produção da semente, e a categoria comercial da semente embalada, além de outros dados. O armazenamento de sementes obedece a padrões específicos de ventilação, temperatura e umidade, por espécie, para garantir a qualidade do produto e o seu poder de germinação.

A responsabilidade civil pelo potencial genético, isto é, pelas características intrínsecas da cultivar como produtividade e demais aptidões físicas, é da entidade pública, cooperativa ou empresa responsável pelo programa de melhoramento genético do qual decorreu a cultivar. Mas a responsabilidade civil pela qualidade da semente que inclui sua pureza varietal e o índice de germinação, é da indústria de semente que a produziu, embalou e armazenou.

Os agricultores adquirem sacos de semente em quantidade compatível com a área a ser plantada em suas lavouras, e colhem o produto do plantio que será por eles vendido para o

consumo in natura, diretamente ou por meio de agentes, nas feiras-livres, mercados, redes de supermercados e plataformas de distribuição quando se trata de horti-fruti-grangeiros (HFG); ou para a indústria de primeira transformação alimentar ou de processamento têxtil, de fibras, de bioenergia, etc. conforme a destinação que, usualmente, seja dada para a espécie vegetal em questão.

A indústria de semente tem papel de destaque no desenvolvimento do país, tanto em razão do tamanho do mercado interno, como também em razão do mercado exportador. O Brasil tem disputado a liderança mundial na produção de soja e café. Tem grande destaque no mercado internacional como exportador de outros produtos agrícolas, como carne bovina e frango, em cuja respectiva cadeia produtiva encontra-se o consumo de espécies forrageiras, além de milho e soja, sob a forma de ração animal.