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6. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

6.9 O novo ritual de uso de tecnologias patenteadas por terceiros

O uso de tecnologia patenteada em nome de terceiro sem sua licença para viabilizar o alcance de outro resultado inovador, é prática que nem sempre leva aos melhores resultados no cenário da proteção intelectual. Apesar de os grandes avanços tecnológicos resultarem na maioria das vezes da soma de pequenas etapas conquistadas pela ciência, quando essas etapas encontram-se patenteadas é recomendável uma negociação prévia para obter licença de seu uso na fase experimental em outro projeto, bem como seu posterior uso comercial caso o novo resultado almejado tenha condições de atingir o mercado.

A transmissão gratuita e informal de vetores, promotores, construções gênicas e tantos outros materiais por cientista de uma instituição a colega vinculado à outra, merece reflexão. Esses valiosos insumos acabam sendo incorporados em novo projeto de pesquisa cuja execução requer, na maioria das vezes, vultosa soma de recursos humanos, materiais, infra-estrutura e longo prazo de duração. Ao término do projeto depara-se com o fato de que o material utilizado como meio, fonte ou componente para a obtenção de novos resultados se encontra patenteado – ou protegido de outra forma – em nome de terceira instituição que, diante da evidência dos novos resultados obtidos, acaba por obstar sua utilização ou efetuar exigências abusivas para licenciá-lo.

É recomendável que essa prática seja substituída pela construção de uma plataforma de patentes que indique a rota de tecnologias em domínio público que podem ser utilizadas para o desenvolvimento do novo projeto. Caso contrário é indispensável mapear produtos, processos e quaisquer outras tecnologias protegidas, de utilização imprescindível à execução do novo projeto de pesquisa, cujas licenças devem ser negociadas a priori, sob pena de acarretar enormes dificuldades a serem dirimidas no futuro, quando se pretender proteger e colocar no mercado a tecnologia inovadora dele resultante.

Após a implantação da política, a Secretaria de Propriedade Intelectual (SPRI) enfrentou o desafio de levantar, junto aos centros de pesquisa da Embrapa, as tecnologias em uso por suas equipes, em diferentes projetos, embora patenteadas em nome de terceiros. Essa atividade se arrastou por mais de 12 meses e resultou numa lista de tecnologias patenteadas, geralmente na área da biotecnologia, cuja negociação foi planejada num calendário construído a partir da disponibilidade de grandes empresas multinacionais detentoras dessas patentes, na maioria das vezes. Muitas dessas negociações foram iniciadas, mas poucas chegaram a ser concluídas.

6.10 Os desafios

A dinâmica de refletir constantemente sobre os resultados alcançados e também sobre os obstáculos e defeitos identificados ao longo da implantação da política de propriedade intelectual permitiu corrigir, por meio da reformulação de normas e procedimentos, práticas que se mostraram inadequadas para atingir os fins almejados. Esse processo de revisão constante foi salutar para testar idéias, afastar preconceitos, e impedir a acomodação da equipe da SPRI.

No final de 2001 outros temas haviam sido identificados como prioritários para serem incorporados ao modelo. Talvez o mais importante tenha sido a implantação obrigatória da prática de busca de anterioridade dos resultados almejados, nas bases de dados de patentes, na fase de concepção dos projetos de pesquisa.

Outro tema que mereceu estudos foi a implantação de mecanismo de gestão de parcerias, contratos, aportes privados, licenciamentos de cultivares, projeção de arrecadação de royalties e sua efetiva realização. Constataram-se grandes diferenças entre os royalties planejados e os efetivamente arrecadados e, rapidamente, foram identificadas várias causas para essa discrepância: quebra na produção de sementes licenciadas por reprovação dos campos inscritos pelas empresas licenciadas junto ao MAPA em razão de mistura varietal, pragas ou doenças; rebaixamento da categoria comercial de sementes por problemas técnicos; venda de sementes como grãos por decisão unilateral dos licenciados, etc.

A frustração inicial indicou a necessidade de implantar um modelo de gestão que inibisse a inadimplência dos licenciados visando garantir a efetiva arrecadação projetada e, principalmente, preparasse a Embrapa para a gestão do licenciamento de suas cultivares transgênicas que se avizinhava. Além disso, cogitou-se mudar a base de cálculo de

royalties anteriormente fixada sobre o total de semente vendida aos agricultores para a quantidade total de semente produzida pelos licenciados, forma considerada menos complexa para apurar os royalties devidos à Embrapa. Ficou claro naquele momento a importância do monitoramento para a gestão da propriedade intelectual.

Outro grande desafio a ser resolvido em futuro próximo seria a identificação de metodologia eficaz destinada ao estudo de mercados reais e potenciais para definir países onde a Embrapa deveria solicitar a proteção de suas tecnologias inovadoras. No caso de patentes, por exemplo, o elevado custo administrativo para sua obtenção e manutenção ao longo de 20 anos implica na necessidade de avaliar a relação entre o custo e o benefício, após identificar clientes interessados em sua exploração econômica mediante licenças remuneradas.

Finalmente, discutia-se sobre os problemas jurídicos a serem enfrentados por instituição pública de pesquisa – como é o caso da Embrapa, ao pretender adotar estratégia agressiva de transferência de tecnologias protegidas no exterior. Alguns passos tímidos foram dados no sentido de assegurar a implantação de um sistema de transferência de tecnologias a alguns países vizinhos, mas restava longo caminho a percorrer.

No entanto, as incertezas causavam muitas inquietações: como garantir recursos financeiros para o pagamento das patentes no exterior, considerando que seu custo unitário oscila entre vinte e vinte cinco mil dólares por país escolhido? Como constituir parcerias privadas para testar cultivares da Embrapa no exterior? Como controlar no exterior o material genético avançado com grande valor agregado de pesquisa? Como licenciar tecnologias no exterior e implantar sistema de controle e acompanhamento? Como combater contrafações cometidas no exterior às marcas e patentes da Embrapa? Essas e muitas outras questões começaram a despontar diante da tendência de expansão que os resultados alcançados já indicavam.

6.11 Conclusão

No entender de Saes (2005, p.168) uma mudança no ambiente institucional como a aprovação da Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº 9.456, de 1997) provoca reações nas organizações e nos indivíuos. As empresas do setor passam a investir mais em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), posto que há o reconhecimento legal da propriedade sobre os novos cultivares.

De fato o modelo concebido pela Embrapa para gerir sua política de propriedade intelectual foi uma reação ao início da vigência da Lei de Proteção de Cultivares. O

sistema não foi copiado de qualquer outro já conhecido, certamente devido à inexistência, à época, de modelo praticado no país por entidade pública de pesquisa no qual se pudesse inspirar. O sistema era novo, adaptado às peculiaridades da própria Embrapa, e abrangia extenso portfólio de tecnologias oriundas de grande parte dos projetos de pesquisa integrantes de sua programação. Desde o início, houve entendimento no sentido de que as fraquezas e os excessos seriam corrigidos ou eliminados da política ao longo do tempo, induzindo seus gestores a promoverem os ajustes necessários porque o exercício de sua implantação se encarregaria de evidenciá-los. Além disso, incitou a articulação pela Embrapa com grupos da iniciativa privada da qual resultou expressiva quantidade de contratos. E a importância dos contratos no desenvolvimento da economia é inquestionável como destacou na Aula magna do XLIII Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural – SOBER, Ribeirão Preto, (2005), o Professor Décio Zylbersztajn quando discorreu sobre “O Papel dos Contratos na Coordenação Agro- Industrial: um olhar além os mercado”.

O modelo causou muita polêmica e resistência quando foi implantado, mas seus resultados superaram as expectativas. A rápida obtenção de resultados concretos provocou muita curiosidade externa, chegando a ser alvo de estudo de caso na reunião anual da Rede de Propriedade Intelectual, Cooperação, Negociação e Comercialização de Tecnologia (REPICT) de 2001 e na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Além disso, recebeu o reconhecimento do Banco Mundial que o indicou como exemplo a ser seguido pelos países em desenvolvimento que na época encontravam-se na fase de adaptar sua legislação nacional aos patamares de TRIPS, como o Brasil.

Essa opinião favorável, contudo, não foi unânime. Os dirigentes da Embrapa em janeiro de 2003, tomaram a decisão de extinguir a Secretaria de Propriedade Intelectual (SPRI). Diminuíram seu status e a transformaram em mera coordenação de uma das unidades descentralizadas da Embrapa. Romperam a vinculação direta da equipe com o presidente da estatal e interceptaram sua interlocução interna com quem detivesse qualquer grau de poder para tomar decisões. A equipe perdeu alguns de seus membros diante da evidência de que propriedade intelectual deixara de ser um tema considerado estratégico pelos novos dirigentes da Embrapa. A falta de motivação acarretou a paralisação na busca constante de ajustes necessários ao aprimoramento do sistema.

A Secretaria de Propriedade Intelectual (SPRI) da Embrapa, apesar de extinta, serviu de inspiração à implantação de núcleos de inovação tecnológica (NITs) em

universidades e institutos públicos de pesquisa, modelo consagrado na Lei de Inovação. O anteprojeto dessa lei foi concebido no âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) em meados de 2000. O projeto de lei foi encaminhado à Câmara dos Deputados, mas teve sua tramitação interrompida em 2003, a pedido do chefe do Poder Executivo, que o substituiu por novo projeto de lei. Este, por sua vez, acabou muito semelhante ao primeiro em vista dos aperfeiçoamentos introduzidos pelo seu relator na Câmara dos Deputados, o Deputado Carlos Zaratini. Votado nas duas Casas do Congresso Nacional o referido Projeto de Lei n° 3.476, de 2004, foi sancionado pelo Presidente da República, publicado e se transformou na Lei n° 10.973, de 3 de dezembro de 2004 – conhecida como Lei da Inovação Tecnológica. Essa lei, entre outras providências, determina a criação de núcleos de inovação tecnológica nas universidades e institutos públicos de pesquisa com o objetivo precípuo de proteger as tecnologias inovadoras por meio de direitos de propriedade intelectual, visando transferi-las ao setor privado mediante licenças. E cria estímulos e incentivos para a constituição de cooperação técnica e financeira entre a pesquisa pública e as empresas privadas.

A inovação tecnológica (BESANKO et al, 2006, p.88) dá às empresas um controle sobre a produção. Além disso, permite que as empresas menores possam competir em termos iguais ou melhores com empresas maiores, que antes eram as principais beneficiárias das melhorias na produção.

A titularidade de direitos de propriedade intelectual e seu licenciamento ao setor produtivo, ainda que não tenham assegurado recursos financeiros necessários a custear a totalidade dos programas de pesquisa da Embrapa ajudaram a quebrar o corporativismo da estatal, em muitos setores. Elevaram o padrão de qualidade de seus produtos tecnológicos, além de obrigá-la a trilhar o tortuoso aprendizado da negociação caso a caso. E pressionaram pela busca de solução para assegurar tratamento institucional às diferentes categorias de parceiros reais e potenciais.

Pelas razões expostas conclui-se que a propriedade intelectual constitui um mecanismo de incentivos à formalização de parceria público-privada por meio de contratos, com o objetivo de captar recursos privados destinados a apoiar a execução da pesquisa pública.

O modelo acima descrito indica que a constituição dessa cooperação produz resultados concretos pelo uso racional de recursos aportados pela pesquisa pública e pelos empresários. O modelo foi praticado no âmbito do melhoramento vegetal convencional e na sua transição visando as primeiras cultivares de soja e algodão transgênicos. Os resultados foram expressivos e indicam que o mesmo modelo pode ser replicado, com alguns ajustes, na conjugação de esforços para a execução e financiamento dos grandes projetos na área da biotecnologia com alvo na obtenção de construções gênicas a partir da nossa biodiversidade.

A meta deveria ser reduzir a dependência tecnológica do país e os insumos encontram-se presentes, à vista de todos. Essa é a razão pela qual sustentamos que a inexistência ou existência ainda incipiente de cooperação entre a pesquisa pública e a iniciativa privada na área da biotecnologia, pode ser uma das hipóteses responsáveis por tantos óbices no país à obtenção e liberação de OGMs voltados ao complexo agro-industrial. Então, cabe indagar porque as universidades e a própria Embrapa não replicam o modelo já testado também na concepção e execução de projetos na área da biotecnologia? Talvez a sociedade do risco e do conhecimento com a iniciativa privada supere os obstáculos atualmente existentes.