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6. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

6.3 O novo marco regulador e a constituição de parceiros

A partir de 1996, a “Política Institucional de Gestão da Propriedade Intelectual da Embrapa” se converteu no marco normativo que passou a sinalizar o relacionamento estratégico da empresa com pesquisadores de seu corpo técnico e parceiros externos nos assuntos ligados à proteção e apropriação de tecnologias inovadoras e sua transferência ao setor produtivo por meio de licença, além de outros temas conexos.

Ficou evidente, desde então, que seria adequado estabelecer regras diferentes aplicáveis na esfera do compartilhamento de direitos de propriedade intelectual, conforme a natureza e intensidade das parcerias. Para distinguir as duas modalidades mais relevantes, convencionou-se distinguir parcerias destinadas à geração de novas

tecnologias, daquelas destinadas ao desenvolvimento de tecnologias geradas. O conceito de geração de tecnologia implica no impulso de criatividade do intelecto humano. Trata- se do primeiro insight de um pesquisador que formula uma hipótese, estuda, convence e seduz uma equipe com sua hipótese, elabora um projeto de pesquisa com o objetivo de prová-la e luta para obter recursos humanos, financeiros e infra-estrutura para viabilizá-lo. Caso vença essas barreiras e consiga executar o projeto, ainda se defrontará com o risco de fracasso que é indissociável da pesquisa científica. Por outro lado, o conceito de desenvolvimento parte do ponto em que todas as etapas descritas já foram superadas com sucesso, mas a tecnologia ainda não se encontra concluída pela falta de testes e de ajustes finais.

Como a Embrapa dispunha de parceiros que atuavam na fase de geração de tecnologias e outros que atuavam apenas na fase de desenvolvimento de tecnologias geradas porém não concluídas, houve necessidade de prever recompensas diferentes visando estimular os antigos parceiros e fomentar a constituição de novos. A lógica na diferenciação de tratamentos levou em conta que é na primeira hipótese que ocorre efetiva criatividade intelectual sempre acompanhada por alto risco. Na segunda, tanto a intensidade da parceria quanto o risco de fracasso são menores.

Foi com base nessas distinções que a empresa aprovou em 5 de maio de 2000 as Deliberações n°s 14/2000, 15/2000 e 16/2000, que regulam o relacionamento da estatal com os parceiros públicos e privados, na área do melhoramento genético vegetal.

A Deliberação n° 15/2000 estabelece as regras de cooperação técnica entre a Embrapa e seus parceiros públicos – universidades e institutos públicos de pesquisa, visando à obtenção de cultivar passível de proteção intelectual. Nessa hipótese, caso seja caracterizada a participação intelectual do parceiro público no planejamento e condução do projeto de pesquisa, a Embrapa pode compartilhar a co-titularidade do direito de propriedade intelectual da nova cultivar, desde que haja aporte de germoplasma pela Embrapa e pelo parceiro público, além de recursos humanos e financeiros. Caso o projeto de pesquisa seja concebido e elaborado apenas pela Embrapa e a cooperação técnica com o parceiro público ocorra de forma mais tênue em etapa avançada da pesquisa a partir de germoplasma segregante ou linhagens fixadas, a Embrapa não reconhece o direito de co- titularidade, mas lhe concede outras formas de compensação. A mais usual é a concessão de licença exclusiva de exploração econômica da cultivar que venha a ser obtida, mediante pagamento de royalty, com direito de sublicenciá-la. Além disso, a referida norma interna também faculta à Embrapa oferecer outras formas de compensação, a serem negociadas

caso a caso, como capacitação de recursos humanos do parceiro público ou licenciamento de produto ou processo patenteado pela Embrapa, sem ônus e sem exclusividade.

A Deliberação n° 16/2000 disciplina a exploração comercial de cultivar obtida pela Embrapa em regime de co-titularidade com parceiro público que deve ser regulada em contrato específico a ser firmado entre as partes.

A Deliberação n° 14/2000 regula a parceria da Embrapa com instituições privadas visando ao desenvolvimento da parte final do trabalho de melhoramento genético vegetal, com o objetivo de obter nova cultivar, e prevê quatro modalidades de parcerias: a) cooperação técnica a partir de germoplasma segregante; b) cooperação técnica a partir de linhagem; c) cooperação financeira, e d) permuta de testadores (destinada à obtenção de milho híbrido).

A Embrapa concede ao parceiro privado em todas as hipóteses acima indicadas, exceto na última, licença exclusiva para multiplicar e explorar comercialmente semente nas classes subseqüentes à básica, mediante o recebimento de royalties a serem negociados caso a caso. O prazo de exclusividade para a exploração da nova cultivar é de dez ou cinco anos, conforme a intensidade da parceria. Caso a cooperação técnica seja efetuada a partir de germoplasma segregante, o prazo de exclusividade é de dez anos. Caso a parceria seja efetuada visando apenas testar linhagens fixadas, o prazo de exclusividade é de cinco anos. Este último prazo mais tarde foi estendido para oito anos.

Na hipótese de a parceria ser formalizada mediante contrato de cooperação financeira, o prazo de licenciamento exclusivo da cultivar dele resultante será negociado caso a caso, de acordo com o montante do aporte financeiro alocado pelo parceiro privado em relação ao custo do projeto.

É importante ressaltar que a lei de proteção de cultivares estabelece a proteção pelo prazo de 15 anos para cultivares de espécies anuais e de 18 anos para cultivares de espécies perenes. Considerando esses prazos a Embrapa deliberou conceder exclusividade ao parceiro privado para sua exploração, durante parte do prazo legal de proteção. A intenção foi facultar a outras empresas de sementes que não tenham alocado recursos de qualquer natureza para a obtenção da cultivar, a oportunidade de vir a explorá-la, decorrido o prazo de exclusividade estabelecido no contrato, fase em que a estatal pode incluir a mesma cultivar nos processos de oferta, periodicamente abertos ao público especializado.

É necessária a conjugação de vários fatores para a obtenção de cultivares de sucesso: investimentos vultosos no treinamento de pesquisadores; dispendiosa infra-

estrutura laboratorial, além de casas de vegetação, equipamentos, insumos e áreas disponíveis para a implantação de pontos de teste. A execução desses grandes programas de melhoramento genético depende também de sólida retaguarda representada pela montagem de bancos de germoplasma in situ e ex situ, de valor inestimável tanto pelo alto custo de sua implantação e manutenção, como pela dificuldade crescente de intercâmbio de materiais mediante a cooperação bilateral, com grande número de países.

Por todas essas razões a última norma acima referida dispõe que a cultivar passível de proteção, oriunda de programa de melhoramento genético vegetal conduzido pela Embrapa, obtida isoladamente ou mediante apoio de parceiro da iniciativa privada, será sempre protegida em nome da Embrapa, o que lhe garante o exercício de sua propriedade de forma exclusiva.

Essa regra foi exaustivamente debatida no âmbito interno e acabou sendo adotada por uma questão estratégica: caso a Embrapa transigisse à pressão de seus parceiros privados e abrisse a possibilidade de co-titular a propriedade intelectual de suas novas cultivares, esses parceiros poderiam alienar ou ceder sua parte ideal a terceiros. Nessa hipótese, a Embrapa perderia a hegemonia para decidir as características de transgenia mais adequadas ou recomendáveis ao país, bem como os materiais de ponta considerados mais aptos para recepcionar as construções gênicas de interesse, na era da biotecnologia que se avizinhava. Havia também a preocupação com o risco de perder prestígio na negociação de licenças de uso de construções gênicas e demais processos biotecnológicos, que geralmente são patenteados em nome de grandes empresas. Essas negociações tornaram-se viáveis, naquela época, em decorrência da qualidade dos programas de melhoramento genético liderados pela Embrapa, notadamente de soja e outras commodities, cujas cultivares convencionais dominavam o mercado interno de sementes e eram parcialmente responsáveis pela posição do país como um dos maiores produtores e exportadores mundiais. Além disso, temia-se que as cultivares de ponta da Embrapa, caso sua titularidade fosse compartilhada com os parceiros privados, pudessem ser alienadas por eles às empresas detentoras das patentes dos produtos e processos biotecnológicos de interesse da agricultura nacional. Nessa hipótese, o poder de negociação e de barganha da Embrapa ficaria sensivelmente reduzido.

Por todas as razões acima expendidas foi implantada a regra geral que veda o compartilhamento da titularidade de novas cultivares com parceiros privados. Essa norma norteou a constituição das parcerias privadas que a Embrapa veio a formalizar em seguida,

no cenário de proteção de cultivares facultado pela legislação que já se encontrava em pleno vigor.

Desde que possua capacidade técnica, o único óbice normativo imposto ao interessado para se constituir em parceiro privado da Embrapa no desenvolvimento de seus programas de melhoramento vegetal é possuir ou conduzir programa próprio de melhoramento genético, da mesma espécie vegetal objetivada na parceria. A razão desse impedimento é evitar desvios e trocas de materiais em diferentes estágios de pesquisa, com intenção premeditada ou de forma aleatória.

Em relação às invenções e modelos de utilidade, a Embrapa não chegou a aprovar normas que disciplinem a cooperação técnica com parceiros privados para a geração ou desenvolvimento de tecnologias inovadoras passíveis de proteção por meio de patentes. Todavia, nos casos concretos que ao longo do tempo se sucederam, tentou, ainda que de forma adaptada, seguir a mesma lógica traçada em relação à obtenção de cultivares em parceria.

A Embrapa, no final de 2002, aprovou outro mecanismo de incentivo interno: uma norma específica referente ao exercício de direitos autorais e compartilhamento da remuneração auferida, com o objetivo proeminente de estimular seus técnicos e pesquisadores a publicarem cada vez mais, em todos os tipos de suporte físico, obras técnicas e científicas destinadas a seus diferentes públicos: comunidade científica e acadêmica, produtores rurais e cooperativas, donas de casa, público urbano, crianças em idade escolar, etc.