8. ANÁLISE DOS RESULTADOS
10.3 Objetivos específicos alcançados com os resultados
Os objetivos específicos deste trabalho relacionados a cada uma das três hipóteses suscitadas encontram-se abaixo transcritos e, na seqüência, foram declinados de forma resumida os resultados obtidos na pesquisa.
10.3.1 Obstáculos impostos pela lei de biossegurança identificados pela pesquisa
O primeiro objetivo específico deste trabalho foi identificar os gargalos da lei de biossegurança de OGM vigente no país e demonstrar as suas conseqüências. Nesse sentido, a análise comparada da Lei n º 8.974, de 1995 com a Lei n º 11.105 , de 2005 nos levou a identificar os seguintes problemas:
Interpretação judicial preliminar sobre a prevalência da legislação ambiental em detrimento da legislação de biossegurança, posteriormente revista.
Proibição por decisão judicial do cultivo da soja rr, por sete anos, pelos fundamentos expendidos na alínea anterior.
Acórdão do TRF da 5ª Região que apreciou a Ação Civil Pública em grau de recurso e reformou a decisão do juiz singular de primeira instância decidindo pela prevalência da legislação de biossegurança sobre a legislação ambiental.
Revogação da Lei n º 8.974, de 1995, após a publicação do acórdão do TRF da 5ª Região acima mencionado.
Aprovação do PL n º 2.401/2003 nas duas Casas do Congresso, com vetos quando submetido à sanção presidencial, transformando-se na Lei n° 11.105, de 2005 que passou a reger a biossegurança de OGMs no país. Veto ao § 8º do art. 11 da Lei n º 11.105, de 2005 que dispunha sobre o
quorum de decisão da CTNbio por maioria simples.
Edição do Decreto n º 5.591, de 22 de novembro de 2005, que regulamentou a Lei n º 11.105, de 2005 por meio do qual o Presidente da República determinou: o quorum de instalação da reunião da CTNBio com a presença de catorze de seus vinte e sete membros; maioria absoluta, isto é, metade mais um dos membros do colegiado, para as deliberações referentes às etapas de pesquisa com OGM; e maioria qualificada de dois terços dos membros da Comissão para a liberação comercial de OGM. Criação de mais uma instância de decisão para a liberação comercial de
OGMs no país: o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS integrado por nove Ministros de Estado.
Os dados levantados pela pesquisa indicam o quanto se acrescentou de dificuldade por meio da exigência de novos procedimentos burocráticos para executar projetos de pesquisa com OGM e para a sua liberação comercial no país, a partir da revogação da Lei n° 8.974, de 1995.
A legislação revogada também dispunha sobre a biossegurança de OGMs, criava a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança- CTNBio, classificava os OGMs por grau de risco, além de obrigar os interessados a apresentarem à CTNBio os resultados de experimentos referentes à análise de risco, caso a caso. Além disso estabelecia um mecanismo de interação entre a CTNBio e os órgãos governamentais de fiscalização dos três Ministérios citados e era de clareza meridiana para evitar a sobreposição de competência legal de um órgão em relação aos demais. Em outras palavras, as atribuições da CTNBio em relação à biossegurança de OGM, e as prerrogativas dos órgãos de fiscalização, em relação ao registro dos produtos transgênicos, eram diferentes e complementares. Não se confundiam e tampouco se sobrepunham.
A pressão das ONGs após a frustração pelo resultado da decisão em segunda instância da Ação Civil Pública de um lado e, em sentido contrário, a insubordinação dos sojicultores pelo uso da soja rr, ao invés de evidenciarem os meios impróprios utilizados pelas autoridades governamentais para lidar com a questão, acabou por gerar uma falsa impressão de que o problema estaria no texto da lei de biossegurança por gerar dificuldades de interpretação.
E o Poder Executivo, com base nessa justificativa, encaminhou novo projeto de lei à Câmara dos Deputados que após ser aprovado nas duas Casas do Congresso e antes de se transformar na Lei n º 11.105, de 2005, teve vetados alguns artigos quando submetido à sanção presidencial, como se demonstrou no Capítulo 3.
A imposição via decreto do quorum qualificado para algumas deliberações da CTNBio evidenciou o viés ideológico sobre a questão dos OGMs e acabou repercutindo nas decisões da própria Comissão. O veto presidencial e o Decreto já citados transformaram a CTNBio numa arena de disputa permanente entre membros que são contra o uso de OGMs e os que são a favor, desviando a Comissão de sua verdadeira vocação de fazer a avaliação de risco sobre a segurança de OGM, caso a caso.
Nesse cenário, os interessados – universidades, institutos de pesquisa e empresas, ficam à mercê dessa disputa e enfrentam dificuldades para obter licenças imprescindíveis à execução dos projetos de pesquisa com OGM, e dificuldades praticamente intransponíveis à liberação comercial de qualquer produto OGM no país, mesmo quando os dados indicam que o produto é seguro e inócuo ao meio ambiente.
E essa interpretação da análise comparada entre as duas leis (Lei nº 8.974, de 1995 [revogada] e a Lei nº 11.105, de 2005) também é perceptível pelos especialistas.
Cabe ressaltar, portanto, que a nova lei de biossegurança, além de não aumentar o patamar de segurança para a liberação dos OGMs em relação à lei revogada, não resolve qualquer das questões advindas com a crise da biotecnologia. Pelo contrário, amplia a burocracia para a liberação comercial de produtos geneticamente modificados e seus derivados. Além disso, ao submeter os esforços e recursos indispensáveis à pesquisa em biotecnologia no país a critérios políticos para a liberação comercial de OGMs, aumenta o risco do investimento em comparação aos países competidores que se atêm à análise de risco como era o foco da legislação revogada. Dessa forma, diminui a possibilidade de o país atrair capitais privados indispensáveis ao desenvolvimento da biotecnologia, notadamente na área voltada ao complexo agro-industrial.
Assim, diferente da antiga Lei n º 8.974, de 1995, já revogada, que adotara a filosofia da racionalidade para permitir o avanço tecnológico, a Lei n º 11.105, de 2005 cria mais incertezas.
10.3.3 Obstáculos associados aos direitos de PI e à existência incipiente de cooperação entre a pesquisa pública e as empresas privadas
A Propriedade Intelectual (PI) pode ser usada de forma estratégica para atrair parceiros públicos e privados. Nesse sentido, o modelo Embrapa tomado como paradigma em relação à sua Política de PI foi utilizado para indicar a viabilidade de negociação de contratos de cooperação técnica e financeira entre a pesquisa pública e as empresas privadas, no cenário de recursos públicos escassos para a pesquisa. Essa função utilitária da PI, nem sempre perceptível no âmbito das empresas, é muito importante no âmbito do setor público de pesquisa para atrair recursos e parceiros.
O estudo identificou também a importância do aprendizado da legislação e das prerrogativas asseguradas pelos direitos de propriedade intelectual não apenas por assegurar a possibilidade de proteção de tecnologias no país e no exterior, mas, principalmente, por assegurar a implantação de um sistema de incentivos por meio de um novo ritual de transferência de tecnologias que inclui a celebração de contratos de licença de tecnologias protegidas e a cobrança de royalties.
Além dos dados secundários que sinalizam a coerência de nossa hipótese por meio da aplicação possível da legislação internacional e nacional de PI no âmbito da genética (proteção de cultivares) e da biotecnologia (patentes de processos), os dados primários
apontam na mesma direção. O uso crescente no Brasil, pela pesquisa pública, de processos biotecnológicos (construções gênicas visando a obtenção de cultivares transgênicas) em geral patenteados por empresas multinacionais, cujo uso pela pesquisa pública depende de licença é do pleno conhecimento dos especialistas consultados. E, na opinião deles, a pesquisa pública nacional deve continuar a usar nos programas de melhoramento vegetal, mediante licença, construções gênicas patenteadas em nome de terceiros, pelo menos até que venha a obter as suas próprias construções.
10.3.4 Conseqüências dos obstáculos associados aos direitos de PI
Os dados obtidos junto aos especialistas confirmam a percepção preliminar sobre a importância de se adquirir domínio dos conceitos pertinentes à propriedade intelectual (PI), como também de adquirir aptidão quanto ao seu manejo estratégico, isto é, utilizá-los como fator de agregação entre a pesquisa pública e as empresas privadas com alvo no desenvolvimento da biotecnologia. Embora nenhum pesquisador ou empresário tenha deixado de reconhecer a patente como fator de retorno ao investimento de envergadura efetuado em biotecnologia, parte dos técnicos em regulação discordou, o que reflete o distanciamento desse grupo em relação à questão do custo dos investimentos em pesquisa considerando que, efetivamente, quem paga essa conta é o setor público e privado de pesquisa.
Os dados obtidos, portanto, confirmam que um dos gargalos ao desenvolvimento da pesquisa e uso de OGMs no país pode ser atribuído às dificuldades das organizações de pesquisa pública em negociarem direitos de PI. Nesse ponto, embora alguns técnicos em regulação e empresários tenham discordado, os pesquisadores ouvidos concordaram por unanimidade, o que demonstra a percepção mais realista deste último grupo quanto às dificuldades e limitações nessa área estratégica que não é visível, com tanta clareza, pelos demais grupos. Além disso, os dois primeiros grupos mencionados não compartilham o problema considerando que as negociações dos direitos de PI, em geral, são estabelecidas entre a pesquisa pública (detentora da genética) e as multinacionais (titulares das patentes das constuções gênicas).
Os objetivos específicos referentes à identificação dos obstáculos para a constituição de parcerias entre a pesquisa pública e as empresas privadas foram alcançados por meio do levantamento dos dados secundários que permitiram perceber:
A importância da Lei de Inovação Tecnológica que estimula, expressamente, ações nesse sentido.
As possibilidades destacadas na Política da Embrapa de PI tomada como modelo para este estudo.
Além disso, os dados primários levantados também apontam para a consistência da terceira hipótese suscitada, concernente à incipiência da cooperação entre as entidades de pesquisa pública e as empresas privadas como outro obstáculo ao desenvolvimento da biotecnologia no país. E os dados também indicam que as dificuldades das entidades de pesquisa pública em manejar os direitos de propriedade intelectual (PI) criam entraves à constituição de parcerias com o setor privado.