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8. ANÁLISE DOS RESULTADOS

9.4 Resultados da pesquisa ajustam-se à teoria

Nesta subseção efetuou-se uma reapresentação resumida dos principais resultados da pesquisa obtidos tanto por força do levantamento dos dados primários, quanto dos secundários, com o propósito de analisá-los à luz do marco teórico escolhido para nortear este trabalho e comentado no Capítulo 2. O objetivo final é mostrar que os resultados obtidos não entram em choque com a teoria escolhida. Pelo contrário, ajustam-se aos principais conceitos da NEI/ECT, reforçando-a como marco analítico para o estudo dos direitos e propriedade.

9.4.1 A Lei de Biossegurança

Os dados desta pesquisa referentes à legislação de biossegurança não conflitam com a teoria da conduta da racionalidade limitada (SIMON, 1983). Tanto que as medidas judiciais fundamentadas em interpretação divergente da legislação aplicável ao caso

concreto e utilizadas para impedir o cultivo da soja rr acabou por acarretar efeito inverso ao almejado pelos seus respectivos autores.

A referida proibição que vigorou durante sete anos no Brasil por força de uma liminar judicial compeliu os produtores a romperem com a barreira a fim de obterem o OGM alvo de sua procura.

A decisão judicial de primeira instância foi considerada injusta pelos sojicultores - tanto pelo produto ter sido anteriormente declarado inócuo à saúde e ao ambiente, pela CTNBio, quanto pelo fato de haver sido liberado no país vizinho (Argentina). Entretanto, ao se rebelarem contra a proibição então vigente adotaram comportamento não desejável, pelo menos na perspectiva do mercado regular de sementes, e dos técnicos do MAPA que fiscalizam o cumprimento das normas fitossanitárias. A teoria da racionalidade limitada aplicada ao exemplo descrito evidencia como, de fato, as decisões tomadas sob esse modelo não são perfeitas e nem consistentes do ponto de vista lógico.

É possível perceber, além disso, comparando-se a racionalidade individual com a racionalidade institucional, SIMON (1983) que a referida teoria é igualmente aplicável e nos ajuda a compreender as etapas que se sucederam nesse episódio.

Após o Governo ter editado as três Medidas Provisórias que regularizaram a colheita do produto geneticamente modificado – soja-grão – as ONGs, no Brasil, recrudesceram sua posição anti-transgênicos, notadamente quando, ao contrário do que esperavam, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região emitiu sua decisão em grau de recurso, reformando a decisão do juiz singular. O Tribunal, em outras palavras, decidiu pela aplicabilidade da legislação de biossegurança sobre as questões de risco de OGMs em detrimento da legislação ambiental, de forma diametralmente oposta à posição que as ONGs haviam orquestrado.

Esses dois fatos sucessivos - a desobediência civil dos sojicultores e a decisão judicial de segunda instância - aumentaram a pressão que as ONGs passaram a fazer, agora na direção do Poder Executivo, para compeli-lo a mudar a lei de biossegurança então vigente. E o Governo cedeu “sem fazer cálculos razoáveis destinados a avaliarem as decorrências de sua conduta”, (SIMON, 1983).

Naquela altura o meio institucional, isto é, a Lei nº 8.975 de 1995, embora tendo fornecido subsídios suficientes a assegurar um padrão confiável no julgamento em segunda instância da Ação Civil Pública, atingiu o “limite da racionalidade institucional”. De fato, em meio à incerteza provocada pela proibição judicial de um lado e, de outro, o paradoxal incremento de produção da soja proibida (soja rr) safra após safra, passou a prevalecer no

público e na mídia a impressão de que o país carecia de uma lei que assegurasse um padrão de acontecimentos perceptíveis e confiáveis. Como se o problema fosse do texto da lei e não da decisão do juiz singular na ação judicial tantas vezes referida.

E na seqüência, essa versão do fato interessava aos propósitos das ONGs que então já articulavam um novo anteprojeto para revogar a Lei nº 8.974, de 1995 cujo teor, após a decisão do Tribunal, não mais atendia aos seus propósitos em face da Jurisprudência que se formara. Esse processo culminou na nova Lei de Biossegurança que, posteriormente, ao entrar em vigor, dificultou a atuação da CTNBio, reduziu sua competência em relação à lei anterior, e criou nova instância de decisão política por critérios de conveniência e oportunidade para a liberação comercial de OGMs no país, além dos critérios usuais de risco à saúde humana e ao meio ambiente.

Quando discorre sobre os principais fatores que reduzem a incerteza, North (2005) nos ajuda a entender as dificuldades que se enfrenta num país em desenvolvimento, como o Brasil, ainda destituído de instituições robustas para garantirem os meios necessários ao desenvolvimento tecnológico em geral, e da biotecnologia, em particular.

As instituições, em geral, não se sustentam por prazos dilatados. Ao contrário, são suscetíveis a modificações, como demonstram os dados secundários sobre as normas de regulamentação de OGMs no Brasil, ordenadas no Capítulo 3. Além disso, o conhecimento imperfeito (NORTH, 2005) dos atores que atuam na arena da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico no Brasil os coloca à mercê de contingenciamentos orçamentários imprevistos. Esse fato, somado à instabilidade das instituições, agrava o grau de incerteza tanto dos cientistas e pesquisadores quanto das entidades a que se encontram vinculados. Esses fatores, contudo, não se exaurem no âmbito da pesquisa pública, mas projetam-se também sobre os potenciais parceiros privados que poderiam, em caso contrário, ficar mais propensos a investirem recursos em projetos promissores, se o grau de incerteza não fosse tão elevado. Em outras palavras, quanto maior é o grau de incerteza mais remota se torna a constituição de parcerias público-privadas na área da ciência e do desenvolvimento tecnológico.

Em relação aos temas mais recentes que apontam para as tecnologias de futuro (LIMA, et al, 2005), percebe-se como o “sustentáculo externo” (NORTH, 2005) formado por políticas, infra-estrutura e costumes faz a diferença e, se não for revertido, ameaça aumentar a distância entre o Brasil e os países fortemente desenvolvidos em ciência e tecnologia, com reflexos desde já perceptíveis também no agronegócio.

Embora divergindo de muitos pontos da análise efetuada por Pelaez e Smidth (2004, p.254) e de nosso otimismo quanto ao resultado final, concordamos quando dizem que o cenário complexo de disputas existentes no Brasil ainda torna incerta a nova trajetória tecnológica baseada no uso de OGMs.

9.4.2 O mistério da propriedade intelectual

Se estivermos de acordo quanto à necessidade imperativa não só de conhecer, mas também de saber manejar a ferramenta conhecida como direitos de propriedade intelectual (pela simples razão de as construções gênicas (processos) e os OGMs (produtos) de interesse nesta dissertação encontrarem-se protegidos por patentes ou outros direitos correlatos), é recomendável considerar outros percalços que o país enfrenta, além dos gargalos da Lei de Biossegurança, para desenvolver a biotecnologia na perspectiva da teoria do custo das transações (NORTH, 2003).

Vimos no Capítulo 2 que a teoria do custo das transações, na visão de North,

(2003), tem na informação um de seus fatores determinantes. Esse custo é representado pelo resultado da soma do custo de mensuração dos atributos do produto objeto da transação, com o custo dos direitos de propriedade, além dos custos ligados à articulação, acompanhamento e garantia da efetividade dos contratos. Se a identificação dessas três parcelas é difícil quando se trata de um bem físico – tanto que até recentemente os economistas, em geral, não consideravam esses custos em suas modelagens, pode-se imaginar a dificuldade para identificá-los quando se trata de um bem intangível, como é o caso das patentes e demais direitos de propriedade intelectual. North (2005), um dos autores que vêm construindo a NEI/ECT defende o estudo da própria transação como nova estrutura analítica na teoria micro-econômica e, na tentativa de descobrir a razão pela qual o ato de transacionar tem um custo tão elevado, explora o custo de mensuração dos atributos do produto e os custos relacionados à efetividade dos contratos.

Diante dessa análise, quando se trata de invenções e outros bens intangíveis obtidos pelo intelecto humano, defende-se não ser suficiente conhecer a legislação que reconhece os direitos de propriedade intelectual, mas ser imprescindível aprender a manejá-la. Nesse sentido, além de mensurar os atributos do bem intangível (invenção), é indispensável aprender a medir os direitos que são transferidos na transação que o tenha por alvo (patente), sem esquecer a lição de que há assimetria de informação entre os atores de

qualquer transação. Quando o objeto da transação é um direito de propriedade intelectual essa assimetria é notadamente mais acentuada em razão não só de uma parte, em geral, possuir mais conhecimento sobre o valor dos atributos do que a outra como também obter ganhos, muitas vezes, "escondendo” (North, 2005) algumas dessas informações.

9.4.3 A parceria público-privada na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico

Willianson (1982) fornece os mais robustos argumentos sobre a importância dos contratos que nos dá fundamento para defender a constituição de parcerias entre a pesquisa pública e as empresas privadas, notadamente do setor sementeiro, na lógica de garantir o avanço da biotecnologia com aplicação voltada ao agronegócio.

O modelo da Embrapa de gestão da propriedade intelectual utilizado como pano de fundo para se contrapor à constituição ainda incipiente no país de parcerias público privadas, voltadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, encontra-se assentado basicamente em princípios, normas e contratos como foi demonstrado no Capítulo 5. Portanto, o modelo da Embrapa encontra-se completamente alinhado ao direcionamento propugnado na teoria dos contratos (WILLIANSON, 1967).

Além disso, é necessário reconhecer a expansão da consciência sobre a importância dos contratos no país. O controle legal das transações e a eficácia dos contratos de cooperação técnica e financeira na área da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico passam a constituir o foco de atenção dos Núcleos de Inovação Tecnológica - NITs das Universidades e das entidades públicas de pesquisa que tentam selar parcerias com empresas para o desenvolvimento de inovações de base tecnológica - como a biotecnologia - para evitar ou pelo menos diminuir o oportunismo, de lado a lado, no cenário de escassez de recursos públicos destinados à pesquisa (GASQUEZ, 2007).

E o incremento da consciência sobre a importância dos contratos vem se operando no seio dos NITS os quais, por sua vez, também vêm sendo criados por força do comando que nesse sentido dá a Lei de Inovação, outro fundamento institucional cuja importância vem crescendo em face da precária organização do país nessa direção até passado muito recente. O cenário que se contrapõe ao ideário da Lei de Inovação constitui-se num verdadeiro pilar da cultura nacional dominada por costumes enraizados na sociedade de completa falta de preocupação com questões sensíveis de segurança e controle da informação e inexistência de formalidade que, todavia, são essenciais na esfera dos investimentos em pesquisa, do desenvolvimento tecnológico e da propriedade industrial.