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O mundo do trabalho em transformação e a educação tecnológica

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3.1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UM PERCURSO HISTÓRICO ATÉ A CRIAÇÃO,

3.1.1 O mundo do trabalho em transformação e a educação tecnológica

Fernandes (2008) afirma que, para pensar qualidade em educação profissional, se faz necessário uma discussão sobre trabalho e educação. Para fazer essa discussão, aproprio-me do pensamento de Saviani (1994, 2002), em que o trabalho e a educação são atividades especificamente humanas. Isso significa que, rigorosamente falando, apenas o ser humano trabalha e educa.

Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos sob o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico. (SAVIANI, 2007, p.4).

Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva divina, mas tem que ser produzida pelos próprios seres humanos, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o ser humano não nasce ser humano. Ele se forma ser humano. Ele não nasce sabendo produzir-se como ser humano. Ele necessita aprender a ser “homem”, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do ser humano é, ao mesmo

tempo, a formação do “homem”, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do ser humano mesmo.

Diríamos, pois, que no ponto de partida a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens se educavam e educavam as novas gerações. A produção da existência implica o desenvolvimento de formas e conteúdos cuja validade é estabelecida pela experiência, o que configura um verdadeiro processo de aprendizagem. Assim, enquanto os elementos não validados pela experiência, são afastados aqueles cuja eficácia a experiência corrobora necessitam ser preservados e transmitidos às novas gerações no interesse da continuidade da espécie. (SAVIANI, 2007, 4).

Saviani (2007) afirma que, nas comunidades primitivas, os homens se apropriavam coletivamente dos meios de produção da existência e, nesse processo, se educavam e educavam as novas gerações. Prevalecia, aí, o modo de produção comunal, também chamado de “comunismo primitivo.”

Não havia a divisão em classes. Tudo era feito em comum. Na unidade aglutinadora da tribo dava-se a apropriação coletiva da terra constituindo a propriedade tribal na qual os homens produziam sua existência em comum e se educavam nesse mesmo processo. Nessas condições, a educação se identificava com a vida. A expressão ‘educação é vida’ e não preparação para a vida, reivindicada muitos séculos mais tarde, já na nossa época, era, nessas origens remotas, verdade prática. (p.5).

Para Saviani (2007, p. 5), estão aí os fundamentos histórico-ontológicos da relação trabalho-educação. “Fundamentos históricos porque referidos a um processo produzido e desenvolvido ao longo do tempo pela ação dos próprios homens. Fundamentos ontológicos porque o produto dessa ação, o resultado desse processo, é o próprio ser dos homens.”

O desenvolvimento da produção conduziu à divisão do trabalho e, daí, à apropriação privada da terra, provocando a ruptura da unidade vigente nas comunidades primitivas. A apropriação privada da terra, então o principal meio de produção, gerou a divisão dos homens em classes. Configuram-se, em conseqüência, duas classes sociais fundamentais: a classe dos proprietários e a dos não-proprietários (SAVIANI, 2007).

Na Antigüidade, tanto grega como romana, configura-se esse fenômeno que contrapõe, de um lado, uma aristocracia que detém a propriedade privada da terra, e, de outro lado, os escravos. Daí, a caracterização do modo de produção antigo como modo de produção escravista. O trabalho é realizado predominantemente pelos escravos. Essa divisão dos seres humanos em classes irá provocar uma divisão também na educação. Introduz-se, assim, uma ruptura na unidade da educação antes identificada plenamente com o próprio processo de

trabalho. A partir do escravismo antigo passa-se a ter duas modalidades distintas e separadas de educação: uma para a classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres e outra para a classe não-proprietária, identificada como a educação dos escravos e serviçais. A primeira está centrada nas atividades intelectuais, na arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico ou militar. E a segunda, assimilada ao próprio processo de trabalho.

A primeira modalidade de educação deu origem à escola. A palavra escola deriva do grego σχολή e significa, etimologicamente, o lugar do ócio, tempo livre. Era, pois, o lugar para onde iam os que dispunham de tempo livre. Desenvolveu-se, a partir daí, uma forma específica de educação, em contraposição àquela inerente ao processo produtivo. Pela sua especificidade, essa nova forma de educação passou a ser identificada com a educação propriamente dita, perpetrando-se a separação entre educação e trabalho. (SAVIANI, 2007, p.6).

Manacorda (1989) retoma o mesmo tema na conclusão de sua História da educação, referindo-se à constante da história da educação, uma daquelas constantes que sempre são repropostas, embora sob formas diferentes e peculiares, descrevendo-a com as seguintes oposições:

A separação entre instrução e trabalho, a discriminação entre a instrução para os poucos e o aprendizado do trabalho para os muitos, e a definição da instrução “institucionalizada” - oratória [...] como formação do governante para a arte da palavra entendida como arte de governar (o “dizer”, ao qual se associa a arte das armas, que é o “fazer” dos dominantes); trata-se, também, da exclusão dessa arte de todo indivíduo das classes dominadas, considerado um “charlatão demagogo”, um meduti. A consciência da separação entre as duas formações do homem tem a sua expressão literária nas chamadas “sátiras dos ofícios.” Logo esse processo de inculturação se transforma numa instrução que cada vez mais define o seu lugar como uma “escola”, destinada à transmissão de uma cultura livresca codificada, numa áspera e sádica relação pedagógica. (p. 356).

Se é possível detectar certa continuidade, mesmo no longuíssimo tempo, na história das instituições educativas, isso não deve afastar nosso olhar das rupturas que, compreensivelmente, se manifestam mais nitidamente, ao menos em suas formas mais profundas, com a mudança dos modos de produção da existência humana. Conclui-se, portanto, que o desenvolvimento da sociedade de classes, especificamente nas suas formas escravista e feudal, consumou a separação entre educação e trabalho. Essa separação entre escola e produção reflete, por sua vez, a divisão que foi se processando ao longo da história entre trabalho manual e trabalho intelectual. “De um lado, continuamos a ter, no caso do trabalho manual, uma educação que se realizava concomitantemente ao próprio processo de trabalho. De outro lado, passamos a ter a educação de tipo escolar destinada à educação para o trabalho intelectual.” (SAVIANI, 2007, p. 9).

As mudanças ocorridas no mundo do trabalho, nas duas últimas décadas do século XX e no início do século XXI, têm alterado o processo, a gestão e a organização do trabalho nas diferentes esferas da produção e da circulação de bens e serviços. Essas alterações estão ligadas à crise vivida pelo capital no processo cíclico inerente à natureza desse modo de produção (Marx, 1983). Busca-se, então, como saída, a reestruturação na base produtiva, como forma de enfrentar a crise estrutural da sociedade (MOROSINI, 2008a).

O processo produtivo que caracterizou o século XX, dominado pelo binômio taylorismo-fordismo, foi a expressão do paradigma industrial (ANTUNES, 2000) e representou, na realidade, um modo de vida capitalista e formou a base econômica e política, necessária para a expansão do capital no pós-guerra (MOROSINI, 2008a).

A mudança do paradigma produtivo alterou, substancialmente, a gestão e o processo de trabalho (AMARAL, 2008; MOROSINI, 2008a). O novo paradigma produtivo/tecnológico ou informacional representou, para alguns autores, a possibilidade de uma nova etapa do capitalismo, o que Harvey (1998) denominou de “acumulação flexível”, considerando como tal a flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de consumo. Mudou o paradigma, a forma de gerenciamento e o processo de trabalho (MOROSINI, 2008a).

Toda essa reestruturação produtiva, que começou no final do século XX e que ainda está em curso, tendo em vista o descompasso da assimilação pelos países centrais e periféricos, exige dos países maior preocupação com os recursos humanos, continuando à frente das mudanças, sendo protagonistas, sujeitos e atores das mesmas.

As reformas na educação não poderiam fugir da intencionalidade posta pelo novo padrão tecnológico e das implicações dela decorrentes. Portanto, as reformas que estão sendo realizadas podem ser analisadas como formas de arranjos que facilitem um reordenamento político e social condizente com os novos padrões de produção.

Para Morosini (2008a), nesse contexto de mudança, exige-se um novo perfil para o trabalhador, mais adequado, às demandas da nova etapa do capital, cujas características principais são: a desespecialização; a polivalência e plurifuncionalidade; a criatividade; a flexibilidade; a capacidade de resolver problemas e, portanto, de pensar - qualidades negadas no modelo fordista. Para tanto, era preciso reestruturar a formação dos trabalhadores baseando-a nesses novos aportes, que incluem não somente o conhecimento e o domínio do mundo informatizado e robótico, mas também dessa nova subjetividade que inclui uma adesão sem restrições à empresa e uma capacidade de trabalhar em equipe, de conjugar vários

processos do trabalho, de ser flexível e capaz de encontrar soluções rápidas e baratas para as questões que possam se apresentar no cotidiano do mundo do trabalho.

As mudanças, que se processaram na base material de produção, modificaram os processos de trabalho, trazendo como conseqüência uma forte modificação na questão do emprego na sociedade. A educação, nesse cenário, passa a ser vista como um investimento capaz de permitir a solução das dificuldades de desemprego pelos quais passam os países ditos emergentes. A solução apresentada pelos organismos internacionais, para a formação de novos quadros, impõe novos desafios à educação.

Ao mesmo tempo, a educação definida nas políticas do governo está vinculada à lógica do capital. O que interessa à formação do ser humano é que sejam capazes de se adaptar, sem delongas, a essa sociedade cuja lógica é condicionada pelo mercado. Passa-se, assim, a ter uma concepção produtivista da educação, isto é, aquela que venha ao encontro da formação do consumidor e não do cidadão, uma educação para a domesticação, para a submissão, e não para a emancipação e a libertação.

As novas exigências postas para a educação vêm como uma forma de fazer frente à crise mundial do capitalismo iniciada na década de 1970. Essa é representada, sobretudo, pela incapacidade do modelo taylorista/fordista de dar conta das exigências de produção e consumo do mercado, que vinha se modificando em função tanto das inovações tecnológicas quanto da dificuldade de continuar financiando o setor privado e de desenvolver Políticas Sociais de reprodução da força de trabalho.

Sabe-se que cada etapa do desenvolvimento cria um projeto educacional que possa responder às demandas postas pela sociedade. No caso específico, em função da crise do modelo taylorista/fordista, outro modelo da acumulação configura-se, baseado na introdução de novas tecnologias (robótica, informática, microeletrônica, etc.,) e de novas formas de gestão e de controle da qualidade. Nesse contexto, um modelo foi desenhado para a educação, traduzido pelo ordenamento jurídico em vigor, tendo à frente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n° 9.394, de dezembro de 1996 (MANFREDI, 2002).

As políticas oficiais para a educação procuram responder ao modelo de reprodução ampliada do capital por meio de um processo educacional que privilegie a formação de um trabalhador (FRIGOTTO, 1999) “[...] com as seguintes características: flexibilidade, versatilidade, liderança, princípios de moral, orientação global, hora de decisão, comunicação, habilidade de discernir, equilíbrio emocional.” (FRIGOTTO, 1995, p. 157).

A educação que é demandada nesse contexto de reestruturação produtiva é aquela vinculada aos interesses do mercado. Maués (2006) comenta sua análise sobre a

mercantilização da educação e considera que essa seria a adaptação dos sistemas educacionais às exigências do mundo econômico, podendo tomar, pelo menos, três formas: (a) adaptação dos programas, das estruturas, das práticas pedagógicas e dos métodos de gestão do sistema de ensino às condições do mercado; (b) utilização do ensino com a finalidade de estimular certos mercados, em particular aqueles das tecnologias de informação e comunicação; (c) transformação do ensino em si em mercadoria, quer dizer, a privatização, também a comercialização das relações entre os usuários e as instituições educativas.

Outra consequência para a educação, na reestruturação produtiva, foi a massificação da educação superior. A tendência ao descontrole tem sido a aparência e/ou a expansão de financiadores privados, e a emergência por uma diversidade crescente de ofertas educacionais, incluindo a educação tecnológica. Essas novas formas de provisão e o desenvolvimento de IESs privadas – algumas das quais operando pelo lucro – têm clamado por melhor proteção de consumidores, especialmente através da garantia de qualidade. A partir da perspectiva das IESs, o fornecimento de qualidade também implica em uma maneira de atrair estudantes e uma receita segura em ambientes cada vez mais competitivos. Sobre isso, Marginson (2004) distingue a situação de IESs de ‘elite’ – para as quais o prestígio e a conquista de prováveis alunos são derivados da reputação e do desempenho da pesquisa em destaque – e IES ‘intermediárias’ ou ‘de segunda escolha’ que têm que cultivar alunos de formas mais tradicionais e colocar mais ênfase na qualidade de serviços de ensino.