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O PROBLEMA DA EROSÃO COSTEIRA Segundo alguns autores, mais de 70% das linhas de

No documento geodiversidade brasil (páginas 94-96)

costa do mundo têm sido afetadas pela erosão nas últi- mas décadas. Esse fenômeno, nos dias de hoje, tem sido discutido por numerosos pesquisadores e a maioria deles advoga que a subida acelerada do nível relativo do mar, atualmente em curso, seria a causa mais importante. Deve- se considerar, no entanto, que a maior parte da literatura sobre o tema é produzida em países do hemisfério Norte, onde, conforme já comentado, predominam zonas cos- teiras em submersão. A subida do nível do mar atual nes- sas regiões deve provocar efeitos adversos maiores que em zonas costeiras em emersão, podendo até ser a causa principal da erosão. Evidentemente, se as previsões de subida do nível do mar para as próximas décadas se con- firmarem, setores do litoral brasileiro submetidos a pro- cessos erosivos serão bem mais impactados, pois as taxas de erosão serão fortemente aceleradas (DOMINGUEZ, 1995).

O balanço de sedimentos (contribuições x perdas sedimentares) parece ser o principal fator que condiciona a erosão ou a progradação ao longo da costa brasileira. Quando ocorre redução do volume de sedimentos que alimenta determinado setor costeiro, a linha de costa ten- de a recuar (erosão). Quando o suprimento sedimentar se mantém, permanece estabilizada. Se houver incremento do volume de areia no trecho considerado, a linha de cos- ta avança em direção ao mar (progradação).

Inúmeros fatores, tanto naturais (intrinsecamente li- gados à dinâmica costeira) quanto relacionados às inter- venções humanas, atuam direta ou indiretamente no ba- lanço de sedimentos, determinando as tendências para o comportamento da linha de costa. Quando o resultado do balanço de sedimentos é negativo (déficit sedimentar), provocando a erosão, os principais são:

• Retenção dos sedimentos transportados pelas cor- rentes de deriva litorânea (longshore currents), causada por obstáculos localizados a montante da área de inte- resse. Essas correntes longitudinais são criadas quando as ondas incidem obliquamente à linha de costa, geran- do um fluxo paralelo à faixa de praia (Figura 6.4). Na dinâmica costeira, constituem o principal agente de trans- porte e dispersão de sedimentos litorâneos. Os obstácu- los podem ser naturais (pontais rochosos ou arenosos e algumas desembocaduras fluviais, que, em condições de descarga favoráveis, funcionam como “espigões hidráu- licos” bloqueando o trânsito litorâneo de sedimentos) ou obras de engenharia costeira perpendiculares à linha de costa (molhes ou espigões). Esses obstáculos provo- cam acumulação de sedimentos a montante e erosão a jusante.

• Retenção de sedimentos transportados pelos rios devido à construção de barragens, impedindo que che- guem à linha de costa e sejam redistribuídos pelas corren- tes de deriva litorânea. A mineração de areia nas planícies

fluviais, quando executada de forma inadequada, também pode contribuir para a erosão costeira, por meio da dimi- nuição da carga de sedimentos que seria transportada e incorporada à linha de costa.

• Remoção de sedimentos, em direção à platafor- ma continental adjacente, por correntes de retorno (rip currents) geradas pela atuação de correntes longitudi- nais de sentidos opostos que convergem no mesmo se- tor praial, formando células de circulação litorânea (Fi- gura 6.5).

• Diminuição do aporte transversal de sedimentos are- nosos da plataforma continental para a linha de costa.

• Remoção de sedimentos causada pelo avanço de frentes frias, com marés meteorológicas e ondas de tem- pestades associadas. Esses eventos são mais freqüentes na costa sul-sudeste do Brasil. Nos últimos anos, tem-se observado uma intensificação dos fenômenos climáticos extremos, como o caso da passagem do furacão Catarina, entre os dias 27 e 28 de março de 2004, considerado o primeiro furacão extratropical registrado no Atlântico Sul (Figura 6.6).

• Remobilização eólica de areia das praias para a ge- ração de campos de dunas.

Obras de engenharia costeira, como molhes/espigões, quebra-mares, muros de contenção (sea wall) etc., construídas com a finalidade de estabilizar a posição da linha de costa, têm se mostrado ineficientes, pois, apesar de protegerem patrimônios públicos e privados, não re- solvem as causas da erosão e geralmente resultam na

Figura 6.4 – – – – – Correntes de deriva litorânea (longshore currents) geradas por ondas que incidem obliquamente à praia (COASTAL

PROCESSES AND SHORELINE EROSION).

Figura 6.5 – – – – – Células de circulação litorânea, com correntes de retorno que podem transportar sedimentos transversalmente à linha de costa em direção à plataforma continental (COASTAL

destruição da praia recreativa, além de propagar o pro- blema para setores adjacentes. Entretanto, em alguns casos, como em áreas já densamente ocupadas, essas intervenções tornam-se uma medida necessária e imedi- ata. Exemplos desse tipo de obra podem ser encontrados ao longo de toda a costa brasileira. No litoral de Fortale- za (CE), a construção de uma série de estruturas rígidas, na tentativa de deter o processo erosivo estabelecido a partir da retenção de sedimentos pelo molhe principal do porto do Mucuripe, além de degradar grande trecho da orla urbana, provocou a transferência da erosão, em “efeito dominó”, no sentido da deriva litorânea, atingin- do com mais intensidade as praias do setor oeste. O caso mais representativo é a praia de Iparana (município de Caucaia), caracterizada como uma área de recuo acele- rado da linha de costa, onde o mar já avançou cerca de 200 m nos últimos 30 anos (Figura 6.7).

Outro exemplo semelhante ocorre no setor litorâneo a norte do Recife (PE), submetido aos efeitos da erosão costeira desencadeada principalmente pela construção e ampliação do antigo porto da capital pernambucana. Uma bateria de molhes (35) foi instalada nas praias do municí- pio de Olinda, alterando o padrão de circulação de sedi- mentos na área e transferindo a ação erosiva para jusante, até o trecho da Ilha de Itamaracá. A praia de Boa Viagem, na cidade do Recife, sofre acelerado processo erosivo de- vido principalmente à urbanização desordenada da faixa de pós-praia, que impede a troca de sedimentos entre o mar e os depósitos costeiros. A construção do porto de Suape, no município de Ipojuca, também contribuiu para intensificar o fenômeno. Intervenções emergenciais foram implementadas com o objetivo de proteger vias públicas e outros equipamentos urbanos (Figura 6.8).

No litoral do estado do Rio de Janeiro, junto à de- sembocadura do rio Paraíba do Sul, a localidade de Atafona vem sendo severamente atingida pela erosão, cujas cau-

Figura 6.6 – – – – – Furacão Catarina, que atingiu o litoral sul entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em março de 2004

(disponível em: http://www.inpe.br).

Figura 6.7 – – – – – Obras de engenharia costeira (espigões e quebra-mares) construídas ao longo do litoral de Fortaleza (CE).

Figura 6.8 – – – – – Obra para contenção do avanço do mar na praia de Boa Viagem (Recife-PE).

sas (naturais e humanas) ainda não são totalmente conhe- cidas. Segundo COSTA (1994) citado por MUEHE et al. (2006), um dos fatores que intensificaram o fenômeno se relaciona à redução das descargas líquida e sólida do rio, em conseqüência da derivação das águas para o sistema Lajes-Guandu, na barragem de Santa Cecília, localizada a 382 km da foz. Essa intervenção refletiu-se na interação entre rio e oceano, modificando a direção e intensidade dos processos atuantes localmente (Figura 6.9).

Problemas erosivos também ocorrem na planície costei- ra do rio São Francisco, sendo suas causas atribuídas à reten- ção de sedimentos fluviais pelas várias usinas hidrelétricas e reservatórios construídos no curso desse rio. Em 1998, o povoado de Cabeço, no município de Brejo Grande (SE), foi praticamente todo destruído pelo avanço do mar.

Ao longo do litoral brasileiro, existem ambientes e feições fisiográficas que funcionam como barreiras natu- rais, protegendo a costa contra a ação erosiva das ondas do mar, a exemplo das áreas de manguezais, associadas a planícies fluviomarinhas, que ocorrem desde o Amapá até Santa Catarina. A degradação causada pela expansão urbana, instalações portuárias e industriais, atividades de carcinicultura, dentre outras, têm comprometido impor- tantes funções ambientais (físicas e biológicas) desses ecossistemas. Dunas frontais, recifes de coral e arenitos de praia (beach-rocks) são outras feições costeiras que ajudam a absorver parte da energia das ondas, diminuin- do a remoção de sedimentos da face de praia.

O transporte eólico de sedimentos nas planícies cos- teiras contribui, em alguns setores específicos, para a manutenção do equilíbrio dinâmico da linha de costa, atra- vés do fluxo de areias provenientes de dunas móveis em direção à faixa de praia.

Um amplo trabalho sobre o comportamento da linha de costa brasileira (MUEHE, 2006) apresenta, para cada estado litorâneo, uma síntese dos estudos de identifica- ção das áreas com características de erosão, estabilidade e progradação. O diagnóstico realizado mostra que a ero- são ocorre por toda a costa, prevalecendo sobre os tre- chos de acresção e que não há clareza sobre as causas, se naturais ou induzidas por intervenções humanas, na mai- or parte das ocorrências. Ainda segundo o autor, não exis- tem evidências conclusivas, até o momento, quanto ao comportamento do nível do mar atual. A baixa declividade de grande parte da plataforma continental interna favorece uma ampla resposta erosiva da linha de costa, no caso de uma elevação acelerada do nível do mar. Por outro lado, grande parte do relevo costeiro, como as falésias e os recifes, reduz esse impacto.

Em termos gerais, pode-se considerar que a erosão costeira resulta essencialmente do conflito entre um processo natural, o re- cuo da linha de costa, e as atividades huma- nas. O problema para o homem (risco natu- ral) ocorre quando é construído algum tipo de referencial fixo (residências, estradas e outras obras permanentes) que se interpõe na trajetória de recuo da linha de costa (DO- MINGUEZ, 1995). O controle do problema passa, necessariamente, pelo gerenciamento e ordenamento territorial das áreas costeiras, devendo ser consideradas a manutenção de faixas de não-edificação junto à orla e a ne- cessidade de estudos adequados para a implantação de obras costeiras.

MOBILIZAÇÃO EÓLICA DE SEDIMENTOS:

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