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Teologia da Prosperidade As (ricas) bênçãos, são bem-vindas!

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CAPÍTULO II – PENTECOSTALISMO(S) – PRÁTICAS RELIGIOSAS, IMPACTOS

2.5. TEOLOGIA(s) PARA QUEM ? PERDA DE MEMÓRIAS E

2.5.1. Teologia da Prosperidade As (ricas) bênçãos, são bem-vindas!

É fato, a Teologia da Prosperidade (TP) é um discurso teológico, portanto, um dos bens simbólicos das religiões de matriz cristã que têm influenciado na dinâmica social de grupos pentecostais em um continuum (MENDONÇA, 2008).

A TP tem suas raízes norte-americanas, tendo como o seu maior representante e difusor - Kenneth Hagin, estando intimamente relacionada com a apresentação de programas religiosos televisivos, conhecidos como Televangelismo já no da década de 50 (SOUSA, 2011, p. 225). Entretanto, para esse autor, essa teologia consolidou-se como “movimento doutrinário somente na década de 1970, quando diversos grupos pentecostais norte- americanos passaram a difundi-la”.

Essa foi uma entre outras teologias que teriam sido disseminadas no Brasil rapidamente na década de 1970 em meio ao surgimento das igrejas neopentecostais e, desde então, ganhando cada vez mais adeptos em todas as camadas sociais. Os elementos caracterizantes dessa teologia estão na confissão positiva, cura divina e a prosperidade [econômica] (MARIANO, 1996; CAMPOS, 1997; GARRARD-BURNETT, 2011).

Como o seu próprio nome afirma, é uma teologia que enseja, está afinada em atender as “necessidades”, ou melhor, os desejos gerados nos indivíduos, encerrando-os assim em um “mercado de bens simbólicos” (BOURDIEU, 2007).

Para Mesquita (2008) a TP é interpretada como sendo as bênçãos de Deus que podem trabalhar acima de quaisquer perspectiva e expectativa humanas, necessariamente condicionada a interiorização destes valores, uma postura de confiança em algo que pode acontecer. Para a autora, é sobre essas relações estabelecidas, que se sedimentam uma gramática teológica, extremamente difundida nas instituições neopentecostais, a qual tem sido utilizada também por pentecostais clássicos e de cura divina de diversas maneiras na atualidade.

Todos esses elementos estão diluídos nos discursos e/ou práticas religiosas, já que foi possível ouvir em pregações eloquentes nos espaços cúlticos por nós visitados, as seguintes afirmações e “confirmações”, v.g.: “Deus me revela e confirma agora o seu ministério irmão”, “receba agora”; “você será cabeça e não mais cauda”, “mandará e não será mais mandado”, “será uma benção, sal da terra nessa sociedade de perversa, mundana, sem luz” (Assembleia de Deus); “Deus te cura agora, nesse instante, oh! glória”, “receba a sua cura aí onde você está” (Igreja Pentecostal Deus é Amor).

O ideário de domínio e cura é constantemente enfatizado nos cultos, e quanto à prosperidade econômica, material, esta é incentivada, motivada como forma de bênçãos. Afinal, muitos líderes pentecostais acreditam que se Deus prometeu, por que Ele não zelaria por sua palavra a cumprir?

Muitos dos discursos assistidos em cultos afirmam: “Deus é capaz de te dar mais, muito mais do que você tem devolvido a Ele!”, “Afinal, Ele é o dono de toda a riqueza deste mundo meu irmão! (Congregação Cristã no Brasil); “É dono do ouro e da prata e qual será o filho que pedir um pão a Ele, lhe dará um escorpião”?” (Assembleia de Deus); “se prepara que você verá a prosperidade chegar hoje em tua casa”, afinal, foi Ele quem falou “tornar para mim e Eu tornarei para vós, fazei prova de mim”; irmão “pede o que quiseres que Ele te dê, e recebereis” se fez prosperar a Abraão, Isaque e Jacó, por que não te abençoaria a você meu irmão? (Assembleia de Deus).

A TP idealiza e naturaliza dessa forma a vinda do celeste porvir para o terrestre presente, destoando do ideário de uma fatia respeitável da igreja cristã que empurrava todas as bem-aventuranças para o céu e para a eternidade (MARIANO, 1996, p. 24).

Dessa maneira, é preciso tomar posse daquilo que Deus dá; não aceitando derrotas nas labutas do cotidiano, doenças em seu corpo, alma e mente, além de ser consciente, de que Deus te dará riquezas e bens materiais sem fim como um dia deu a Davi, a Salomão, Jó, entre tantos outros exemplos de “homens de fé” que acreditaram nessa “promessa divina”, “não apenas a prosperidade financeira, mas em todos os aspectos da vida” (MESQUITA, 2008, p. 74).

Para Campos (1997) esta é uma teologia também cunhada em uma interpretação maniqueísta entre o bem e o mal, que faz uma opção pelas riquezas, pelo belo, pelo perfeito, já que a pobreza, o feio, o imperfeito, não seriam coisas do divino, do sagrado, mas, sim de atuações demoníacas na vida cotidiana dos fiéis, logo algo profano.

Por meio da TP, devem ser combatidas todas essas mazelas, ou seja, pela confissão positiva e obtenção de bênçãos materiais que qualificariam os fiéis como bem-aventurados. Dessa maneira, vemos como a TP, é maleável, ajustável às preocupações espirituais locais e aspirações sociais, com certa flexibilidade para modificar e reinterpretar regras e normas de uma instituição ou de um grupo de acordo com condições e expectativas locais (GARRARD- BURNETT, 2011, p.179).

A TP opera em uma outra lógica que entendemos estar na contramão do ascetismo intramundano, como descreveu Weber em seus escritos - ética protestante e o espírito do capitalismo no início do século XX.

É uma teologia que não privilegia mais a imersão do fiel no trabalho com esmero como uma forma de agradar a Deus uma vocação-profissional divina, e, portanto, com sua separação do mundo, afinal, segundo Weber (2004, p. 98-99) “o cristão [eleito] existe para isto [e apenas para isto]: para fazer crescer no mundo a glória de Deus, cumprindo, de sua parte, os mandamentos Dele”. É inegável que com ascese intramundana, os lucros de um trabalho secular que iam sendo poupado, acabaram gerando uma ética que foi sendo desenvolvida concomitantemente uma conduta (moral) tida como ilibada, racionalizada, práticas que resultavam em riquezas materiais qualificando aqueles que assim procediam como os predestinados de Deus como foi observado nas seitas puritanas norte-americanas analisadas por Weber (1975).

Mas, na TP a riqueza pode e deve ser exigida de Deus, uma vez que, dando as “contribuições religiosas” de todo tipo as instituições a qual se pertence, Deus ficará obrigado a gerar riquezas sem medidas abençoando a cada um segundo a necessidade, logo, o homem deixa a condição de subalternidade para assumir o lugar de protagonista junto a Deus, por isso as palavras - exigir, determinar e reivindicar [...] (SOUSA, 2011, p. 11) estão presentes em muitos discursos religiosos. Logo, não basta somente ter fé, mas agir primeiramente essa fé, e consequentemente receber aquilo que vem de Deus. E mais, assim vivenciar as benesses do mundo aqui e agora, não em um mundo posterior, sagrado.

Essa teologia está relacionada ao sistema neoliberal, a um capitalismo que a recepciona e que por ela é recepcionado conforme afirma Passos (2012, p. 191) pelas “práticas de consumo que estão fundamentadas nas dinâmicas inerentes ao ser humano: as necessidades e os desejos de satisfação”. E mais, no entendimento do autor, essa seria a “teologia sustentadora do consumo [que] confronta-se, necessariamente, com a teologia da liberdade dos filhos de Deus que estabelece a justa relação ente o eu e o outro” (PASSOS, 2012, p. 201).

Como o consumo que permeia e avança na sociedade contemporânea de maneira geral, a TP embora tenha sido estudada exaustivamente no neopentecostalismo, não se restringe somente a esses grupos, mas, tem avançado se espalhando por outras religiões pentecostais de maneira capilar, perpassando suas membranas doutrinárias, estabelecendo uma cultura “homogênea” do consumo religioso, o que implica cada vez mais no binômio produção-consumo, impactando obviamente todo espaço religioso e também o meio ambiente.

Dessa maneira, pode-se entender essa como uma teologia que se opõe a conservação e preservação ambiental, na medida em que influencia o comportamento dos membros direcionando-os para a aquisição de bens materiais e imateriais sem medida para serem dessa maneira abençoados, condição sine qua non para a aceitação desses no grupo, sem que muitas

vezes, esses tenham a compreensão dos vários aspectos e processos de produção envolvidos em produtos comercializáveis, e nem mesmo os aspectos e os impactos ambientais que porventura estejam implícitos em cada objeto dito “consagrado”.

Canclini (2001, p. 45) afirma que o consumo, mercado e cidadania estão dessa forma vinculados, já que ao consumir qualquer produto, pagar os impostos, ter direitos sobre produtos e relações comerciais, o indivíduo que assim procede, tem a sensação de ser um cidadão por consumir algo e, portanto, pertencer a uma determinada classe social e não a outra, distanciando-se da pobreza econômica, um dos fatores de discriminação do indivíduo na sociedade capitalista. Portanto, consumir bens ainda que simbólicos, gera nos indivíduos essa sensação de pertença.

O fenômeno do consumo em áreas urbanizadas tem impactado e muito o meio ambiente, já que o pós-consumo implícito aos bens de maneira geral, geram algum tipo de resíduo, impactando o meio e consequentemente contribuindo para o aumento dos problemas ambientais cada vez mais crescentes. Quanto estudados esses impactos no bioma da Mata Atlântica, esses tornam-se ainda mais preocupantes, já que a pegada ecológica135acelera ainda

mais os processos deletérios do capital ambiental local.

Para Castro, recepcionar essa teologia da prosperidade é uma questão de “escolha motivada”, pois:

os sujeitos religiosos expressam [dessa forma] as escolhas construídas a partir das opções que a própria sociedade coloca à sua disposição, ajudando-os a edificar o universo simbólico a sua volta. As escolhas que não se dão naturalmente, mas fazem parte de uma construção social devidamente estruturada a partir das exigências da própria sociedade (CASTRO, 2013, p.97).

135 Segundo Dias (2000) esse é um conceito importante criado em 1992 por Wacknargel e Rees. A Pegada Ecológica pode ser compreendida grosso modo como os impactos, rastros ou as consequências em decorrência das atividades humanas que estruturam - o comércio, indústria, agricultura, transportes, consumo - no meio ambiente. Quanto maior a pegada ecológica de uma atividade, mais danos ambientais são causados. Além disso, a pegada ecológica está cunhada no cálculo da quantidade de recursos naturais necessários para se manter uma geração de acordo com (DIAS, 2002) e para Miller Jr. (2008) existiria uma pegada ecológica per capita que é a quantidade de água e terra biologicamente produtiva necessária para fornecer a cada pessoa os recursos que ela usa e para absorver os resíduos gerados com o uso desses recursos.

Em uma perspectiva crítica, contrária a TP focada no atendimento aos desejos, nas necessidades de cada um, existiriam indícios de que está surgindo outra teologia que busca integrar o ser humano ao ambiente natural, em uma cosmovisão holística, sistêmica, visando “resgatar o princípio” do que foi a criação divina. Para Kerber (2006, p.186), o que existe é uma reformulação teológica que implicaria na recuperação do sentido do caráter sagrado do mundo natural, muito além de que um simples romantismo ambiental.

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