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Revisão teórica e fundamentação de Hipóteses e Questões de Investigação

2.3 Teoria Focal.

Nesta secção faz-se a revisão da produção teórica que tomou como método a análise de conteúdo quantitativa, e como objecto principal os anúncios televisivos. Após verificar quais os primeiros estudos de análise de conteúdo que questionaram temas afins da problemática do enviesamento pelo estereótipo nos media em geral, revêem-se aqueles que problematizaram temas relacionados com Género, Raça e Idade na publicidade televisiva.

Os três temas Género, Raça e Idade não foram objecto de atenção simultânea na observação dos discursos dos media. O primeiro a ser constituído como zona de observação foi o tema Género, com o primeiro estudo publicado nos anos 40, logo seguido do tema Raça, nos anos 50. Só bastante mais tarde, nos anos 80 do século XX, o tema Idade é observado de forma exclusiva, como eixo principal de problematização.

2.3.1 O tema Género.

O primeiro estudo a analisar a representação do Género foi publicado em 1949, por Child, Potter e Levine. Estes autores analisaram o conteúdo de uma amostra de 914 textos extraída de trinta ‘livros de leitura,’ publicados entre 1930 e 1946 nos EUA, e descobriram que os personagens femininos correspondiam a apenas 27 por cento dos personagens principais e eram apresentados como tímidos, sem ambições, sempre dependendo de um outro personagem mais importante. Ao contrário, os personagens masculinos apresentavam traços de autoridade e autonomia.

Sobre o medium televisão, Smythe (1953; 1954) e Head (1954) apresentam as primeiras análises de conteúdo que se debruçam sobre as séries em horário nobre, nos EUA, anotando que apenas um terço dos personagens, sejam estes principais ou secundários, são femininos. Esta linha de análise de séries dramáticas é prosseguida nos anos seguintes nomeadamente pelos estudos de Gerbner e seguidores, e os resultados são coerentes com esta tendência, acrescentando-se, por exemplo, que os homens reúnem quase todas as profissões de prestígio e também que o prestígio é sobre-representado na televisão (De Fleur, 1964; Cantor, 1973; Tedesco, 1974; Turow, 1974; Miles, 1975; O’Kelly e Bloomqvist, 1976). Um dos estudos de Gerbner (1972) revela que o grupo mais vitimado pela violência é o das mulheres não brancas e o grupo ‘mais seguro’ é o dos homens brancos.

Nos anos 80 observam-se mudanças com um aumento de personagens principais femininos nos filmes (Seggar, Hafen e Hannonen-Gladden, 1981). Nas telenovelas, por seu turno, onde é notada menos acção e muito diálogo, há uma tendência para a paridade entre géneros de personagens principais (Katzman, 1972; Downing, 1974).

Mas os primeiros trabalhos de análise de conteúdo quantitativa a debruçarem-se sobre publicidade televisiva abordando o tema Género são os de Bradwick e Schumann (1967) e Dominick e Rauch (1972). Descobrem, resumidamente, que as mulheres são apresentadas num leque reduzido de profissões, como hospedeira ou modelo, e apontam que a maioria das mulheres desempenha papéis em contexto familiar. Outro estudo sobre publicidade televisiva, o de McArthur e Resko (1975), utilizou o protocolo de variáveis e categorias usado por Child et al. (1949) no trabalho sobre os livros de leitura. O trabalho de McArthur e Resko tem sido replicado, a nível das variáveis observadas, com uma ou outra modificação, tanto nos EUA (Bretl e Cantor, 1988; Craig, 1992) como noutros países, resultando num conjunto de análises de amostras de todo o mundo (Manstead e McCulloch, 1981; Chappell, 1983; Livingstone e Green, 1986; Harris e Stobart, 1986; Gilly, 1988; Furnham e Voli, 1989; Mazzella, Durkin, Cerini, e Buralli, 1992; Furnham e Bitar, 1993; Mwangi, 1996; Furnham, Abramsky e

Gunter,1997; Furnham e Skae, 1997; Furnham, Babitzkow e Uguccioni, 1999; Furnham e Farragher, 2000; Furnham, Mak, e Tanidjojo, 2000; Furnham e Saar, 2005) nestes se incluindo ainda Portugal (Neto e Pinto, 1998). Por ser bastante replicado, o estudo de McArthur e Resko, e as suas variáveis, tornaram-se um referencial de validação. Algumas são integradas no presente trabalho, como se mostra no Cap. 3.

2.3.2 O tema Raça.

O tema Raça é observado no medium televisão por Smythe (1953) que, ao analisar o conteúdo de séries emitidas em Nova Iorque na primeira semana de 1953, conclui, entre outras coisas, que os ‘maus da fita’ são normalmente não brancos e não americanos. Head (1954), analisando também séries de TV dos EUA, observa que os negros tendem a ser apresentados desfavoravelmente (em papéis de criminosos ou antipáticos). Este panorama muda em Seggar e Wheeler (1973) que notam que, dos negros apresentados em séries, poucos são já caracterizados como ‘maus’ ou ‘antipáticos.’ Mas Gerbner, no seu estudo sobre violência nas séries televisivas (1970), revela que 67 por cento dos personagens que não são brancos são violentos, para 60 por cento de brancos não americanos e 50 por cento dos brancos americanos. A mesma tendência repete-se nas vítimas. Gerbner revela ainda que os assassínios por brancos e americanos são mais ‘eficientes’ que os executados por brancos estrangeiros e muito mais que os que são executados por não brancos. Noutro estudo de Gerbner (1972) revela-se que o grupo mais vítima da violência é o das mulheres não brancas, seguido pelos personagens de desenhos animados não brancos. O grupo menos vítima é o dos homens brancos, seguido dos personagens de desenhos animados sem raça aparente. Os grupos mais agressivos são os desenhos animados sem raça aparente, seguidos de homens não brancos.

Os estudos que se interessam por publicidade têm primeiro por objecto a publicidade impressa (Shuey, King e Griffin 1953; Kassarjian 1969; Cox 1969). A publicidade televisiva é observada, numa perspectiva racial, pela primeira vez por Barban (1969) em amostra de 1967, num estudo promovido pela ACLU. Neste trabalho revela-se que os negros, nos EUA, representam 0,65 por cento dos papéis com falas e 1,39 por cento dos outros papéis. Só mais tarde se lhe juntam estudos que observam também as minorias hispânicas (Wilkes e Valencia 1989; Stevenson e McIntyre 1995) e asiáticas (Taylor e Lee 1994; Taylor e Stern 1997). O estudo de Shuey, King e Griffin (1953) sobre amostras de publicidade nas revistas foi replicado por Cox (1969). O estudo de Kassarjian (1969) também sobre publicidade de

revistas estabeleceu uma base de codificação usada noutras replicações como Dominick e Greenberg (1970), Reid e Bergh (1980), Weigel (1980), Wilkes e Valencia (1989), Licata e Biswas (1997) e Locke (2003). Também o estudo de Taylor e Stern (1997) foi replicado por Bang e Reece (2003). Nota-se, em geral, a preocupação dos investigadores em documentar situações de representatividade, discriminação, ou expressão de desigualdade de oportunidades.

Os estudos de análise de conteúdo quantitativa que se debruçaram sobre o tema Raça na publicidade são quase todos originários dos EUA, à excepção dos de Hoek e Sheppard (1990) e Hoek e Laurence (1993), da Nova Zelândia, e ainda de um componente de codificação racial no estudo longitudinal EUA / Grã-Bretanha sobre publicidade infantil, de Furnham, Abramsky e Gunter (1997).

2.3.3 O tema Idade.

O estudo de análise de conteúdo de séries de TV de Smythe (1953), já referido, observara entre outras coisas que a maioria dos personagens e dos personagens principais são apresentados na idade de ‘jovem maduro,’ quase nunca surgindo personagens mais velhos ou mais novos. Também o estudo já citado de Head (1954) sobre séries televisivas nos EUA observara que o protagonista é sempre mais novo que o antagonista. Gerbner, no seu estudo sobre a violência nas séries televisivas (1970) descobre que os criminosos são jovens e as suas vítimas sempre mais velhas. Mais precisamente, que apenas um em cada seis, nos jovens, é vítima, enquanto que na idade madura há um morto para cada dois assassinos, e nos seniores, há dois mortos para um assassino.

No domínio da publicidade, o tema Idade é o último a ser reconhecido por si mesmo nos estudos de análise de conteúdo, surgindo primeiro como uma extensão de outros temas, como o Género e a Raça, ou no contexto de observações mistas. A preocupação parece ser indagar como os dois temas são apresentados tanto nos anúncios infantis como nos seus personagens, reflectindo a linha de problematização da Teoria da Aculturação, de Gerbner. Anota-se por exemplo a idade dos personagens adultos verificando-se que 71 por cento estão no segmento entre os 20 a 35 anos (Dominick e Rauch, 1972). Cruza-se a idade-alvo com o género, por exemplo em Winick, Williamson, Chuzmir e Winnick (1973), que analisam anúncios televisivos destinados a crianças e descobrem que 35 por cento apresenta exclusivamente rapazes, enquanto que apenas 19 por cento apresenta exclusivamente raparigas. Na mesma linha McArthur e Eisen (1976) e Feldstein e Feldstein (1982) apontam uma maioria masculina próxima dos 80 por cento dos personagens principais nos anúncios

infantis e uma maioria de público-alvo masculino. Outros estudos seguem a mesma preocupação, como Doolittle e Pepper (1975), Verna (1975), Welch et al. (1979). Outros pesquisam os aspectos comportamentais dos personagens com alvo juvenil dentro das preocupações mais salientes da Teoria da Aculturação (Signorelli, 1997; Browne, 1998).

O tema Idade afirma-se como tema exclusivo de modo tardio, quando se pesquisa o modo como os mais idosos são – ou não – apresentados nos anúncios (Gantz et al. 1980; Ursic, Ursic e Ursic 1986; Greco 1993). Também a Medicina, na vertente Saúde Pública e Epidemiologia, manifesta interesse específico pelo tema Idade, num sentido lato, ao investigar os distúrbios alimentares induzidos nas crianças pela publicidade nos media. Procede a análises de conteúdo dos anúncios a flocos e snacks, fast food e refrigerantes. Estes estudos relacionam algumas doenças como diabetes, colesterol e obesidade infantil, com o visionamento massivo de televisão (Atkin e Heald 1977; Scammon e Christopher 1981; Condry et al. 1988). O tema Idade é o mais heterogéneo na substância dos estudos que, de uma maneira directa ou indirecta, o corporizaram. Poucas vezes foi tratado em termos exclusivos, e não é possível, para já, apontar um estudo cujo protocolo de codificação tenha sido replicado.