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UM PENSAMENTO MATERIALISTA EM COMUNICAÇÃO

No documento O CAMPO DA COMUNICAÇÃO (páginas 167-170)

1 Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1993). É professor Titular da Univer-sidade Federal de Sergipe. Ex-presidente da Seção Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil).

2 Doutor em História e Sociedade pela Unesp (Assis), com estágio de pós-doutorado em História Social do Trabalho pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Adjunto de Comunicação, Cultura e Sociedade na Universi-dade Estadual de Londrina. É Diretor de Relações Científicas da Seção Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil).

César Bolaño1 Manoel Dourado Bastos2

Apresentação

E

m ocasião anterior César Bolaño (2015) caracterizou o campo da Comuni-cação a partir das contradições e contrastes que o fundamenta. Fugindo de uma cronologia estanque dos Estudos de Comunicação, numa sucessão de escolas e seus paradigmas, Bolaño reconhece que o campo da Comunicação se constitui e se desenvolve numa constante luta epistemológica que é, por sua vez, inseparável da luta política característica das relações sociais. Assim sendo, em vez de avaliar a Comunicação exclusivamente por paradigmas absolutos, aponta-se a importância de compreender o Campo, a partir da conceituação de Pierre Bour-dieu, por meio dos contrastes entre os programas de investigação hegemônicos, que dominam os núcleos institucionais que o constituem, e aqueles pesquisadores e grupos que, afastados de tais núcleos, buscam legitimidade.

Fundamentalmente, a consolidação, nos EUA, do campo da Comunicação, desde a Mass Communication Research na década de 1930 até a institucionalização de programas de doutorado pelo viés funcionalista de Wilbur Schramm, que tam-bém foi responsável pela perspectiva da “Comunicação para o desenvolvimento”

que guiou a construção do campo na América Latina, recebeu a contestação de um conjunto, nem sempre coeso, de autores e grupos que visaram a apresentação de um pensamento crítico nos Estudos em Comunicação. Desde a perspectiva marxista de Paul Baran e Paul Sweezy, que deram atenção à publicidade em sua teoria do capitalismo monopolista, até a Teoria da Dependência ou Imperialismo Cultural, que animou o debate latino-americano, o campo da Comunicação foi perpassado pelo enfrentamento aos parâmetros próprios ao interesse circunscrito à instrumentalização da Comunicação, focalizada em um caráter persuasivo com enfoque nos efeitos.

No bojo dessa luta epistemológica, a Economia Política da Comunicação e da Cultura (EPC), denominação adotada historicamente por uma área de estudos en-gendrada no interior do campo acadêmico da Comunicação em nível internacional, busca completar um pensamento materialista em Comunicação. Configura-se, assim, como um subcampo das chamadas Ciências da Comunicação, que adota métodos e ferramentas desenvolvidos no campo da Economia Política ou, mais especificamente, da Crítica da Economia Política, ainda que importe e desenvolva também ferramentas microeconômicas e sociológicas, entre outras. Uma carac-terística do desenvolvimento da EPC em nível mundial é o fato de que ela surge em momentos diferentes, em espaços geográficos diversos, configurando tradições de pesquisa nacionais diferenciadas, cuja unificação se dará a partir de 1992, sob o comando especialmente da Sessão de Economia Política da International As-sociation for Media and Communication Research (IAMCR). É claro que, nessas condições, estabelece-se uma tendência homogeneizadora que, em geral, favorece o pensamento e as instituições acadêmicas ligadas à tradição anglo-americana, que se configura, assim, hegemônica mesmo no campo do pensamento crítico.

A própria denominação, adotada hoje universalmente, é herdeira dos trabalhos fundadores das escolas inglesa e norte-americanas.

O Brasil tem uma tradição própria no campo, que remonta aos anos 1980, construída, ao longo das décadas, em diálogo com outras escolas (latino-ameri-canas, europeias e norte-americanas), tanto na citada IAMCR quanto em outras instituições, como a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co-municação (INTERCOM), ou a Associação Latino-americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC), para citar apenas as mais importantes sociedades científicas do campo da Comunicação em que atuam grupos de Economia Política da Comunicação (EPC) organizados.

Há, não obstante, um contraste histórico entre os principais fundamentos teóricos da EPC e o contexto de sua consolidação. Isso porque os anos 1980 e 1990 foram caracterizados pelo declínio do socialismo realmente existente e o correlato descrédito acadêmico do marxismo. No campo da Comunicação não foi diferente, de maneira que à baixa do materialismo se sobrepôs um conjunto de ideias que pretendiam eliminar uma série de temas relevantes, sobretudo aqueles dedicados à compreensão do trabalho como elemento decisivo para a interpretação das relações sociais.

Pois é justamente essa persistência no reconhecimento da centralidade do trabalho para a elaboração de uma análise adequada das relações sociais, estabe-lecendo a perspectiva do materialismo histórico no campo da Comunicação – na contracorrente do pensamento que tomou conta do ambiente acadêmico – o que define a importância da EPC, a qual, em meio a um contexto avesso ao marxismo, trata de superar as antigas insuficiências do pensamento crítico na área.

Assim, ao observarmos outros momentos decisivos da abordagem materialis-ta da Comunicação – como a exposição do conceito de Indústria Cultural pelos teóricos da Escola de Frankfurt ou o caminho materialista dos Estudos Culturais de Raymond Williams – percebemos que a EPC, em especial a escola brasileira, de que nos ocupamos particularmente aqui, foi capaz de vincular teoria da Co-municação e teoria do valor-trabalho, estendendo os elementos fundamentais do

pensamento marxista ao estudo dos processos de mediação social que caracteri-zam o campo da Comunicação e da Cultura, o que as abordagens anteriores até então não haviam logrado.

O objetivo do presente artigo é apresentar, em linhas gerais, alguns dos prin-cipais elementos conceituais e de método da EPC brasileira, que configuram um pensamento materialista histórico no campo das Ciências da Comunicação, cen-trado na categoria trabalho e na teoria do valor de Marx. Para isso, apresentaremos primeiramente aqueles outros dois momentos decisivos da abordagem materialista da Comunicação acima citados, a fim de encontrar na EPC as permanências e as novas elaborações teóricas, a começar pelo conceito frankfurtiano de Indústria Cultural, tendo em vista avaliar de que maneira ele se configura como extensão ideológica da alienação do trabalho no tempo livre dos trabalhadores, elemento central da contribuição da escola.

Faremos em seguida uma breve incursão no terreno conceitual de Raymond Williams, reconhecendo em que medida sua obra repõe o problema do trabalho no âmbito da comunicação e da cultura segundo o princípio ontológico da pro-dução da própria existência dos seres humanos. Na sequência, mostraremos em que sentido a EPC, particularmente em aspectos decisivos da produção brasileira, se configura como o elemento chave para a construção de uma perspectiva crítica da Comunicação, consolidando um conceito de mediação social fundado numa compreensão do trabalho própria da teoria do valor de Marx, o que remete, por fim, à crítica dos Estudos Culturais, que desenvolveram o conceito de mediação mais usual no campo latino-americano.

As dimensões do trabalho na Indústria

No documento O CAMPO DA COMUNICAÇÃO (páginas 167-170)