• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.10 número1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.10 número1"

Copied!
36
0
0

Texto

(1)

N o fin a l d os a n os 30, con ta ra m os C a n e la a Willia m C rock e r (1990:162163), u m h om e m p a ssou a com p orta rse com o u m a n im a l a p ós te r re la çõe s se xu a is com a irm ã . Am b os e n lou q u e ce ra m ; a m oça fa le ce u log o d e p ois, m a s e le , torn a d o se lva g e m e p e rig oso, te ve d e se r con fin a d o e m a n -tid o sob vig ilâ n cia e m u m a p e q u e n a g a iola , a q u e ch a m a va m “ ch iq u e i-ro” , on d e m orre u ra p id a m e n te .

O s Ap in a yé , sim ila rm e n te , re la ta ra m a Da M a tta (1979:119) d ois ca -sos d e h om e n s q u e , a p ós com e te re m “ in ce sto” , se te ria m tra n sform a d o e m a n im a is m on stru osos, se m e lh a n te s a cã e s; e le s a firm a m ta m b é m , d e m od o g e ra l, q u e o se xo com a m ã e , irm ã ou com u m a “ sob rin h a / n e ta ”1 p róxim a a ca rre ta a m e ta m orfose d a p e ssoa e m u m a coisa ou b ich o (m e b óy á) (Da M a tta 1976a :171). Pa ra os Kra h ó, e m u m re g istro já m a is m e -ta fórico, o ca sa m e n to e n tre p rim os é o “ m e sm o q u e g a lo e g a lin h a ” (C a rn e iro d a C u n h a 1978:126); “ só b ich o fa z com a filh a p róp ria , n ã o con h e ce p a re n te ” (La d e ira 1982:86). A p otê n cia m e ta m órfica d o “ in ce sto” é ta m b é m a te sta d a n a m itolog ia e e m ou tra s e xp re ssõe s d o p e n -sa m e n to in d íg e n a2. M e u in te re sse a q u i é a p rofu n d a r a com p re e n sã o d e ssa con e xã o e , p or m e io d e la , o e n te n d im e n to d o con ce ito d e p a re n -te sco n a tivo. N e sse se n tid o, e xp lora re i a s a rticu la çõe s e n tre ce rtos a s-p e ctos (te rm in ológ icos, com s-p orta m e n ta is, m a trim on ia is) d o siste m a d e p a re n te sco e a s p re m issa s on tológ ica s d o m u n d o a m e rín d io, foca liza n d o, e m p a rticu la r, o e sta tu to d a s re la çõe s d e su b stâ n cia (u m tóp ico tra -d icion a l -d a e tn olog ia jê ) e m fa ce -d o q u e p o-d e ria se r -d e scrito com o u m a te oria in d íg e n a d a Re la çã o3.

PAREN TES DE SAN GUE:

IN CESTO, SUBSTÂN CIA E RELAÇÃO

N O PEN SAMEN TO TIMBIRA*

(2)

Corpos de parent es

O ca m p o d o p a re n te sco e n tre os Tim b ira é con ce b id o com o u m u n ive rso d e re la çõe s d e te rm in ad as e p articu lare s; os n om e s p e ssoa is, e m con tra s-te , com o d iz a e tn óg ra fa d os Krin k a ti, “ [s]ã o con sta n s-te m e n s-te u sa d os e m re fe rê n cia e n o voca tivo p a ra rotu la r p osiçõe s q u e n ã o fora m a in d a com -b in a d a s e m re la çõe s e sp e cífica s. Porta n to, sã o m u ito fre q ü e n te m e n te a p lica d os a ca te g oria s d e p e ssoa s q u e sã o m a rg in a is à socie d a d e ” (La ve 1979:24). É e m te rm os d e ssa op osiçã o e n tre re la çõe s d e te rm in a d a s, rotu la d a s p or te rm os d e p a re n te sco, e re la çõe s in d e te rm in a d a s, m a rca d a s p e -lo u so d e n om e s, q u e os Krin k a ti (p or e xe m p -lo) e xp rim e m su a s le is d e ince sto: “ os in te rd itos d e in ince sto sã o form u la d os e m te rm os d e n om e s; re la -çõe s se xu a is e ca sa m e n to sã o p e rm itid os e n tre p e ssoa s q u e se d irig e m e re fe re m u m a s à s ou tra s p or n om e s p e ssoa is, e n ã o e n tre p e ssoa s q u e u sa m a te rm in olog ia d e p a re n te sco” (La ve 1967:280281). Um a ve z te n h a m lu -g a r o se xo ou o ca sa m e n to, con tu d o, torn a -se im p róp rio o e m p re -g o d os n om e s, q u e d e ve m se r su b stitu íd os p or te rm os re la cion a is e p or te cn ôn i-m os (fori-m a d os a p a rtir d o n oi-m e d o fu tu ro filh o/ a d o ca sa l, sob re q u e i-m se a p óia a g ora a con stru çã o d e u m n ovo con ju n to d e re la çõe s d e te rm in a -d a s). E com o, a lé m -d e tra n sform a r o vín cu lo e n tre os p a rce iros, o se xo e a p rocria çã o a lte ra m ta m b é m a re la çã o d e ca d a u m d e le s com os p a re n te s d o ou tro (o g ru p o d e se u s a fin s e fe tivos), e ste s ú ltim os p a ssa m a se r d is-tin g u id os p or u m a sé rie com p le ta d e te rm os e sp e cíficos d e a fin id a d e .

(3)

An te s d e p a ssa r à a n á lise , d u a s e xp lica çõe s p re lim in a re s fa ze m -se n e ce ssá ria s, con ce rn e n te s, re sp e ctiva m e n te , a o p rim e iro a rg u m e n to — q u e p od e p a re ce r força d o a os jê -ólog os — e a o se g u n d o — p a ra ju stifi-ca r, n e ste stifi-ca so, p or q u e o p ostu la d o d e q u e a fa b ristifi-ca çã o d o p a re n te sco in cid e sob re o corp o le va a u m a d iscu ssã o d a s n oçõe s d e su b stâ n cia (u m tra je to q u e p re te n d o d e m on stra r se r m e n os n a tu ra l d o q u e p a re ce ).

A id é ia d e q u e p a re n te sco e h u m a n id a d e se ja m coe xte n sivos p od e p a re ce r, e u d izia , força d a ; e sp e cia lm e n te a li on d e , com o n o ca so d os J ê d o N orte , ca sa -se com n ã o-p a re n te s — on d e , p a ra le la m e n te , a com u n i-d a i-d e i-d e a li-d e ia n ã o se con ce b e com o u m a p a re n te la e os m ora i-d ore s n ã o se d ize m a p a re n ta d os, se n ã o e m u m se n tid o “ m e ta fórico”4. De se n volvi a lh u re s (C oe lh o d e Sou za 2001), a p a rtir d e u m a d iscu ssã o d a s ca te g oria s d e d e n om in a çã o cole tiva (e tn ôn im os, te rm os tra d u zid os p or “ g e n te ” ou p or “ p a re n te ” ), o a rg u m e n to d e q u e é p re ciso tom a r se ria m e n te e ssa “ m e -tá fora ” . C om p a ra n d o o ca so d os J ê se te n trion a is — on d e e m e rg e n e ste p la n o, g ra ça s à p re se n ça d e a u tod e n om in a çõe s g ru p a is crista liza d a s, u m a d istin çã o e n tre o u n ive rso d os “ h u m a n os e o d os “ p a re n te s” — com o ca so d os Xok le n g (J ê m e rid ion a is) — e m q u e “ p a re n te ” e “ h u m a n o” a p a re ce ria m com o sig n ifica d os con d e n sa d os n a s m e sm a s p a la vra s — p rocu -re i m ostra r q u e , e m a m b os, a h u m a n id a d e , ta n to com o o p a -re n te sco, é ob je to d e u m p roce sso d e fa b rica çã o q u e in cid e sob re o corp o. O q u e ve -m os co-m o a trib u tos cu ltu ra is d e fin id ore s d e id e n tid a d e s cole tiva s e sp e cífica s con stitu i, p a ra os ín d ios, u m con ju n to d e a p titu d e s e a fe cçõe s a se re m d e lib e ra d a e a tiva m e n te d e se n volvid a s n o b ojo d a q u ilo q u e os a n -trop ólog os ch a m a m “ con stru çã o d a p e ssoa ” e q u e , e n volve n d o a cria çã o e tra n sform a çã o d e re la çõe s d e te rm in a d a s e n tre p e ssoa s, se con fu n d e com o p róp rio p roce sso d o p a re n te sco. In scre ve n d o-se n a ord e m d o fe ito, e n ã o d o fa to (n a tu ra l), p a re n te sco e h u m a n id a d e torn a r-se -ia m q u a n tifi-cá ve is e re ve rsíve is (p od e -se n ã o a p e n a s se r, m a s torn arse , m a is ou m e n os h u m a n o, m a is ou m e n os p a re n te ), e isso lh e s con fe riria a fle xib ilid a d e m a n ife sta d a p e lo re g im e se m â n tico d os con ce itos q u e lá b u sq u e i a n a -lisa r. Assim , a d ife re n ça e n tre os n íve is d e con tra ste e m q u e se d e fin e u m a ca te g oria com o a d e “ m e u s p a re n te s” n ã o corre sp on d e ria à q u e la e n tre sig n ifica d o lite ra l e fig u ra d o, ou “ m e ta fórico” , d o te rm o, m a s a u m a d ife re n ça d e g rau — ou , à s ve ze s, d e p e rsp e ctiv a5.

(4)

p e rsp e ctiva s fu tu ra s) d a s re la çõe s ce rim on ia is e a fe tiva s vig e n te s e n tre a s p e ssoa s (Da M a tta 1976a :165-168). Isso con d u z à m in h a se g u n d a e x-p lica çã o x-p re lim in a r, con ce rn e n te a o d e sta q u e a q u i con fe rid o a e ste te m a . O in te re sse p e la corp ora lid a d e foi ta lve z u m a d a s h e ra n ça s m a is d u -ra d ou -ra s e fe cu n d a s d a s p e sq u isa s d e se n ca d e a d a s p e lo H a rva rd -C e n t-ra l Bra zil Proje ct (H C BP). A a n á lise d e Da M a tta d a s id e olog ia s d a con su b ta n cia lid a d e e n tre os Ap in a yé , e d e se u p a p e l n a d e fin içã o d o p a re n te s-co, te ve g ra n d e in flu ê n cia sob re a e tn olog ia a m e rica n ista e e stá n a ori-g e m d a a te n çã o sob re o corp o q u e viria a m a rca r m u ito d a p rod u çã o su b-se q ü e n te n a á re a , a n te cip a n d o in clu sive d e b-se n volvim e n tos p a ra le los e m ou tra s e tn olog ia s re g ion a is. Esta liçã o — a q u e d iz q u e o p rob le m a d a or-g a n iza çã o socia l e o p rob le m a d a con stitu içã o corp ora l d a p e ssoa sã o u m só (Se e g e r e t alii 1987 [1979]) — m e p a re ce u m a a q u isiçã o fu n d a m e n ta l e in d iscu tíve l d e n ossa su b d iscip lin a . A n a tu re za d a su b stâ n cia su p osta -m e n te su b ja ce n te a os id io-m a s d a con su b sta n cia lid a d e , e n tre ta n to, foi u -m m isté rio q u e ron d ou p or a lg u m te m p o d ife re n te s tra ta m e n tos d o p rob le -m a6. A solu çã o p a ssou p rin cip a lm e n te p or a n á lise s q u e , in corp ora n d o fe -n ôm e -n os d a ord e m d a troca e p a rtilh a d e a lim e -n tos, d e su a s re sso-n â -n cia s e e fe itos sob re a fe tos e d isp osiçõe s, p rom ovia m u m q u e stion a m e n to d a b a rre ira e n tre n atu re e n u rtu re q u e su b ja z à s con ce p çõe s m od e rn a s d o p a re n te sco, a ssim com o, in e vita ve lm e n te , a m u ito d a re fle xã o a n trop oló-g ica sob re o te m a .

H oje , com e fe ito, é p ossíve l id e n tifica r a e m e rg ê n cia d e a lg o com o u m a “ n ova a n trop olog ia d o p a re n te sco” (ou d a re late d n e ss), q u e p rocu ra d istin g u irse d a s te oria s clá ssica s p e la re cu sa d a b a rre ira e n tre d a d o n a tu ra l e fa to socia l e e n fa tiza o p a p e l d a com e n sa lid a d e e d a con vivia lid a -d e n a con stru çã o -d e la ços -d e p a re n te sco cu ltu ra lm e n te con ce itu a -d os co-m o su b sta n cia is, isto é , p e rtin e n te s a os corp os d a s p e ssoa s (p . e x., C a rste n 2000; 2004). M a s isso é a in d a in su ficie n te , se p e rm a n e ce m os p re sos a u m a con ce p çã o d o a p a re n ta m e n to, e d o corp o e m q u e e ste se in scre ve , com o — p or a n a log ia a o p a re n te sco e corp o ocid e n ta is — u m a q u e stã o d e ‘su b stâ n cia ’. Privile g ia n d o os id iom a s corp ora is e a sim b ólica d a s su b s-tâ n cia s, e ssa te n d ê n cia se a rrisca e m ce rtos ca sos a m e ra m e n te su b stitu ir a ‘n ossa b iolog ia ’ p or u m a e tn ob iolog ia a m p lia d a q u e , a o la d o d a lóg ica (a p a re n te m e n te ) n a tu ra l d e flu id os corp ora is com o e sp e rm a e sa n g u e , ve n h a a in corp ora r a lóg ica (tra n sp a re n te m e n te ) socia l d a p a rtilh a a li-m e n ta r e d a con vivia lid a d e , su b stitu in d o a g e n é tica p or a lg o coli-m o u li-m a (socio)e p ig e n é tica7.

(5)

iví-d u o/ p e rson a g e m , (e tn o)b iológ ico/ socia l, su b stâ n cia iví-d a iví-d a / re la çã o con s-tru íd a , q u e ta n to re n d im e n to tive ra m n a jê -olog ia , p a ra a d vog a r a con si-d e ra çã o si-d e e le m e n tos im ate riais (n ota d a m e n te , n om e s) com o con stitu in -te s d o p a re n -te sco e n q u a n to re la çã o corp oral. Em b ora isso se ja u m a p a rte im p orta n te d o p rob le m a — e ta lve z con d u za à m e sm a solu çã o —, e la b o-ra r e sse a rg u m e n to e n volve u m a a n á lise q u e n ã o p osso d e se n volve r n e s-te a rtig o. A d iscu ssã o q u e a q u i a p re se n to d a n oçã o d e su b stâ n cia é u m p a sso p re lim in a r à q u e le a rg u m e n to. Ela a n cora -se , p rin cip a lm e n te , n a s a n á lise s p rop osta s p e los p e sq u isa d ore s d o H C BP, com o Da M a tta e M e -la tti — p or se u va lor in trín se co e su a in flu ê n cia p oste rior, se m d ú vid a , m a s sob re tu d o p orq u e m u ito d o q u e se e scre ve u d e p ois, visa n d o re cu p e -ra r a sp e ctos e con ce itos q u e os e stu d iosos d o H C BP h a via m d e ixa d o d e la d o, com o os d e d e sce n d ê n cia (Le a 1986; 1993), troca e a lia n ça (La d e ira 1982; Le a 1995), fa lh ou e m ilu m in a r a s con e xõe s e n tre e ssa s d im e n sõe s e o d iscu rso in d íg e n a sob re o corp o e su a s su b stâ n cia s.

Dito isso, p osso ta lve z e n u n cia r e m te rm os m a is com p re e n síve is m in h a p re te in sã o: p e in sa r o p a re in te sco in ã o com o u m g ê in e ro ou cla sse d e re la cion a m e n to e n tre ou tros, m a s com o u m m od o d e tra n sform a çã o e m re la çã o a o q u a l é p ossíve l m a p e a r os a sp e ctos te rm in ológ icos, com p orta -m e n ta is e -m a tri-m on ia is, b e -m co-m o a s id e olog ia s d e su b stâ n cia e a s n a r-ra tiva s sob re in ce sto.

Respeito

(6)

O m e sm o fe n ôm e n o [d e tra n sform a çã o d a s re la çõe s p e la con d u ta ] ocorre n o

ca sa m e n to, q u a n d o a m u lh e r e se u s p a re n te s p a ssa m a se r con sid e ra d os

co-m o k w óy á d o m a rid o, d e p ois q u e o ca sa m e n to p rod u ziu filh os e m ostrou -se

e stá ve l. N o in ício d o p roce sso m a trim on ia l, a s re la çõe s sã o tip ica m e n te ce

ri-m on ia is e d e fin id a s a o lon g o d e d istâ n cia s socia is (p iáari-m [sic]). M a s com a

con solid a çã o d os la ços e n tre u m h om e m e se u s a fin s, e le e su a e sp osa p a

s-sa m a te r o m e sm o s-sa n g u e e , com o d ize m os Ap in a yé , a s d u a s fa m ília s e n tã o

“ vira m u m a coisa só” . De sse m od o, a e sp osa e se u s p a re n te s p od e m se r in

i-cia lm e n te cla ssifica d os com o k w óy á k aág e te rm in a r com o k w óy á k u m re n d y

(Da M a tta 1976a :166; cf.:174, 188).

Essa con su b sta n cia liza çã o se a com p a n h a d o re la xa m e n to d a e vita -çã o q u e ca ra cte riza a e tiq u e ta d a a fin id a d e , u m re la xa m e n to re g istra d o p ra tica m e n te p or tod os os e tn óg ra fos, m a s q u e p a re ce te r sid o tom a d o, n a m a ioria d a s ve ze s, com o m e ra e xp re ssã o d o p ou co a p e g o q u e os ín d ios te ria m a su a s re g ra s. Pod e se , tod a via , in te rp re tá lo m a is p iositiva m e n -te , tom a n d o-o, a e xe m p lo d e Da M a tta , com o e xp re ssã o d e u m a con ve r-sã o p rog re ssiva d os a fin s e fe tivos e m “ con sa n g ü ín e os” , isto é , p a re n te s.

A e tiq u e ta d a a fin id a d e n os Tim b ira é sa n cion a d a p e lo p ah àm (e m a p in a yé , p iâ m ), “ re sp e ito/ ve rg on h a ” , u m con ce ito-ch a ve p a ra cu ja im-p ortâ n cia Da M a tta foi o im-p rim e iro a ch a m a r a a te n çã o. Su a im-p e rtin ê n cia u l-tra p a ssa la rg a m e n te o ca m p o d a s re la çõe s e n tre a fin s. En tre os Kra h ó, “ d e n ota tim id e z, re se rva , a u tocon trole , ob se rvâ n cia d a e tiq u e ta , d istâ n -cia so-cia l, d e se m p e n h o d e p a p é is so-cia is e op õe -se n e ste s se n tid os a h ôb re q u e sig n ifica ôb ra vo, a g u e rrid o, za n g a d o” ; e m ce rtos con te xtos (q u a n -d o, ju sta m e n te , h á q u e b ra -d a s con ve n çõe s sa n cion a -d a s p e lo p ah àm ), a d -q u ire a sig n ifica çã o d e “ h u m ilh a çã o” ou “ ve rg on h a ” (C a rn e iro d a C u n h a 1978:123). Te r p ah àm d istin g u e o se r h u m a n o, m a s n in g u é m n a sce com e le ; tra ta -se d e a lg o q u e se a p re n d e e cu ltiva ; a ssim com o os m ortos, os a n im a is ou os e stra n g e iros, a s cria n ça s p e q u e n a s sã o tid a s com o d e sp ro-vid a s d e p ah àm , b e m com o os in con sta n te s e “ n a m ora d e iros” : n e sse se n -tid o, a n oçã o se a p roxim a ria ta lve z a o q u e ch a m a ría m os coloq u ia lm e n te “ ju ízo” , “ ra zã o” , com o q u a n d o d ize m os q u e a lg u é m é a ju iza d o ou d e sa -ju iza d o, ou n a e xp re ssã o “ id a d e d a ra zã o” (C a rn e iro d a C u n h a 1978:78). “ Em sín te se , se r p ah àm n õ [se m p ah àm ] é vive r d e sre g ra d a m e n te , é n ã o te r re g ra s socia is” (C a rn e iro d a C u n h a 1978:123)9.

(7)

d a cla sse ritu a l d os h àm re n (q u e re ú n e d ig n a tá rios d e ce rta s p osiçõe s d e p re stíg io) tê m su p osta m e n te m u ito p ah àm , os m e m b ros d a socie d a d e ce -rim on ia l d os M e ?k h e n (Pa lh a ços) e ra m d itos tê -lo p ou co, “ o q u e sig n ifica q u e os m e m b ros d e ssa socie d a d e e ra m m u ito p ou co con stra n g id os p e la m a ior p a rte d a s e xig ê n cia s tra d icion a is” (C rock e r 1990:176). A su sce tib i-lid a d e a o p ah àm va ria ta m b é m com o e stá g io n o ciclo d e vid a : a o ch e g a -re m à a d ole scê n cia , ra p a ze s e m oça s sã o n orm a tiva m e n te d e scritos com o m e ?p ah àm (“ e le s [tê m ] ve rg on h a ; e le s tê m a u tocon trole ; e le s n ã o tê m a u tocon fia n ça e n ã o vê m a p ú b lico p a ra e xp re ssa r-se livre m e n te ” ); n a id a d e a d u lta , h om e n s e m u lh e re s sã o d itos k olm ã m e ?p ah àm , “ e le s a in -d a tê m a lg u m a ve rg on h a ” , m a s -d os h om e n s m a -d u ros -d e p ois -d e sta fa se se d iz q u e n ã o tê m ve rg on h a “ p orq u e e le s tê m ou sa d ia / p ron tid ã o e cora -g e m / re sistê n cia ” ; os ve lh os sã o, p or fim , os m e ?p ah àm h am r˜e , “ a ve r -g on h a d e le s a ca b ou -se ” (C rock e r 1990:181, Ta b e la 9). Se ce rta s p e ssoa s sã o m a is su je ita s à s con ve n çõe s q u e ou tra s, ce rta s re la çõe s sã o m a is con -ve n cion a is q u e ou tra s (p . e x., a q u e la s m a rca d a s p e la d ife re n ça g e ra cion a l, ou se xu a l, p e la a ficion id a d e ou a m iza d e form a l); ou tra s a icion d a sã o cocion -ve n cion a lm e n te a n ticon -ve n cion a is (jok in g ). En q u a n to m a n tid os d e n tro d e ce rtos lim ite s, com p orta m e n tos “ d e svia n te s” sã o a ce itá ve is, ou m e s-m o ob rig a tórios; é o ca so d a p e rform an ce d e lib e ra d a m e n te “ se m -ve rg o-n h a ” (m e p ah àm o-n aare , “ e le s o-n ã o [tê m ] ve rg oo-n h a ” ) d os m e m b ros d a scie d a d e d os Pa lh a ços (C rock e r 1990:176-177, 187), circu n scrita a u m m o-m e n to d e te ro-m in a d o d o ritu a l. Da o-m e so-m a o-m a n e ira , os con stra n g io-m e n tos d o p ah àm p od e m se r ig n ora d os p or in d ivíd u os “ b ra vos, a g u e rrid os, za n -g a d os” (h ôb re ). Assim , se o com p orta m e n to ca ra cte riza d o p or h alk h w a-?k h ôt (“ se g u ir ord e n s” ) con siste e m u m id e a l, a g ir am y i-á-?k h ôt (“ se g u ir a si m e sm o” ) se ria “ u m a form a d e com p orta m e n to a ce itá ve l sob ce rta s con d içõe s” (C rock e r 1990:191).

(8)

ou tra s): a q u i, se u va lor p rin cip a l e sta ria n a d e lim ita çã o e m e d ia çã o d a s fron te ira s e n tre d om ín ios socia is d ife re n te s; q u a n to m a ior a d ife re n ça e n -tre os ca m p os e ca te g oria s e m con ta to, m a ior o p iâ m . Tod a s a s re la çõe s ca ra cte riza d a s p or u m a d ife re n ça , se xu a l, g e ra cion a l ou e tá ria , se ria m a ssim e m a lg u m a m e d id a m a rca d a s p or p iâm ; os ú n icos re la cion a m e n tos d e q u e e ste e sta ria a u se n te se ria m a q u e le s e n tre g e rm a n os u te rin os d o m e sm o se xo, e m e sm o a q u i p a re ce q u e a id a d e re la tiva , te rm in olog ica -m e n te -m a rca d a , in trod u z já u -m p rin cíp io d e d ife re n cia çã o (a rig or, p or-ta n to, a fa m ilia rid a d e a b solu or-ta te m u m va lor d e lim ite , corre sp on d e n d o à a u sê n cia d e q u a lq u e r d ife re n cia çã o). De q u a lq u e r m od o, com p a ra d os a os con te xtos q u e e n volve m o con ta to e n tre “ d om ín ios” d ife re n te s, os re la ci-on a m e n tos in tra fa m ilia re s a p a re ce m com o re lativ am e n te livre s d e p iâm , e , n e ste se n tid o, os Ap in a yé p od e m d ize r q u e e xiste m á re a s e m q u e o p i-â m n ã o é n e ce ssá rio (e n tre p a is e filh os, e n tre m a rid o e m u lh e r e m u m ca sa m e n to con solid a d o). As re la çõe s e m q u e o p iâ m é m a is in te n so sã o p ois a q u e la s e m q u e “ p e ssoa s q u e re p re se n ta m ca m p os socia is d iscre tos ou / e se g re g a d os e n tra m e m con ta to” , re la çõe s e m q u e os a g e n te s “ tê m a ssu n tos cla ra m e n te d e fin id os a tra n sa cion a r; tra ta m se [sic] p ois d e re la -çõe s d e troca ” (Da M a tta 1979:101) — p or e xe m p lo, n os ca sos típ icos d o re la cion a m e n to e n tre a fin s e e n tre a m ig os form a is (Da M a tta 1976a :79, 84-85). Am iza d e form a l e a fin id a d e con stitu e m a ssim d ois m od os d e te r-m in a d os d e re la çã o q u e se d istin g u e r-m d o p a re n te sco p e la in te n sid a d e d o p iâm — q u e tom a a q u i a form a d a e vita çã o — e , con se q ü e n te m e n te , p e lo ca rá te r form a liza d o e e q u ilib ra d o d a troca d e a lim e n tos, se rviços e ob rig a çõe s q u e os ca ra cte riza m , e m op osiçã o à e xp e cta tiva d ifu sa d e solid a -rie d a d e e p a rtilh a d e riva d a d a cog n a çã o.

Ter p iâ m , p or con se g u in te , é u m a e sp é cie d e ín d ice sociológ ico p a ra u m m

ín im o d e se p a ra çã o q u e d e ve e xistir ín a s re la çõe s socia is. De u m la d o, a p a la

-vra in d ica re sp e ito; d e ou tro, in d ica con ju n çã o, ou m e lh or, orie n ta çã o p a ra a

r e la ç ã o so c ia l n a m e d id a e m q u e o s p a r c e ir o s n a r e la ç ã o c o n d u z e m su a s

a çõe s d e m od o re cíp roco. Eu te n h o p iâ m p a ra o m e u sog ro p orq u e n ós e sta

-m os e -m ca -m p os socia is d istin tos e p orq u e , a o -m e s-m o te -m p o, e u q u e ro -m

os-tra r a e le q u e n ós p od e m os vive r ju n tos se m p rob le m a (Da M a tta 1976a :79).

(9)

-d os p e lo te rm o, m a n ife sta m u m a trib u to -d a p e ssoa q u e se ria in se p a rá ve l d e su a con d içã o d e p a re n te , a sa b e r, su a ca p a cid a d e d e re la cion a r-se socia (ve )lm e n te . N e sse se n tid o, o u n ive rso d o p a re n te sco re ve la se e fe tiva -m e n te coe xte n sivo a o d a sociab ilid ad e , isto é , d e u m a con vivê n cia g e rid a p e la s con ve n çõe s sa n cion a d a s p e lo p iâm e q u e g ira m fu n d a m e n ta lm e n te e m torn o d a q u e le s va lore s. S e r sociáv e l é com p ortarse com o u m “p are n -te ”, isto é , g e n e rosa , solid á ria e re sp e itosa m e n -te . De sse p on to d e vista , a e tiq u e ta d a a fin id a d e e m e rg iria com o u m a ve rsã o h ip e rb ólica d e sse id e -a l, u m “ su p e r” ou “ h ip e rp -a re n te sco” , com o já se su g e riu (Vive iros d e C a stro 2002a :131; G ow 1997)10. De ou tro la d o, se o p a re n te sco com o socia b ilid a d e im p lica a p a rtilh a e a con su b sta n socia lid a d e (n o lim ite , a id e n tid a d e ), a e vita çã o a p re se n ta se com o u m p rotocolo d isju n tivo oste n siva m e n te volta d o p a ra re strin g ir a in te ra çã o e n tre os p a rticip a n te s e su ste n -ta r a ssim su a se p a ra çã o — isto é , a d ife re n ça q u e os con e c-ta . Pois a in d a q u e e sta se p a ra çã o e ste ja fa d a d a a ca d u ca r, a se r tra n sform a d a e m ou tra coisa — tra n sform a çã o e sta e fe tu a d a p or m e io d os flu xos d e a lim e n tos e flu id os corp ora is p ossib ilita d os, org a n iza d os e ca n a liza d os, n o con te xto d e u m ca sa m e n to, p or a q u e la e tiq u e ta , e sin a liza d a p e lo re la xa m e n to d e sta ú ltim a —, o q u e a su a im p osiçã o in d ica , n o in ício d e ca d a n ovo ci-clo d e p rod u çã o d e p a re n te s, é q u e a se p a ra çã o, a d ife re n ça e n tre os p a r-ticip a n te s, con stitu i u m a con d içã o p re lim in a r d e tod o o p roce sso. Um a ve z te rm in ad a, o p roce sso d o p a re n te sco te rá d e re com e ça r e m ou tro lu g a r.

Isso n os le va à p ote n cia l con tra d içã o q u e h a b ita e sse s siste m a s: d e u m la d o, a g e n e ra liza çã o d o p a re n te sco com o m od o d e re la çã o q u e d e fi-n e a h u m a fi-n id a d e d os p a rticip a fi-n te s; d e ou tro, a ifi-n te rd içã o se xu a l/ m a tri-m on ia l q u e p e sa sob re os p a re n te s.

Incest o

Esse d ile m a (com su a solu çã o) p od e se r e xp re sso p e los Tim b ira n a form a d a op osiçã o e n tre te rm o d e p a re n te sco/ n om e p e ssoa l, com o fa ze m os Krin k a ti:

Um a p e ssoa d e ve ca sa r-se ou m a n te r re la çõe s se xu a is a p e n a s com a q u e le s a

q u e m se re fe re p e lo n om e , ou se ja , a q u e le s com q u e m n ã o te m n e n h u m re

-la cion a m e n to. Id e a lm e n te , -la ços se xu a is n ã o d e ve m se r form a d os com p e

s-soa s re fe rid a s p or te rm os d e p a re n te sco ou d e n om in a çã o. C om o e xiste ta

m-b é m g ra n d e ê n fa se som-b re o re fe rir-se a tod os os m e m m-b ros d a com u n id a d e

(10)

m e n to [re late d n e ss], a s d u a s re g ra s e n tra m fre q ü e n te m e n te e m con flito. Pa

-ra lid a r com o p rob le m a , a s p e ssoa s m u ita s ve ze s su b stitu e m a te rm in olog ia

d e p a re n te sco p e lo u so d e n om e s p e ssoa is com o m a n e ira d e in d ica r in te re

s-se s-se xu a l (La ve 1979:24).

A “ re g ra ” d e ca sa m e n to com n ã o-p a re n te s, isto é , com p e ssoa s a q u e m se ch a m a p e lo n om e , n ã o d e ixa d e te r a ssim a lg o d e “ p re scritivo” . En tre os Ra m k ok a m e k ra , in d ivíd u os d e se xo op osto q u e n ã o se ja m p a re n te s, a fin s ou a m ig os form a is, ch a m a m se p e los n om e s p e ssoa is e tra -ta m -se m u tu a m e n te com o “ e sp osos” (cla ssifica tórios); d a m e sm a m a n e i-ra , u m a p e ssoa n ã o a p a re n ta d a d e ou ti-ra s n a çõe s tim b ii-ra se rá se m p re consid e ra d a u m “ e sp oso” (cla ssifica tório) d e tod o Ra m k ok a m e k ra ou Ap a -n ye k ra d o se xo a p rop ria d o (C rock e r 1990:258). Por ou tro la d o, “ se p ri-m os cru za d os ri-m a is d ista n te s fa ze ri-m se xo, n ã o sã o ri-m a is con sid e ra d os g e r-m a n os; se torn a r-m ‘ou tros e sp osos’” ; e n tre a fin s d e g e ra çõe s a lte rn a s, u r-m a tra n sform a çã o com p a rá ve l p od e se r e fe tu a d a p e la sim p le s a d oçã o d e u m com p orta m e n to jocoso (C rock e r 1990:246, 256). O fe n ôm e n o d a “ re cla ssifica çã o” — tã o ca ra cte rístico d os siste m a s p re scritivos, a p on to d e a m e -a ç-a r torn -a r -a p re scriçã o te rm in ológ ic-a u m -a n oçã o in te ir-a m e n te t-a u tológ ica — te m a q u i, p ois, u m a fa rta p rod u tivid a d e . M e la tti, p or e xe m p lo, re fe re se a ssim à te n d ê n cia k ra h ó e m a d a p ta r a te rm in olog ia a o com p orta -m e n to, con ve rte n d o p a re n te s e -m a fin s a tra vé s d o se xo: “ q u a n d o u -m h o-m e o-m se coo-m p orta coo-m o p a rce iro se xu a l p a ra coo-m u o-m a o-m u lh e r q u e é con-sa n g ü ín e a , p a scon-sa a ch a m á -la d e e sp ocon-sa , ip rõ” (1970:162). É p orta n to p os-síve l tra n sform a r u m a “ p a re n ta ” e m u m a “ e sp osa ” , “ b a sta n d o, p a ra isso, com p orta r-se p a ra com e la d a m a n e ira com o se com p orta p a ra com u m a ‘e sp osa ’” (M e la tti 1978:55). A a d oçã o d e ste ou d a q u e le com p orta m e n to, e p a rticu la rm e n te o e sta b e le cim e n to d e re la çõe s se xu a is, e q u iva le a u m a to d e re cla ssifica çã o, q u e p od e ou n ã o d e se n ca d e a r ou tros; n ã o h a ve ria a q u i re g ra g e ra l (M e la tti 1979:63-64).

(11)

(C rock e r 1990:162, 258). Ta m b é m p a ra os Kra h ó, o ca sa m e n to com u m a p a re n ta sa i m a is ca ro (e m te rm os d os p re se n te s d e vid os p e lo m a rid o a os p a re n te s d a m u lh e r): “ u m b om p a g a m e n to e lim in a a ve rg on h a ” , d ize m os ín d ios (M e la tti 1979:63). Da m e sm a m a n e ira , a d e flora çã o d e u m a p a -re n ta p e d e u m a in d e n iza çã o su p e rior à q u e g e ra lm e n te se e sp e ra p or ta l a to (M e la tti 1978:55). Afora isto, o e ve n to p a re ce se r a q u i e n ca ra d o m a is p ra g m a tica m e n te q u e e n tre os Ra m k ok a m e k ra . C on ta La d e ira (1982:58): “ À m in h a p e rg u n ta se d ois irm ã os p od ia m se ca sa r, a ve lh a Fra n ce lin a (Kra h ô) re sp on d e u : — ‘p od e , se e le s q u ise re m ca sa r n in g u é m e m p a ta , vê a C a ja ri e a N oe m a , n ã o ca sa ra m com irm ã o e n ã o e stã o ca sa d a s? Q u e m q u e e m p a tou ?’” O s côn ju g e s n os d ois ca sos e ra m p rim os p a ra le los p a tri-la te ra is; os ca sa m e n tos im p lica ra m a re ctri-la ssifica çã o d os a sce n d e n te s re sp e ctivos d e “ sp a i” e “ m ã e ” sp a ra “ sog ro” e “ sog ra ” . C om o d iria m os Kra -h ó: “ d e ixou d e se r p a re n te ” (La d e ira 1982:58). M a s e ste tip o d e in ce sto, d iz M e la tti, n ã o sofre a q u i se n ã o sa n çõe s “ p u ra m e n te sociológ ica s” q u e se re fe re m sob re tu d o à p róp ria d im in u içã o d o “ e stoq u e ” d e p a re n te s — ou d e p a re n ta s, e d a com id a forn e cid a p or e la s — d e u m in d ivíd u o: “ A sa n çã o, p orta n to, se ria te r m a is u m a a fim ” (M e la tti 1978:55; cf. 1979:63), com e fe itos ta m b é m p olíticos, q u e in cid e m d ire ta m e n te sob re o p re stíg io d o in d ivíd u o — e n tre os Ra m k ok a m e k ra , a q u e le s q u e a b u sa m d e sse e x-p e d ie n te x-p od e m se ve r rid icu la riza d os x-p or isso (C rock e r 1990:179).

M a s n e m tod a re la çã o d e p a re n te sco é ig u a lm e n te su sce tíve l a e sse tip o d e op e ra çã o. En tre os Kra h ó, se g u n d o M e la tti, e sta ria m im u n e s a e la os p a re n te s “ p róxim os” d e Eg o: “ os se u s lin e a is a sce n d e n te s e d e sce n -d e n te s, os n a sci-d os n o m e sm o se g m e n to re si-d e n cia l, os n a sci-d os -d e u m d os g e n itore s e m ou tros se g m e n tos re sid e n cia is” (M e la tti 1970:162). Q u a n to a os d e m a is “ con sa n g ü ín e os” (isto é , cog n a tos), “ e sta ria m m a is su je itos a se tra n sform a re m e m a fin s” — é o q u e m ostra m e xe m p los d e ca sa m e n to/ re la çõe s se xu a is com p rim a s cru za d a s p a tri e m a trila te ra is, p rim a s p a ra le la s (filh a s d e m e ia s/ os-irm ã s/ os), m e ia s-irm ã s (via g e n itore s coa d ju va n te s) ou sob rin h a s p a ra le la s, m u lh e re s q u e p a ssa ra m tod a s a se r ch a m a d a s “ e sp osa s” e m con se q ü ê n cia (M e la tti 1979:63). Em n e n h u m d os ca sos, con tu d o, foi q u e b ra d a a e xog a m ia d e se g m e n to re sid e n cia l, q u e -b ra q u e , ve rifica d a a p e n a s e m se g m e n tos m u ito e xte n sos, cu ja u n id a d e se a p re se n ta já a te n u a d a , a n u n cia e ra tifica a p róp ria cisã o d o g ru p o. Es-se lim ite — a co-re sid ê n cia — é re corre n te m e n te e voca d o n a lite ra tu ra .

(12)

ca te g oria k w óy á, n os d iz e le , p od e se r su b d ivid id a p e los m od ifica d ore s k u m re n d y (“ le g ítim o” , “ ve rd a d e iro” ) e k aág ou p u rô (“ fa lso” , “ d e im ita -çã o” , “ d e lon g e ” ). O p rim e iro q u a lifica a ca te g oria d os p a re n te s “ d e p e r-to” ou “ le g ítim os” , se g u n d o a g losa a p in a yé ; e le g e ra lm e n te d e sig n a a q u e le s e n tre os q u a is se p od e tra ça r re la çõe s g e n e a lóg ica s e cu jo re la ci-on a m e n to e xib e os a trib u tos n orm a tivos d e fin id ore s d o p a re n te sco: p a rti-lh a a lim e n ta r, solid a rie d a d e p olítica e , a cre sce n te m os, in te rd içã o se xu a l. A “ troca con sta n te d e com id a ” , se m q u e se ja n e ce ssá rio p e d ir, é u m crité -rio p a rticu la rm e n te sa lie n te n o d iscu rso n a tivo. J á e n tre os p a re n te s “ d is-ta n te s” (k aág ou p u rô) e sse s a trib u tos n ã o se e xp rim e m se n ã o d e scon tí-n u a e d ifu sa m e tí-n te (Da M a tta 1976a :161). O ca sa m e tí-n to é rig orosa m e tí-n te p roib id o e n tre k w óy á k u m re n d y , m a s p ossíve l e n tre p a re n te s k aág — e e sta d ife re n ça se ju stifica e m te rm os d e u m d ife re n cia l d e con su b sta n cia -lid a d e , e m u m u n ive rso on d e corp ora -lid a d e e corp ora çã o, o físico e o so-cia l, o d om é stico e o p ú b lico, con stitu iria m d om ín ios rig orosa m e n te op os-tos e com p le m e n ta re s:

C om e fe ito, cop u la r com p a re n te s com os q u a is se p a rtilh a u m a su b stâ n cia

com u m é con fu n d ir d ois con ju n tos d e re la çõe s e d ois ca m p os socia is q u e sã o

tota lm e n te se p a ra d os. N ã o é p ossíve l m a n te r d ois re la cion a m e n tos com o e

s-se s sim u lta n e a m e n te p orq u e e le s im p lica m ob rig a çõe s d istin ta s e op osta s,

com o d om e com é rcio, com u n id a d e e e stru tu ra , corp o e p e rson a lid a d e

soci-a l. C on fu n d i-los con vid soci-a o risco d e se torn soci-a r u m se r q u e trsoci-a n sce n d e n e g soci-a

ti-va m e n te a s fron te ira s d a socie d a d e h u m a n a : u m m on stro, u m a “ coisa ” ou

a n im a l (m e b o) (Da M a tta 1979:119).

M a s o p rob le m a n ã o p a re ce e sta r sim p le sm e n te n o ca rá te r con tra d i-tório d a s ob rig a çõe s im p lica d a s p or d ois tip os d e vín cu lo in d e vid a m e n te sob re p ostos, isto é , n a con fu sã o e n tre d om ín ios. H á situ a çõe s e m q u e e s-sa con fu sã o é p ossíve l e n e ce ssá ria , p ois n ã o se tra ta ta n to d e m a n te r d ois tip os d e re la cion a m e n to “ a o m e sm o te m p o” , q u a n to d e su b stitu ir u m p e -lo ou tro. O q u e é p re ciso é e sta b e le ce r a s con d içõe s d e ssa su b stitu içã o. O p róp rio Da M a tta (1979:119) in d ica o ca m in h o, a o d e scre ve r o p roce d i-m e n to p e lo q u a l vín cu los p re e xiste n te s “ d e su b stâ n cia ” sã o su b stitu íd os p or re la çõe s con stru íd a s ou “ ce rim on ia is” , a sa b e r, a q u e la s b a se a d a s n a filia çã o “ a d otiva ” , n a on om á stica ou n a a m iza d e form a l.

[…] n a m e d id a e m q u e e sse s la ços ce rim on ia is sã o e sta b e le cid os, os vín cu los

d e su b stâ n cia com u m e n tre e ssa s p e ssoa s e e g o sã o q u e b ra d os. De fa to, re

(13)

d a q u e la s b a se a d a s n o sa n g u e . C on se q ü e n te m e n te , q u a n d o u m irm ã o d á se u

n om e a o filh o d e su a irm ã , e le re con h e ce q u e o g ru p o d e su b stâ n cia d a irm ã

(a fa m ília n u cle a r d e la ) é u m fa to sociológ ico. Assim , a o m e sm o te m p o q u e

e le rom p e os la ços d e su b stâ n cia com u m q u e te m com e la , e le os su b stitu i

p or la ços ce rim on ia is, p or m e io d e se u sob rin h o, q u e re ce b e o se u n om e . […]

Assim , tod a s a s p e ssoa s situ a d a s n e ssa s p osiçõe s g e n e a lóg ica s [M B, M F, FF;

FZ, FM , M M ] te n d e m a troca r la ços d e su b stâ n cia p or la ços ce rim on ia is, e

tod a s sã o d oa d ore s d e n om e p ote n cia is p a ra q u a lq u e r e g o. H om e n s a p in a yé

le va m isso e m con ta q u a n d o d ize m q u e os filh os d a irm ã (itam tx u a) sã o [p a

-re n te s] m a is d ista n te s q u e os filh os d o irm ã o.

Em corolário, os A p in ay é con sid e ram aq u ilo q u e ch am am os in ce sto u m a

tran sform ação (Da M a tta 1979:119; ê n fa se s m in h a s).

(14)

Subst ância

Ap rofu n d e m os u m p ou co a d iscu ssã o d e sse p on to, a com p a n h a n d o m a is d e ta lh a d a m e n te a a n á lise d e Da M a tta . En tre os Ap in a yé , d iz e le , h á u m a te n d ê n cia a id e n tifica r os p a re n te s “ ve rd a d e iros” ou “ g e n u ín os” , k w óy á k u m re n d y , a os p a re n te s “ d e su b stâ n cia ” ou , p e lo m e n os, “ d e sa n g u e ” , e a re m e te r e ssa con su b sta n cia lid a d e , p e lo m e n os p a rcia lm e n te , a o p ro-ce sso d e con ro-ce p çã o: os “ p a re n te s ve rd a d e iros” sã o k ab rô ap te n b u rog (d e “ m e sm o sa n g u e ” ), os k w óy á k aág (“ fa lsos” , “ d e im ita çã o” ) sã o k ab rô ap te n n ik z é ou p u rô (d e “ sa n g u e d ife re n te ” ); u m in form a n te d e scre ve u , e m p ortu g u ê s, os p a re n te s k u m re n d y com o “ p a re n te s d e p a rto” (Da M a tta 1976a :162-164). A con su b sta n cia lid a d e m a n ife sta -se n o com p le xo d e ob rig a çõe s e in te rd içõe s d a cou v ad e — q u e in cid e m sob re a a lim e n ta çã o, o se xo, e ou tros a sp e ctos d o com p orta m e n to —, e xp re sso p e la n oçã o d e p ian g rí, a p licá ve l ta m b é m a o re sg u a rd o p or d oe n ça ob se rva d o m u tu a -m e n te p or p a is, filh os e g e r-m a n os (N i-m u e n d a jú 1956:80; Da M a tta 1976a :8592; 1979:103). É e m te rm os d e ssa n oçã o q u e Da M a tta va i ca -ra cte riza r a fa m ília n u cle a r — o g ru p o d e co-a b stin ê n cia — com o o “ ú n i-co g ru p o socia l a p in a yé cu jos lim ite s sã o b e m d e te rm in a d os” (1976a :163), q u e os Ap in a yé te n d e ria m a id e n tifica r à ca te g oria d e p a re n te s “ d e sa n -g u e ” (k ab rô ap te n b u rog ) e , con se q ü e n te m e n te , à q u e la d e p a re n te s “ ve r-d a r-d e iros” (k w óy á k u m re n d y ), in clu in d o ta n to os m e m b ros d a fa m ília n a -ta l com o d a fa m ília con ju g a l, p ois m a rid o e m u lh e r, com a con vivê n cia (e , é le g ítim o su p or, sob re tu d o com a co-p a re n ta lid a d e ), a ca b a ria m p or te r o m e sm o sa n g u e (1976a :93, 163-166). Pa ra a lé m d e ste círcu lo, a cog n a çã o con tin u a se e xp re ssa n d o, se g u n d o Da M a tta , n a lin g u a g e m d a su b stâ n -cia : “ o sa n g u e se e sp a lh a p or tod a a a ld e ia ” . M a s a q u i e n tra e m jog o o p rin cíp io d e g ra d a çã o: a con su b sta n cia lid a d e se e n fra q u e ce com a d is-tâ n cia . Isto e stá e xp re sso p e la s re g ra s d e a b stin ê n cia p or d oe n ça : n o ca so d e p a re n te s fora d o círcu lo d a fa m ília e le m e n ta r, com o a vós e n e tos/ so-b rin h os, “ o sa n g u e e stá fra co e d e lon g e ” e n ã o se fa z re sg u a rd o p or e le s, a n ã o se r q u e o n e to/ sob rin h o te n h a sid o cria d o n o p e ito, isto é , a m a m e n-ta d o p or ou tra m u lh e r q u e a m ã e , com a q u a l p a ssa a te r u m a re la çã o m a is p róxim a (1976a :93-94, 168-169)12.

(15)

d e p e n d e n te s d a in icia tiva in d ivid u a l q u e d e ob rig a çõe s d e n a tu re za ca -te g órica e sis-te m á tica . M a s se a q u i tod o p a re n -te “ d e su b stâ n cia ” é u m p a re n te “ ve rd a d e iro” , o in ve rso n ã o é a u tom a tica m e n te o ca so. A g ra d a çã o q u e e stru tu ra in te rn a m e n te a ca te g oria d e “ p a re n te s” n ã o corre sp on -d e a p e n a s à a te n u a çã o p rog re ssiva -d os la ços -d e con su b sta n cia li-d a -d e , p ois n a p e rife ria d e ste ca m p o viria se e sta b e le ce r u m ou tro tip o d e vín cu lo ig u a lm e n te con ce itu a liza d o com o d e “ p a re n te sco ve rd a d e iro” , a q u e -le s q u e Da M a tta d e sig n a com o “ ce rim on ia is” , e cu jo p a ra d ig m a con siria n a re la çã o n om in a d or/ n om in a d o. O p a re n te sco “ ve rd a d e iro” con sti-tu iria , e m con se q ü ê n cia , u m a ca te g oria in te rn am e n te m a rca d a p e la g ra -d a çã o, q u e ta n to p o-d e re fe rir-se a o n ú cle o fa m ilia r -d e fin i-d o p e la con su b s-ta n cia lid a d e q u a n to in clu ir o ca m p o d a s re la çõe s ce rim on ia is. N e ste ú lti-m o ca so, p oré lti-m , a d istin çã o e n tre p a re n te s k u m re n d y e k aág torn a r-se -ia p ou co n ítid a (1976a :163-164).

Em re su m o, p od e -se d ize r q u e a su b cla sse k w óy á k u m re n d y te m d ois

com-p on e n te s b á sicos e q u e e le s ocom-p e ra m com o fa tore s d istin tivos n a m e d id a e m

q u e sã o foca liza d os. Em te rm os d e su b stâ n cia , os k w óy á k u m re n d y se re d u

-ze m p rim a ria m e n te à fa m ília n u cle a r, tom a d a com o m od e lo d e sta s re la çõe s

[…]. E m t e r m o s c e r im o n ia is, o s k w óy á k u m re n d y s ã o c o n s t it u íd o s b a s ic a

-m e n te d e re la çõe s ce ri-m on ia is e , com o tal, ficam te n u am e n te se p arad os d os

k w óy á k aág (1976a :169; ê n fa se s m in h a s).

(16)

sfor-m a e m p róxim o o d ista n te , d e te rm in a n d o d e ssa m a n e ira a cla ssifica çã o (1976a :165-166).

É a e q u a çã o su p osta p e lo a u tor e n tre “ su b stâ n cia ” e re la çõe s “ d a d a s” , “ ce rim on ia l” e re la çõe s “ con stru íd a s” , q u e lh e p e rm ite “ e xp lica r” a s d ife -re n te s a lte rn a tiva s d e cla ssifica çã o a b e rta s p e lo siste m a : “ Usa r o siste m a te rm in ológ ico é p ois re solve r a s con tra d içõe s e n tre re la çõe s ‘d a d a s’ e re la -çõe s ‘construída s’: e ntre re la -çõe s de substâ ncia comum e re la -çõe s ce rimoni-a is” (Drimoni-a M rimoni-a ttrimoni-a 1979:124). Essrimoni-a s con trrimoni-a d içõe s, g e rrimoni-a d rimoni-a s p e lrimoni-a p ossib ilid rimoni-a d e d e cla ssifica çõe s a lte rn a tiva s, d e riva m d e u m a q u a n tid a d e d e fa tore s13, m a s se ria m re solvid a s se g u n d o u m p a d rã o con form e o q u a l u m re la cion a m e n to ce rim on ia l (on om á stico, p or e xe m p lo) ou re ce n te m e n te form a d o (com o a a fin id a d e e fe tiva ) p re va le ce ria sob re re la çõe s d e su b stâ n cia p ré via s e so-b re d e te rm in a ria a cla ssifica çã o (1976a :167). Da M a tta p re cisa , p oré m , q u e a tra n sform a çã o d a re la çã o socia l p od e ou n ão p rovoca r a re cla ssifica çã o te rm in ológ ica , cria n d o a “ ch a rm a d a fle xib ilid a d e ” d o siste rm a . Tudo depende -ria d os “ a lin h a m e n tos d a vid a socia l e su a d in â m ica ” (1976a :166-168).

Pa ra Da M a tta , a ssim , se circu la çã o d e su b stâ n cia s corp ora is e troca s ce rim on ia is con stitu e m a m b a s o p a re n te sco com o “ ve rd a d e iro” , isto n ã o torn a e sse s d ois m od os d e re la çã o e q u iva le n te s: alg u n s p are n te s v e rd a-d e iros são m ais v e ra-d aa-d e iros q u e ou tros. Este é u m p on to e m q u e e le n ã o con se g u e e vita r u m a ce rta a m b ig ü id a d e . O s d ois d ia g ra m a s (1976a :171, 176) com q u e ilu stra se u a rg u m e n to sã o sin tom á ticos:

Figura 1: “Dist ribuição das cat egorias gerais de parent esco no espaço social”

(17)

N ote se q u e , n e sse s d ia g ra m a s, a op osiçã o e n tre p a re n te s d e “ sa n g u e ” e p a re n te s “ ce rim on ia is” te m u m ca rá te r d istin to d a s d e m a is (k u m -re n d y / k aág , k w óy á/ k w óy á k e t): a p rim e ira te m u m a form a “ d ia m e tra l” , a s ú ltim a s “ con cê n trica s” , su g e rin d o q u e a op osiçã o su b stâ n cia / ce rim o-n ia l d ivid iria o ca m p o d os p a re o-n te s p róxim o-ve rd a d e iros e m d u a s e sfe ra s sim é trica s e com p le m e n ta re s, e n q u a n to os p a re s p a re n te / n ã o-p a re n te , ve rd a d e iro/ fa lso (ou p róxim o/ d ista n te ) con stitu iria m a n te s p ólos d e u m con tin u u m . Essa d ife re n ça d e sa p a re ce d a se g u n d a re p re se n ta çã o q u e Da M a tta ofe re ce d a re la çã o e n tre e ssa s ca te g oria s:

O a u tor q u e r com e sta fig u ra ch a m a r a a te n çã o p a ra a s in te rse çõe s, q u e re ve la m com o a s re la çõe s ce rim on ia is fa ze m a m e d ia çã o e n tre a s d i-fe re n te s e si-fe ra s: n a form a d a “ filia çã o a d otiva ” , e n tre p a re n te s d e su b s-tâ n cia [S] e p a re n te s ce rim on ia is [C ]; n a form a d a id e n tid a d e on om á stica , e n tre p a re n te s ve rd a d e iros/ a u tê n ticos [A] e d ista n te s/ ” fa lsos” [F]; n a for-m a d a a for-m iza d e forfor-m a l, e n tre p a re n te s [P] e n ã o-p a re n te s [N ]. Alé for-m d is-so, o e sq u e m a p e rm ite visu a liza r a p ossib ilid a d e d e se le çã o d e d ife re n te s n íve is d e con tra ste se g u n d o o con te xto: p a re n te / n ã o-p a re n te , ve rd a d e i-Figura 2: “Diagrama most rando o f uncionament o e sobreposição

(18)

ro/ fa lso, su b stâ n cia / ce rim on ia l. M a s o p on to p rin cip a l d e Da M a tta é q u e e ssa s op osiçõe s — q u e , a o con trá rio d o q u e ocorre n a fig u ra a n te rior, m a n tê m a m e sm a form a e m tod os os n íve is — se e n ca d e ia m d e ta l m a -n e ira q u e “ o círcu lo A […] é d e fi-n id o b a sica m e -n te a tra vé s d o círcu lo S, a á re a m a rca d a p or re la çõe s d e su b stâ n cia , cu jo p a ra d ig m a é a fa m ília n u -cle a r” (1976a :176) — a ssim com o P é d e fin id o e m te rm os d e A (os P “ d e ve rd a d e ” ).

A op osiçã o re la çõe s d e su b stâ n cia / re la çõe s ce rim on ia is n ã o foi, co-m o Da M a tta a ssin a la , in ve n ta d a p or e le , q u e se in sp ira a q u i n a a n á lise d e M e la tti (1976; 1979) d a te rm in olog ia k ra h ó. Su a orig in a lid a d e e sta ria (p e lo m e n os é a ssim q u e e le vê a s coisa s) n a ê n fa se q u e con fe re à s id e o-log ia s d e su b stâ n cia e à op osiçã o re la çõe s d e su b stâ n cia / re la çõe s ce rim on ia is, corim o p rin cíp ios ca p a ze s d e d a r con ta d a “ fle xib ilid a d e ” e “ rim a n ip u la b ilid a d e ” d e sse s siste m a s (Da M a tta 1976a :177). O siste m a d e p a -re n te sco é visto com o e n g lob a n d o ta n to -re la çõe s d a d a s p or “ la ços b iológ icos” q u a n to p or “ la ços socia is” . Essa d u p la in scriçã o d o siste m a d e re -la çõe s é o q u e lh e “ con fe re u m a g ra n d e m a n ip u -la b ilid a d e […] e p e rm ite q u e e le se ja a ve rd a d e ira p on te con ce itu a l e n tre os d ois d om ín ios d o u n ive rso a p in a yé q u e e sta m os p rocu ra n d o d e scre ive r” (1976b :155). A com p le m e n ta rid a d e (sim é trica ) d e sse s d ois id iom a s se e xp re ssa n a form a d ia -m e tra l q u e to-m a a d istin çã o e n tre e le s n os d ois p ri-m e iros d ia g ra -m a s. M a s Da M a tta ta m b é m con ce b e e ssa op osiçã o, a o m e sm o te m p o, con ce n trica -m e n te , isto é , co-m o u -m a re la çã o d e op osiçã o h ie rá rq u ica (e -m q u e o va lor e n g lob a n te é a su b stâ n cia ), a p oia d o n a su p osiçã o d e q u e o p a ra d ig m a d o p a re n te sco é u m a re la çã o “ b iológ ica ” e “ d a d a ” q u e p od e ou n ã o se r d e -lib e ra d a m e n te e ste n d id a p or m e io d os vín cu los “ socia is” d a a d oçã o, d a n om in a çã o ou d a a m iza d e form a l.

(19)

tod a via , n e m se m p re d e ixa cla ro se os sig n ifica d os a ssim m ob iliza d os sã o in d íg e n a s ou a d icion a d os p e lo ob se rva d or. De ixa n d o d e la d o, p or ora , os a n a cron ism os m od e rn ista s d e ssa e stra té g ia , ca b e n ota r q u e e la já e sb a r-ra va n a p róp ria e tn og r-ra fia q u e p re te n d ia ilu m in a r.

(20)

N o ca so tim b ira , o se xo ou a a fin id a d e p od e m re a lm e n te e n volve r a tra n sform a çã o e m m a is d e u m a d ire çã o: “ p a ra lon g e ” , q u a n d o os p a rtici-p a n te s sã o a n te s a rtici-p a re n ta d os, ou “ rtici-p a ra rtici-p e rto” , ca so se ve ja m in icia lm e n-te com o “ n ã o-p a re n n-te s” . M a s o q u e e ssa m e câ n ica p a re ce p re ssu p or é q u e a se g u n d a op e ra çã o, a “ a p roxim a çã o” p e lo ca sa m e n to/ p rocria çã o, te m com o con d içã o a p rim e ira , isto é , a p ré via n e g a çã o d o p a re n te sco e d a id e n tid a d e , a p osiçã o d e u m a a lte rid a d e ; ca so con trá rio, a op e ra çã o torn a -se n ã o sim p le sm e n te re d u n d a n te (fa ze r o m e sm o d o m e sm o), m a s p e rig osa , corre n d o o risco d e p rovoca r o se u op osto: n ã o a fa b rica çã o d e se m e lh a n te s (p a re n te sco), m a s a tra n sform a çã o e m ou tro — m e ta m orfose . M a s a s ch a n ce s d e su ce sso d a p rim e ira op e ra çã o, e con orfose q ü e n te m e n -te os e fe itos d a se g u n d a , se n e m se m p re sã o ca lcu lá ve is d e a n -te m ã o, n ã o d e ixa m d e se r re la tiva m e n te p re visíve is, se g u n d o a lóg ica d a d istâ n cia . Da M a tta in te rp re ta e sse con d icion a m e n to, com o vim os, com o e fe ito d o p rin cíp io d o p rim a d o d a su b stâ n cia com o su b stra to d ad o d a s re la çõe s. M a s é p ossíve l, cre io, re le r e ssa in te rp re ta çã o d e m od o a re cu p e ra r su a d e -m on stra çã o d e q u e a con su b sta n cia lid a d e ta -m b é -m é a lg o q u e se con strói.

Isto — a n oçã o d e q u e a id e n tid a d e d e su b stâ n cia é u m a fu n çã o d a s re la çõe s e n ã o o con trá rio — m e p a re ce ilu m in a r u m a sp e cto a m iú d e n o-ta d o m a s p ou co e xp lora d o d a s p rá tica s d e re sg u a rd o, a sa b e r, se u ca rá te r te n ta tivo, “ e xp e rim e n ta l” . M u ita s ve ze s, p a re n te s m a is d ista n te s (cog e -n itore s, a vós, m e ios-irm ã os) p a ssa m a ob e d e ce r à s re striçõe s a p e -n a s se h á a g ra va m e n to d o e sta d o d o d oe n te ; ou e n tã o, d a d a u m a ce rta d istâ n -cia , o in ce sto p od e ou n ão p rod u zir a s con se q ü ê n cia s te m id a s — é p re ci-so te sta r p a ra sa b e r. A con su b sta n cia lid a d e , e m ou tra s p a la vra s, é a lg o q u e se re con h e ce p or se u s e fe itos; e la n ã o p od e ria se r m e d id a d e a n te -m ã o n o la b ora tório, e n ã o a p e n a s p orq u e fa lte -m a os ín d ios a ciê n cia e os in stru m e n tos, m a s p orq u e se tra ta d e u m a q u a lid a d e m u tá ve l q u e d e p e nd e nd o m ond o com o os su je itos con nd u ze m o re la cion a m e n to, e q u e se re ve -la p or in te rm é d io d e e fe itos visíve is n a s p e ssoa s e n volvid a s — e m se u s corp os. Isto é , e la é u m p rod u to d e sse re la cion a m e n to; n ã o u m a lin g u a -g e m (fi-g u ra d a ) q u e p e rm ite a “ m a n ip u la çã o” d e re la çõe s re a is, m a s u m e fe ito re a l d e u m a “ m a n ip u la çã o” q u e con siste , e m ve rd a d e , se ja n a “ con stru çã o” d o p a re n te sco a li on d e e le “ n ã o e xistia ” (n o con te xto d a fa -m ília con ju g a l e d a a fin id a d e e fe tiva ), se ja n a su a con se rva çã o, a li on d e e le te n d e a ca d u ca r (n o con te xto d a fa m ília n a ta l).

(21)

con su b sta n cia lid a d e q u a n to o p roce sso d e con su b stan cializ ação; e q u e o p rob le m a d o in ce sto e stá e m in v e rte r a d ire ção d e sse p roce sso. O q u e d istin g u e os p a re n te s “ p róxim o-re a is” d os “ d ista n te s” é a re a firm a çã o con tín u a d os vín cu los d e con su b sta n cia lid a d e n o tra b a lh o d a vid a d iá ria . O s co-re sid e n te s sã o o foco d a p roib içã o (com o m ostra o m a te ria l) n ã o p or ca u sa d e u m a con su b sta n cia lid a d e orig in á ria (q u e p od e m e sm o fa l-ta r), m a s p orq u e con tin u am se con su b stan cializ an d o — con san g ü in iz an -d o-se a tra vé s -d a co-p rocria çã o, -d o con vívio e -d a com e n sa li-d a -d e . O m e s-m o n ã o ocorre cos-m os p a re n te s “ d ista n te s” , ou s-m e lh or, q u e e stã o se d is-ta n cia n d o. Um d isis-ta n cia m e n to q u e , a ca d a g e ra çã o, “ (re )com e ça ” com o p a r d e g e rm a n os cru za d os, a ssim com o a fa b rica çã o d o p a re n te sco “ (re )co-m e ça ” co)co-m o p a r con ju g a l.

A e tn og ra fia ra m k ok a m e k ra p e rm ite ilu stra r m e lh or e ste p on to. C o-m o in d ica a e xp re ssã o (o-m ˜e )k ap rôô k h w è (“ o-m e u g ru p o d e sa n g u e ” ; “ tod os os m e u s p a re n te s” , se g u n tod o C rock e r 1984:64; 1977:272, n .11), ta m -b é m a q u i o p a re n te sco é , e m in e n te m e n te , u m a q u e stã o d e “ sa n g u e ” . Ir-m ã os u te rin os (d e a Ir-m b os os se xos) o tê Ir-m d e coIr-m p osiçã o “ siIr-m ila r” ou “ (q u a se ) id ê n tica ” (i-p ip ˜e n ), p ois vie ra m (com o u m ra m o ou g a lh o) d o m e sm o u m b ig o. Esta sim ila rid a d e se e ste n d e a os fa m ilia re s im e d ia tos: o p a i, a m ã e , os filh os e os irm ã os te ria m tod os sa n g u e “ e q u iva le n te ” (ip -ip ˜e n ) a o d e Eg o. A id e n tid a d e p le n a d os p a re n te s d e su b stâ n cia se rve d e b a se p a ra o e sta b e le cim e n to d e u m a id e n tid a d e d o m e sm o tip o, e m -b ora e n fra q u e cid a , e n tre p a re n te s m a is d ista n te s. Este e n fra q u e cim e n to p a re ce d e riva r, p rim e iro, d a n a tu re za m e d ia d a d e ssa s ou tra s re la çõe s, m e d ia çã o e xp re ssa p e la n oçã o ra m k ok a m e k ra d e h ap àà, “ p on te ” , q u e se re fe re a o m od o com o a op osiçã o e n tre d ois te rm os se m con e xã o d ire ta (ou e m u m a con e xã o n e g a tiva ) e n tre si é m e d ia d a — m od ifica d a — p e la d u p la re la çã o p ositiva q u e ca d a u m d e le s e n tre té m com u m te rce iro (C rock e r 1990:328). A id e n tid a d e su b sta n cia l e n tre u m irm ã o e u m a ir m ã , p or e xe m p lo, e sta b e le ce u m a “ p on te ” e n tre se u s re sp e ctivos d e sce n -d e n te s; é -d e sta m a n e ira , se g u n -d o C rock e r, q u e a ca te g oria -d os m ˜e k ap rôô k h w è , os “ ap a re n te s d e sa n g u e ” d e u m in d ivíd u o, se a m ap lia ap a ra e n -g lob a r tod a a p a re n te la (C rock e r 1990:266). O -g ru p o d os “ p a re n te s d e sa n g u e ” con sistiria a ssim e m u m a e xte n sã o d a q u e le d e fin id o p e la “ co-m u n id a d e d e su b stâ n cia ” , d istin to d e ste ú ltico-m o, a p a re n te co-m e n te , a p e n a s p e la n a tu re za “ a te n u a d a ” d os la ços q u e o con stitu e m .

(22)

q u e con vive m in tim a m e n te , troca n d o con sta n te m e n te flu id os corp ora is (a tra vé s d o se xo e d o con ta to com o su or u m d o ou tro), d e p ois d e a lg u m te m p o, p a ssa m a te r “ sa n g u e ” “ e q u iva le n te ” , a p on to d e d e ve re m ob e -d e ce r a re striçõe s u m p e lo ou tro e m ca so -d e -d oe n ça (C rock e r 1990:265; 1984:65; 1977:263)15. Um p roce sso in ve rso d á se , con com ita n te m e n te , e n -tre g e rm a n os, cu jo sa n g u e se d ife re n cia p rog re ssiva m e n te , con form e se m istu ra com o d os re sp e ctivos côn ju g e s e p a rce iros. De ssa m a n e ira , “ os g e rm a n os ‘a fa sta m se ’ [d rift aw ay ] u n s d os ou tros e m com p osiçã o sa n -g ü ín e a e torn a m -se m a is com o se u s côn ju -g e s e filh os” (C rock e r 1977:263). É d ig n o d e n ota q u e a con su b sta n cia lid a d e orig in al d o p a r B/ Z e a con -su b sta n cia lid a d e fin al d o p a r H / W n ão se ja m con sid e ra d a s e q u iva le n te s. Isto p od e e xp re ssa r-se d e m a n e ira s d ive rsa s. Assim , e n tre os Ap in a yé , H e W p od e rã o vir a se r cla ssifica d os com o “ p a re n te s ve rd a d e iros” , m a s n ã o se a b stê m u m p e lo ou tro, com o fa ze m B e Z; in ve rsa m e n te , e n tre os Ra m k ok a m e k ra , m a rid o e m u lh e r torn a m -se ip iy ak h ri k atê y ê u m d o ou -tro16, isto é , coa b stin e n te s e con su b sta n cia is, m a s n e m p or isso se con -ve rte m e m p a re n te s “ d e sa n g u e ” ou “ con sa n g ü ín e os” , k ap rôô k h w è ou h ˜u ˜u k h y ê (C rock e r 1990:265). Isso su g e re q u e a s re la çõe s d e id e n tid a d e su b sta n cia l im p lica d a s n o p a re n te sco n ã o se d istin g u e m a p e n a s e m te rm os q u a n tita tivos, d e rm a ior ou rm e n or “ p roxirm id a d e ” ; e ta rm p ou co e sta -ria e m q u e stã o a “ q u a lid a d e ” d a su b stâ n cia (sa n g u e , le ite ou e sp e rm a ); o q u e e stá e m jog o, e n fim , m e p a re ce , n ã o é sim p le sm e n te a orig e m d a id e n tid a d e su b sta n cia l, m a s se u d e stin o. Se o u n ive rso d o p a re n te sco p o-d e se r o-d e scrito com o u m a re o-d e n a q u a l ca o-d a o-d ois p a re n te s q u a isq u e r se lig a m e n tre si p or u m a ou m a is “ p on te s” (p a re s d e re la çõe s p rim á ria s d e con su b sta n cia lid a d e ), é p re ciso frisa r q u e a s re la çõe s B/ Z e H / W con sti-tu e m “ p on te s” d e m ão ú n ica: os g e rm a n os e stã o se d istin g u in d o; os e s-p osos, m istu ra n d o-se . A re la çã o H / W n ã o con stitu i a s-p e n a s m a is u m a “ p on te ” n e ssa re d e , q u e a p e n a s e ste n d e ria , a p re ço d e a te n u á -la , u m a id e n tid a d e su b sta n cia l p ré d a d a . Ela a re g e n e ra , in trod u zin d o u m a d ife -re n ça , a q u e la e n t-re os g e rm a n os e e n t-re se u s -re sp e ctivos d e sce n d e n te s, q u e é , a o m e sm o te m p o, a con d içã o p a ra q u e h a ja re p rod u çã o, isto é , e x-p a n sã o d o x-p a re n te sco. Se a con su b sta n cia lid a d e e n tre irm ã os e ste n d e o p a re n te sco “ d e sa n g u e ” n o e sp a ço (C rock e r 1990:266), m a s e n fra q u e -ce n d o-o, a con su b sta n cia lid a d e e n tre m a rid o e m u lh e r o e ste n d e n o te m-p o (m-p e la m-p rocria çã o), e xm-p a n d in d o-o.

(23)

os C a n e la m a n tê m se u s olh os volta d os: e le corre sp on d e a o foco d e su a a çã o. O se g u n d o e m e rg e com o u m e fe ito n ã o in te n cion a l d a con stru çã o d o p a re n te sco — a b e m d a ve rd a d e , m u ita s d a s ob rig a çõe s e n tre “ irm ã os” (a q u e la s sa n cion a d a s p e la é tica d o re sp e ito e d a g e n e rosid a d e ) p a re ce m d irig id a s p a ra fre a r e sse se g u n d o m ovim e n to, p a ra con se rva r “ vivo” o p a re n te sco (a m e m ória , o a m or) e n tre a q u e le s q u e a m a tu rid a d e e o con se q ü e n te e n g a ja m e n to e m n ova s re la çõe s (n ova s fa m ília s d e p rocria çã o) in e -vita ve lm e n te , e m a lg u m a m e d id a , se p a ra rá . Esse e fe ito n ã o in te n cion a l é , e n tre ta n to, con d içã o d e tod o o p roce sso e g a ra n tia d e su a d in â m ica , p ois a lg u m a d ife re n ça é se m p re n e ce ssá ria p a ra ‘d a r in ício’ à id e n tifica çã o d os H u m a n os e n tre si e su a d istin çã o d e ou tros tip os d e su je itos p or m e io d o p a re n te sco: o e sq u e cim e n to e a d istâ n cia tê m e ssa fu n çã o p ositiva d e re p ote n cializ ar re la çõe s q u e , d e ou tro m od o, tom a d a s com o p rod u tos d e re -la çõe s a n te riore s, com o re su lta d os d a fa b rica çã o d o p a re n te sco, se ria m e sté re is. M a s é ig u a lm e n te in d isp e n sá ve l q u e a a g ê n cia h u m a n a se e xe r-ça a q u i n a d ire çã o q u e lh e ca b e ; n ã o se p od e in ve rte r se u se n tid o se m corre r o risco d e p rom ove r o se u con trá rio. N e g a r d e lib e ra d a m e n te o p a corre n -te sco — a li on d e , com o vim os, p a re n -te sco e h u m a n id a d e sã o sin ôn im os — é in trod u zir a a m e a ça d e d e su m a n iza çã o (cf. Wa g n e r 1981:120; cf. 1972). C om o d iz Vive iros d e C a stro (2002c:419420) sob re o “ fu n d o d e socia lid a d e m e ta m órfica im p lica d o n o m ito” — on d e , ju sta m e n te , a in d ife re n cia -çã o e n tre h u m a n os e n ã o-h u m a n os sig n ifica n ã o a a u sê n cia d a d ife re n ça , m a s u m a d ife re n ça in fin ita in te rn a a ca d a se r: “ O p a re n te sco h u m a n o p ro-vé m d a li, m a s n ã o d e ve ja m a is (ju sta m e n te p orq u e p od e se m p re ) volta r a li…” (Vive iros d e C a stro 2002c:420). E se o “ e sforço m a n ife sto e m d isp o-sitivos com o a cou v ad e [é o] d e corta r a s lig a çõe s p ote n cia is e n tre o re -cé m -n a scid o e a a lte rid a d e p ré -cosm ológ ica ” , com o con tin u a o a u tor (ve r Vila ça 2002), e n te n d e -se q u e o in ce sto — a o tra ta r o p a re n te com o u m n ã o-p a re n te , o M e sm o com o u m O u tro, u m H u m a n o com o n ã o-H u m a n o — a ce n e ju sta m e n te com u m ta l re torn o, e con sista a ssim e m u m a op e ra -çã o a lta m e n te a rrisca d a . M a s n e m p or isso m e n os n e ce ssá ria17.

Relação

O p rob le m a q u e o in ce sto coloca ria p a ra os Tim b ira já foi e n u n cia d o p or Pe te r G ow , e m u m a rtig o p rim oroso sob re o p a re n te sco p iro.

O s Piro se ch a m a m a si m e sm os d e y in e , “ H u m a n os” ; m a s e le s se ch a m a m

(24)

x-te n sivos: se r y in e é se r n om ole n e d e ou tros y in e ; se r H u m a n o é se r p a re n te

d e o u t r o s h u m a n o s. M a s e m c e r t o s m o m e n t o s c r ít ic o s, é p r e c iso q u e se

a ch e m y in e q u e n ã o se ja m n om ole n e (G ow 1997:48).

O p a rto, m ostra o a u tor, é u m d e sse s m om e n tos18. O ca sa m e n to (e a re la çã o se xu a l) é ou tro, ta n to p a ra os Piro q u a n to p a ra os Tim b ira (J ê ), co-m o p a ra tod os os g ru p os e n tre os q u a is o ca sa co-m e n to coco-m p rico-m os cru za d os — e , d e m od o g e ra l, com tod os a q u e le s q u e se ja m con sid e ra d os p a re n te s “ ve rd a d e iros” ou “ p róxim os” — é ‘in te rd ito’, im p róp rio ou p e rig oso. Em u m m u n d o e m q u e o ca m p o d a H u m a n id a d e e o ca m p o d o p a re n te sco se a p re se n ta m com o co-e xte n sivos, on d e se r H u m a n o é , com o d iz G ow , se r p a re n te d e ou tros H u m a n os, ca sa rse com u m H u m a n o é , e m a lg u m a m e -d i-d a , ca sa r-se com u m p a re n te . E n ã o p orq u e — com o se p o-d e ria -d ize r se r o ca so p a ra n ós — tod os os m e m b ros d a e sp é cie h u m a n a , p a rtilh a n d o u m a orig e m com u m , se ja m “ p a re n te s” , m a s p orq u e a H u m a n id a d e , com o m o-d o o-d e vio-d a q u e o-d istin g u e o cole tivo e stu o-d a o-d o p e lo e tn óg ra fo o-d e ou tros cole tivos (a n im a is, e sp íritos, m ortos, in im ig os), é a lg o q u e se con strói a tra -vé s d o p a re n te sco com ou tros H u m a n os. Em u m m u n d o com o e sse , e stá cla ro q u e o p a re n te sco n ã o p od e a p a re ce r com o ob stá cu lo p a ra o se xo ou o ca sa m e n to se m cria r o tip o d e e m b a ra ço com q u e se d e fron ta o p a i p iro d ia n te d o n a scim e n to d e se u filh o: o d e te r d e d ize r a a lg u é m , “ m e u p a -re n te , ve n h a rá p id o d e ixa r d e se r a p a -re n ta d o a m im ” (G ow 1997:49).

G ow d iz q u e su a in te n çã o é a n a lisa r o p a re n te sco p iro com o u m “ sis-te m a a u top oié tico, isto é , u m sissis-te m a q u e g e ra su a s p róp ria s con d içõe s d e e xistê n cia ” (1997:39). H á , p oré m , u m a sp e cto d e sse siste m a q u e e le te m d e in trod u zir “ d e fora ” — ju sta m e n te , a n e ce ssid a d e d o “ fora ” p a ra o p roce sso d o p a re n te sco p iro. Por q u e , a fin a l, p a ra con stru ir o p a re n te sco, é n e ce ssá ria a in te rve n çã o d e O u tros h u m a n os — q u e p or se re m O u -tros p od e m a fin a l re ve la r-se ou tra coisa q u e H u m a n os? Por q u e o in ce sto — a re p rod u çã o e n tre si — é u m p rob le m a ?

(25)

Essa re la çã o d in â m ica e n tre d ife re n ça e id e n tid a d e p a re ce -m e te r sid o m e lh or e sp e cifica d a p or m e io d a e stru tu ra q u e Vive iros d e C a stro d e scre ve com o d e “ a tu a liza çã o” e “ con tra -e fe tu a çã o” d a a fin id a d e , isto é , d a afin id ad e p ote n cial com o “ d a d o g e n é rico, fu n d o virtu a l con tra o q u a l é p re ciso fa ze r a p a re ce r u m a fig u ra p a rticu la r d e socia lid a d e con -sa n g ü ín e a ” (2002c:423-424). A con -sa n g ü in id a d e (o p a re n te sco n o se n ti-d o e strito) ti-d e ve , p or su a ve z, se r ti-d e lib e ra ti-d a m e n te fa b rica ti-d a , e xtra íti-d a d e sse fu n d o virtu a l — u m a e xtra çã o, m ostra n os o a u tor, q u e p rod u z n e ce ssa ria m e n te “ m a is a fin id a d e ” , u m a ve z q u e o “ p ote n cia l d e d ife re n cia çã o é d a d o p e la a fin id a d e : d ife re n cia rse d e la é a firm á la p or con tra e fe tu a çã o” (2002c:432). Esse d u p lo m ovim e n to Vive iros d e C a stro re p re -se n ta e m u m “ m e ta d ia g ra m a ” :

Pod e -se su b ir ou d e sce r n e ste d ia g ra m a :

[…] e n q u a n to a lg u m a s socie d a d e s su la m e rica n a s (e / ou se u s e tn óg ra fos) p a

-re ce m d a r g ra n d e ê n fa se […] a o ve tor d e con sa n g u in iza çã o q u e g u ia o p

ro-ce sso d o p a re n te sco, ou tra s m a n tê m se u s olh os firm e m e n te volta d os, p or a

s-sim d ize r, p a ra a fon te e con d içã o g e ra l d e sse p roce sso: a a fin id a d e p ote n

ci-Figura 3: “A const rução amazônica do parent esco” (segundo Viveiros

(26)

a l. Ta l d ife re n ça d e orie n ta çã o d e n tro d e u m m e sm o q u a d ro cosm ológ ico e

x-p lica , a m e u ve r, os con tra ste s q u e e stã o con sta n te m e n te vin d o à ton a n a e

t-n og ra fia d a re g iã o: p a cifism o ou b e licosid a d e , m u tu a lid a d e ít-n tim a ou re

cip rocid a d e cip re d a tória , xe n ofob ia ou a b e rtu ra a o ou tro, visa d a filosófica in tra

-m u n d a n a ou e xtra -m u n d a n a , e a ssi-m p or d ia n te . Esse s con tra ste s só p od e -m

vir à ton a : e le s sã o, p re cisa m e n te , su p e rficia is. Em q u e p e se tod a a su a sa

li-ê n cia in tu itiva , n ã o p a ssa m d e ve rsõe s p a rcia is d e u m a ú n ica e stru tu ra g e ra l

q u e se m ove n e ce ssa ria m e n te n os d ois se n tid os (2002c:455).

G ow e stá se re fe rin d o, p a re ce -m e , a e ssa m e sm a e stru tu ra q u a n d o fa la d os “ p roce ssos socia is p iro, e p orta n to o p a re n te sco p iro, […] com o a tra n sform a çã o d e O u tros e m H u m a n os, e d e H u m a n os e m O u tros, a o lon-g o d o te m p o” (1997:44), e q u a n d o d e fin e o p a re n te sco p iro e m te rm os d e u m “ vive r b e m ” q u e “ se d e sta ca con tra u m fu n d o cósm ico d e Alte rid a d e , u m m u n d o d e O u tros com q u e m os H u m a n os […] m a n tê m u m a va rie d a -d e -d e re la çõe s, m a s com q u e m n ã o se p o-d e ‘vive r b e m ’” (1997:56). C a b e e n tre ta n to le m b ra r q u e os d ois se n tid os d a tra n sform a çã o — d e O u tros e m H u m a n os e d e H u m a n os e m O u tros — n ã o sã o e q u iva le n te s: “ a lin h a q u e se sob e con tin u a n ã o se n d o a lin h a q u e se d e sce ” (Vive iros d e C a s-tro 2002c:455). Essa d ife re n ça , e m b ora m e p a re ça im p lícita n a a n á lise d e G ow , n ã o se ria e n tre ta n to a ce ssíve l d o p on to d e vista e m q u e e le se coloca , a sa b e r, o d e u m a d e scriçã o fe n om e n ológ icoloca d o “ m od o e sp e cífico p e -lo q u a l a su b je tivid a d e é p osta , e p re ssu p osta , n o e p e -lo m u n d o vivid o p iro” (G ow 1997:42). A tra n sform a çã o d e O u tros e m H u m a n os n ã o te m p a ra os su je itos o m e sm o e sta tu to q u e a tra n sform a çã o d e H u m a n os e m O u tros, e a rticu la -se à a g ê n cia h u m a n a d e m a n e ira fu n d a m e n ta lm e n te d ife re n te . A fa b rica çã o d e “ p a re n te s” , isto é , H u m a n os, é o ob je to e xp lí-cito d a con stru çã o d o p a re n te sco; a con tra -e fe tu a çã o d a a fin id a d e , u m a e sp é cie d e e fe ito cola te ra l (n ã o d e lib e ra d o) d e q u e d e p e n d e e n tre ta n to a con tin u id a d e d o d ito p roce sso, a p ossib ilid a d e d e re com e çá -lo. M in h a im p re ssã o é a d e q u e Pe te r G ow n ã o p od e e xp lica r a n e ce ssid a d e d o “ fo-ra ” e m te rm os d e u m a d e scriçã o d o siste m a d e p a re n te sco com o a u top oi-é tico p orq u e o p a re n te sco stricto se n su n ão é u m siste m a au top oié tico. Su a re p rod u çã o d e p e n d e d o q u e e stá ‘fora ’ d e le , e n q u a n to su a con d içã o.

Imagem

Figura 1: “Dist ribuição das cat egorias gerais de parent esco no espaço social”

Referências

Documentos relacionados

Ref erências bibliográf icas.. ALVES-SILVA, J ., SAN TO

Tempo de Brasília: etnografando lugares-eventos da polít ica.. Rio de Janeiro:

Poder, hierar- quia e reciprocidade: saúde e harmo- nia ent re os Baniw a do Alt o Rio Ne- gro. Rio de Janeiro: Edit ora Fiocruz (Coleção Saúde dos

Th e social org an iz ation of cu ltu re d iffe re

Rio de Janeiro: Edit ora Fiocruz (Coleção Saúde dos

Esta in clu sã o... Pa

Th e stru ctu re of social action.. En say os sob re m e tod olog ía

M adrid: Consejo Superior de Inves- tigaciones Científicas... O f im da religião: dilemas da liberdade religio- sa no Brasil e