• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.10 número2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.10 número2"

Copied!
29
0
0

Texto

(1)

O s g u ia s d e le itu ra d os clá ssicos ca e m com fre q ü ê n cia e m u m a p a ród ia in volu n tá ria . E a s p a ród ia s in volu n tá ria s d e ssa p a ród ia com p le xa e ch e ia d e in te n çõe s q u e é o Q u ix ote tê m sid o, e m g e ra l, sim p le s e sisu d a s e m e xce sso. A m a is a n tig a é a q u e e n te n d e o livro com o u m a sá tira con tra os rom a n ce s d e ca va la ria . De fa to, é e sse o p rop ósito m a n ife sto d o a u tor já n o p re fá cio, e os con te m p orâ n e os p a re ce m te r lid o su a ob ra (u m g ra n d e su ce sso d e ve n d a s) d e sse m od o. M a s e ssa in te rp re ta çã o a fu n d a n a ob -vie d a d e : se , n o m e sm o a n o (1605) e m q u e sa i a p ú b lico a p rim e ira p a rte d o livro, a s fig u ra s d e Dom Q u ixote e Sa n ch o já a p a re ce m com o m á sca -ra s e m fe sta s d e e stu d a n te s, se p a ród ia s d a ca va la ria a n d a n te já e xistia m n a é p oca , é p orq u e a m a té ria já e sta va ca rn a va liza d a1. O a u tor d o Q u ix ote a p ócrifo2, com e n ta n d o u m a d a s a ve n tu ra s d o ca va le iro, re ve la -n os q u e e ra com u m d a r e sp a ço a lou cos n os torn e ios fe stivos d e com e ços d o sé cu -lo XVII. Zom b a r d a é p ica n ã o e ra m a is n ovid a d e . C om p re e n d e -se q u e C e rva n te s ju stifica sse u m a ob ra e xtra va g a n te com u m á lib i m ora l, m a s n ã o é ca b íve l q u e e sb a n ja sse in ve n tiva , e se torn a sse u m clá ssico, a rrom -b a n d o p orta s a -b e rta s.

M e n os trivia l, e m b ora a lg u m a s ve ze s m a is ob tu sa , é a in te rp re ta çã o le g a d a p e lo rom a n tism o, q u e se p e rp e tu a n a a ce p çã o a tu a l d o te rm o “ q u i-xote sco” : a s a ve n tu ra s d o fid a lg o e n ce n a ria m o d u e lo e n tre o id e a l e a ra zã o p rá tica , o son h o e a re a lid a d e e tc. O d ile m a p od e se torn a r d e p ri-m e n te q u a n d o, e ri-m a lia n ça cori-m u ri-m ce rto n a cion a lisri-m o e sp a n h ol — ta lve z re a g in d o a o tra u m a d e lve r u m lou co con sa g ra d o com o h e rói e a rq u é tip o p á trio —, p a ssa a id e n tifica r o p ólo d o id e a l e o son h o com a Esp a -n h a ca stiça , d e rrota d a sob os g olp e s d e u m a Eu rop a m od e r-n a , p ra g m á ti-ca e b u rg u e sa (é o q u e fa z, p or e xe m p lo, M ig u e l d e Un a m u n o). Ap e sa r d o se u e n tu sia sm o, é u m a le itu ra p ou co g e n til com u m a ob ra e xtra ord i-n a ria m e i-n te a m b íg u a , e q u e d e re sto te ve se u s se g u id ore s m a is á vid os

MOIN HOS DE VEN TO

E VARAS DE QUEIXADAS.

O PERSPECTIVISMO E A

ECON OMIA DO PEN SAMEN TO*

(2)

n ã o n a Esp a n h a , m a s n a In g la te rra , ca b e ça d o p ra g m a tism o e d a m od e r-n id a d e . Pou co g e r-n til ta m b é m com o a u tor, m a rg ir-n a liza d o p e lo statu s q u o p olítico e lite rá rio d e su a é p oca , p ou co e n tu sia sta d e Fe lip e II, d a In q u isiçã o e d o re g im e ca stiço d a id a d e clá ssica e sp a n h ola . Dom Q u ixote , lon -g a m e n te ce le b ra d o com o u m a fi-g u ra m ora l p ró-m od e rn a ou a n tim od e r-n a , é u m p e rsor-n a g e m cu ja com p le xid a d e d e ve ria ta lve z lh e g a ra r-n tir u m lu g a r n ã o n a h istória d o b om se n so ou d os b on s se n tim e n tos ocid e n ta is, m a s, e n tre ou tra s coisa s, d a re fle xã o sob re o con h e cim e n to.

O Quixot e como drama do sujeit o

Dom Q u ixote , tod o m u n d o sa b e , é u m solte irã o já d e id a d e q u e , m e rg u -lh a d o n a le itu ra d e livros d e ca va la ria — u m a lite ra tu ra n ã o tã o d ista n te , m a lg ra d o o ób vio a n a cron ism o, d o a tu a l u n ive rso d os J e d is, d e Tolk ie n ou d os role g am e s —, p a ssa a ve r a s coisa s d e ou tro m od o: e m lu g a r d e m oin h os m ovid os p e lo ve oin to, vê g ig a oin te s m ove oin d o os b ra ços; e m lu g a r d e re -b a n h os d e ca rn e iros, vê e xé rcitos e n tra n d o e m -b a ta lh a ; e m lu g a r d e od re s d e vin h o, ca b e ça s a m e a ça d ora s d e m a is g ig a n te s; e e m lu g a r d e u m fid a l-g o p ob re , fra co e p rovin cia n o, vê e m si m e sm o u m ca va le iro a n d a n te .

(3)

vin h o: Du lcin e ia e stá e n ca n ta d a , tra n sform a d a e m la vra d ora . Tã o log o se u s in te rlocu tore s id e n tifica m a ch a ve d e su a lou cu ra , Dom Q u ixote n ã o p re cisa m a is se r lou co, p orq u e tod o m u n d o — o se u e scu d e iro, os se u s vzin h os e os a ristocra ta s b lasé s com q u e top a n a su a ca m in h a d a — con sp i-ra p a i-ra ti-ra ze r su a s fa n ta sia s p a i-ra o m u n d o re a l. É m a is q u e d ú b io q u e is-so con stitu a u m d u e lo e n tre re a lid a d e e ficçã o. Isis-so a con te ce n o a p ócrifo d e Ave lla n e d a , cu ja tra m a re ite ra a té o fa stio e n ce n a çõe s g rote sca s à s q u a is o ca va le iro re sp on d e com o u m a u tôm a to cré d u lo a té a ca b a r e n ce r-ra d o e m u m h osp ício. O Dom Q u ix ote au tê n tico — o d e C e rva n te s — n ã o é re fu ta d o, m a s ve n cid o d e n tro d o p róp rio rote iro q u e e le con se g u iu im -p or, d e rrota d o e m d u e lo -p or u m b a ch a re l cu ja -p ro-p e n sã o a se fa n ta sia r d e ca va le iro a n d a n te , com o p re te xto d e tra ze r Dom Q u ixote d e volta a o se n so com u m , re su lta su sp e ita . A se u m od o, o fid a lg o triu n fa sob re os b a ch a -ré is e os d u q u e s q u e d e le zom b a m , fa ze n d o-os re cria r ad h oc o m u n d o q u e e le e stá p ostu la n d o. Se a d e rrota e a m e la n colia d o fin a l p a re ce m e xp re ssa r a vitória d a d u ra re a lid a d e , n ã o se ria d e m a is le m b ra r q u e a lite ra -tu ra a r-tu ria n a , m od e lo ú ltim o d e Dom Q u ix ote , é ta m b é m o re la to d e u m fra ca sso: o re in o d e Artu r d issolve -se , se u s ca va le iros a ca b a m su a vid a co-m o p e n ite n te s e a Ig re ja fica coco-m o g u a rd iã ú n ica d os síco-m b olos.

É b om re ssa lta r q u e os ve rd a d e iros a n ta g on ista s d e Dom Q u ixote n ã o sã o, a rig or, os a u tore s d a s b u rla s, se n ã o a q u e le s q u e se n e g a m a p a rtici-p a r d o jog o, e srtici-p e cia lm e n te clé rig os q u e , com o o ca rtici-p e lã o d os d u q u e s, e ste n d e m à m a sca ra d a a m e sm a ce n su ra q u e a Ig re ja e sg rim ia con tra a d e -se n fre a d a im a g in a çã o d os rom a n ce s d e ca va la ria s5. A a n títe se n ã o se d á e n tre a im a g in a çã o e a re a lid a d e cru a , m a s e n tre d ois con tra p on tos im a g in á rios d e ssa re a lid a d e : o d a e p op é ia ca va le ire sca e o d a re lig iã o. É in te re ssa n te d e sta ca r q u e o u n ive rso re lig ioso, re g istro d om in a n te d a socie d a d e e sp a n h ola d a é p oca (m a s u m ca m p o m in a d o p a ra e scritore s in d e p e n -d e n te s), e stá sin g u la rm e n te a u se n te -d a ob ra . Dom Q u ixote só se -d e -d ica ve rd a d e ira m e n te à re lig iã o n a h ora d a m orte , já d e volta à se n sa te z.

(4)

a a m á lg a m a b a rroca d a vid a com o son h o ou com o te a tro, e sse n cia is e m C a ld e rón ou Sh a k e sp e a re ; e le , d e fin itiva m e n te , n ã o é u m ca rte sia n o, n e m tod o o con trá rio. O q u e lh e in te re ssa é d e scob rir ag ê n cia, m e sm o n os ob -je tos in e rte s.

O d e Dom Q u ixote é u m u n ive rso d e su je itos, e m q u e m e sm o os m oi-n h os e os ca roi-n e iros, p rod u tos p a ssivos p or e xce lê oi-n cia d a física a p lica d a e d a zoolog ia a p lica d a , sã o con ve rtid os e m p rota g on ista s viole n tos. Atrá s d e ssa in te rp re ta çã o e stá a ce rte za d e q u e a s coisa s n ã o tê m u m a n a tu re -za e stá ve l, m a s sim u m se r q u e d e p e n d e d e u m d e síg n io p róp rio. Atrá s d e ca d a m oin h o d e ve n to ou d e ca d a od re d e vin h o q u e se m ostra com o g ig a n te , p a ra se re d u zir d e p ois à m a té ria , e stá a von ta d e d e u m m a g o, ca p a z d e a lte ra r o se r d e tod o o e xiste n te ; e d ia n te d e sse d e m iu rg o m a lé -volo e rg u e -se o ca va le iro-h e rói ca p a z d e id e n tifica r su a s te rg ive rsa çõe s. O m u n d o e m q u e Dom Q u ixote tra ça su a s a ve n tu ra s é u m m u n d o d e con -flitos p e ssoa is — ra p tos, tira n ia s ou p risõe s —, tra va d os e n tre p e ssoa s, n o q u a l n ã o tê m lu g a r os con flitos m e d ia d os p e lo p od e r ob je tivo d a s “ coi-sa s” (a s riq u e za s, ou a s con d içõe s in a ta s d a n a tu re za h u m a n a ).

(5)

O s críticos lite rá rios — se g u in d o a p a u ta d e O rte g a y G a sse t (1914), q u e tom a d e N ie tzsch e o con ce ito —, tê m ch a m a d o “ p e rsp e ctivism o” a e sse m od o d e re la çã o com a re a lid a d e q u e d e scob rim os e m Dom Q u ix ote . O m é rito q u e coloca a ob ra d e C e rva n te s n o n a sce d ou ro d o rom a n ce m o-d e rn o e stá a í re su m io-d o: a tra m a o-d o re la to n ã o é m a is re sp on sa b ilio-d a o-d e o-d e a lg u m d e stin a d or (De u s, a Fa ta lid a d e , a N a tu re za ), m a s d o e n con tro d e u m a m u ltid ã o d e su je itos, ca d a u m com su a in te n çã o e com su a ve rd a d e . A in trig a d o livro é m ín im a , e a rig or d issolve -se e m u m d e sfile d e e p isód ios q u a se in isód e p e n isód e n te s: o q u e m ovim e n ta a ob ra é a flu tu a çã o isód os p on tos d e vista . É p or a d ota r u m ce rto olh a r sob re a s a çõe s, m a is d o q u e p e -la s a çõe s com o ta is, ou p e los se u s a trib u tos n a tos, q u e os p e rson a g e n s, in u m e rá ve is, g a n h a m su a in d ivid u a lid a d e6.

M a s o p e rsp e ctivism o te m ou tra s ve rsõe s. Tod a a d e scriçã o a n te rior d a s visõe s q u ixote sca s n ã o d e ixa rá d e e voca r a os fa m ilia riza d os com a li-te ra tu ra e tn ológ ica o con ce ito d e p e rsp e ctivism o a m e rín d io q u e Vive iros d e C a stro (1996) te m d e fin id o com o o corolá rio e tn oe p iste m ológ ico d e u m a cosm olog ia a n im ista cu jo te cid o se e n con tra n os m itos e cu jo form u -la d or p or e xce lê n cia é o xa m ã . O xa m ã (ta n ta s ve ze s d e scrito com o u m lou co p e los se u s com e n ta d ore s) é ca p a z ta m b é m d e ve r su je itos on d e os ou tros h om e n s só costu m a m ve r ob je tos, e m p a rticu la r, e le sa b e ve r os a n im a is com o p e ssoa s. Poré m , à d ife re n ça d o q u e e m p rin cíp io a con te ce com Dom Q u ixote , e ssa su a visã o é e n te n d id a p or se u s con cid a d ã os co-m o u co-m a visã o p rivile g ia d a , g n ose olog ica co-m e n te su p e rior à d os p rofa n os.

(6)

p e la von ta d e . A ú n ica e xce çã o e n con tra -se n os ca p ítu los XXV-XXVI d a p rim e ira p a rte , q u a n d o Dom Q u ixote , se g u in d o o rote iro d e u m a d e su a s a ve n tu ra s fa vorita s, d e cid e im ita r a lou cu ra d e O rla n d o: e ssa oca siã o e m q u e o ca va le iro se e sfa lfa d a n d o ca m b a lh ota s e e xib in d o su a s p a rte s ín ti-m a s é u ti-m a n ova in ve rsã o d o se u ti-m od e lo, é a ob ra d e u ti-m lou co fa ze n d o-se d e lou co, e só a í o corp o o-se torn a sig n ifica tivo. O p e rsp e ctivism o d e Dom Q u ixote é u m a a n títe se d o in cip ie n te n a tu ra lism o d o se u sé cu lo, e m -b ora isso n ã o o id e n tifiq u e n e ce ssa ria m e n te com ou tra s a n títe se s; com o p e rsp e ctivism o, p oré m , coin cid e e m a lg u n s a sp e ctos e sse n cia is com o p e rsp e ctivism o a m e rín d io.

O f im da epopéia e o declínio da magia

(7)

Dois e p isód ios fa m osos d o Q u ix ote le m b ra rã o se m d ú vid a , a os e sp e -cia lista s e m socie d a d e s e xótica s, fe içõe s típ ica s d a s via g e n s d o xa m ã . Um d e le s é o d a C a ve rn a d e M on te sin os, on d e Dom Q u ixote se in te rn a , p e n -d u ra -d o e m u m a cor-d a , p a ra se r iça -d o, su m i-d o e m p rofu n -d o son o, h ora s m a is ta rd e . Ao d e sp e rta r, a sse g u ra te r fica d o trê s d ia s n a ca ve rn a , e re la -ta os e p isód ios q u e p ôd e con te m p la r, p ro-ta g on iza d os p or h e róis d a a n ti-g a é p ica — m a s ta m b é m , e m u m a cu riosa in ve rsã o, e p isód ios ti-g rote scos e n ce n a d os p e los su je itos d a su a p róp ria fa n ta sia , e sp e cia lm e n te p or Du l-cin e ia . O e p isód io d a ca ve rn a é rod e a d o d e tod a u m a cortin a d e ce ticis-m o p e lo a u tor d o livro (q u e a d ve rte q u e se tra ta p rova ve lticis-m e n te d e u ticis-m a a ve n tu ra “ a p ócrifa ” ) e p e los p e rson a g e n s, e sp e cia lm e n te p or Sa n ch o, q u e e m b ora já h a b itu a d o a le va r a sé rio os d e va n e ios d o se u m e stre , d e s-sa ve z n ã o te m p e jo e m d u vid a r d e le s. O ou tro e p isód io é o d e C la vile ñ o, o ca va lo voa d or. Dom Q u ixote e Sa n ch o, vítim a s d e m a is u m a b u rla d os se u s a n fitriõe s, os Du q u e s, sã o e m p u rra d os a p a rtir e m u m a via g e m e ste -la r sob re u m ca va lo m á g ico. Am b os tê m os olh os ve n d a d os e m on ta m u m ca va lo d e m a d e ira . O s com p a rsa s d os d u q u e s cria m a ilu sã o d a via g e m a g ita n d o a e n g e n h oca , m im a n d o com fole s e toch a s o ve n to d a s a ltu ra s e o ca lor d a s e stre la s. Aca b a d a a b u rla , Sa n ch o d e cla ra p a ra d ive rsã o d e tod os q u e a o lon g o d a via g e m , p or u m a fre sta q u e lh e d e ixa va a b e rta a ve n d a d os olh os, tin h a p od id o ve r a te rra d e sd e a s a ltu ra s, e a lg u m a con s-te la çã o e n ca rn a d a n a su a form a sim b ólica , e m a n té m su a h istória a p e sa r d a s a rg ü içõe s d a d u q u e sa e d o p róp rio Dom Q u ixote , m u ito cé tico: “ ou Sa n ch o m e n te , ou Sa n ch o son h a ” . N o fin a l d o ca p ítu lo, Dom Q u ixote ch a -m a à p a rte a Sa n ch o e lh e d iz: “ Sa n ch o, p u e s vos q u e re is q u e se os cre a lo q u e h á b e is visto e n e l cie lo, yo q u ie ro q u e vos m e cre a is a m i lo q u e vi e n la cu e va d e M on te sin os. Y n o os d ig o m á s” .

(8)

e ssa p e rce p çã o n ã o d e p e n d e d e com p rova çõe s ou re fu ta çõe s d a e m p iria , m a s d e u m a cord o in te rsu b je tivo sob re o q u e se ja a re a lid a d e . Por ca m i-n h os m u ito d ife re i-n te s, Dom Q u ixote e i-n coi-n tra a m e sm a com b ii-n a çã o d e ce ticism o e e xe rcício m á g ico d o xa m ã Q u e sa lid , cu ja h istória foi re la ta d a p or Boa s e com e n ta d a e m u m cé le b re a rtig o p or Lé vi-Stra u ss (1985).

M a s se o Q u ixote in corp ora u m a re fle xã o im p lícita sob re a m a g ia , ou sob re o se u d e clín io, o fa z d e u m m od o cu riosa m e n te in d ire to. O livro e lu d e , com o já d isse m os, q u a lq u e r a lu sã o d e re le vo à re lig iã o, e isso e m u m a socie d a d e ob se ssiva m e n te re lig iosa ; m a s, d o m e sm o m od o, se m a n -té m a fa sta d o d a fe itiça ria con te m p orâ n e a . A m a g ia q u e a p a re ce n o Q u i-x ote é u m a m a g ia livre sca , tom a d a d e livros d e a ve n tu ra s a rca iza n te s, e n ã o a m a g ia q u e d e fa to p ra tica va m n a é p oca in u m e rá ve is sa lu d a d ore s ou fe itice ira s, ta n ta s ve ze s ch a m a d os a p re sta r con ta s a n te os trib u n a is d a In q u isiçã o, e q u e a p a re ce m u ito m a is re con h e cíve l e m ou tros clá ssicos d a lite ra tu ra e sp a n h ola , com o a Ce le stin a. De fa to e ssa m a g ia n ã o se rvia a os p rop ósitos d e Dom Q u ix ote : e la n ã o e ra (n ã o e ra m a is?) u m a visã o a l-te rn a tiva d o m u n d o.

A m a g ia con te m p orâ n e a d e Dom Q u ix ote e xiste e m u m a socie d a d e q u e te m e sta b e le cid a u m a d ivisã o e n tre fe itiça ria e re lig iã o, cu jo crité rio d e fin id or é fu n d a m e n ta lm e n te m ora l. Essa d icotom ia é , e m ú ltim a in s-tâ n cia — a p e sa r d o p e rsiste n te b ias m a n iq u e ísta —, u m a re la çã o h ie rá r-q u ica , e m r-q u e a fe itiça ria é su b a lte rn a : n ã o p ossu i u m con ju n to com p le to d e cód ig os, m a s re corre à cosm olog ia , a o p a n te ã o e e m p a rte a o ritu a l d a re lig iã o d om in a n te , d istin g u in d o-se d e la fu n d a m e n ta lm e n te p e los se u s a g e n te s, p e la m a ior p a rte d e su a s p rá tica s e p e la m a rg in a lid a d e m ora l d e u n s e ou tra s9. Essa h ie ra rq u ia , a liá s, se e sta b e le ce sob re u m g ra d ie n te , se m m a rcos b e m d e fin id os. En tre o te rre n o a lta m e n te e sp e cia liza d o d a ortod oxia te ológ ica e os b a ixos fu n d os e stig m a tiza d os e crim in a liza d os d a fe itiça ria e ste n d e -se u m a sé rie in fin ita d e re lig iosid a d e s ortod oxa s p o-ré m im p e rfe ita s, e d e “ e rros p op u la re s” q u e con ta m (se m p re q u e n ã o se a rticu le m e m torn o d e u m a h e te rod oxia ) com u m a a m p la m a rg e m d e to-le râ n cia . En fim , tod a e ssa con fig u ra çã o é re su lta d o d e u m a op e ra çã o, já m ile n a r n a q u e la é p oca , d e tra n sfe rê n cia d e p od e r e m d ire çã o a u m ce n -tro ocu p a d o p e la Ig re ja .

(9)

sim b ólica d o q u e vie m os d e p ois a ch a m a r n atu re z a: os “ rú sticos” d o títu lo, e m b ora su p e rficia lm e n te e va n g e liza d os, con tin u a m d a n d o cu lto a á rvore s, a n im a is, fon te s, p e d ra s, a os q u a is a trib u e m p e rson a lid a d e , vid a e u m p o-d e r q u e , p a ra q u e a cristia n iza çã o se ja e fe tiva , o-d e ve se r in te ira m e n te tra n s-fe rid o p a ra a s fig u ra s d o p a n te ã o cristã o10. O te xto d e M a rtin h o, com o ou tros e q u iva le n te s con te m p orâ n e os, p od e ria se m m u ito e sforço se r a d a p ta -d o p a ra o u so -d e sse s e va n g e liza -d ore s q u e a in -d a h oje te n ta m e rra -d ica r e r-ros a n im ista s d a s p op u la çõe s in d íg e n a s d e ste ou d a q u e le con tin e n te11.

O s re su lta d os d e sse p rog ra m a p ou co m a is d e u m m ilê n io m a is ta rd e — n a é p oca e m q u e Dom Q u ixote in icia su a s a tivid a d e s — sã o m u ito m a is d ifíce is d e re su m ir. Prim e iro, p orq u e sã o in d izive lm e n te a m b íg u os, e ta m -b é m p orq u e os p e sq u isa d ore s, n a su a m a ior p a rte , tê m se in te re ssa d o p or e le s com o olh a r d irig id o à s orig e n s. Fa re i a q u i re fe rê n cia à s m in h a s p ró-p ria s in ve stig a çõe s sob re u m a re g iã o se te n trion a l d a Esró-p a n h a , e m b oa p a rte a p oia d a s e m d ocu m e n tos d os sé cu los XVI e XVII q u e d e scre ve m fe n ôm e n os cu ja lon g u e d u ré e p od e va lid a r e sta s ob se rva çõe s sé cu los a n -te s ou d e p ois (C a la via Sá e z 1991; 1997; 2002).

Ap e sa r d e M a rtin h o d e Bra g a e se u s su ce ssore s, a re lig iã o “ p op u la r” con tin u a in fe sta d a d e á rvore s, sa n tos, u rsos, se rp e n te s, ce rvos e fon -te s. Um a rá p id a re visã o p e rm i-te con sta ta r u m a -te n sã o e n tre a -te n d ê n cia cle rica l d e fa ze r d e le s u m a d e cora çã o n a tu ra l a trá s d a s fig u ra s d o p a n te ã o cristã o e a s ve rsõe s m a is “ p op u la re s” ou “ a rca ica s” , ou sim p le sm e n te m e n os cle rica is, q u e ou torg a m a tod os e le s u m p rota g on ism o e m con tin u id a d e com o q u e lh e s a trib u e m os con tos folclóricos. Um b om e xe m -p lo -p od e se r o d a re la çã o e n tre a s im a g e n s d e N ossa Se n h ora e a s á rvo-re s. Em b ora te n h a m a ca b a d o com o sim p le s p e d e sta is sob rvo-re os q u a is a Virg e m a p a re ce (é o ca so d a a zin h e ira d e Fá tim a , já n o sé cu lo XX), a s á r-vore s tê m n a s ve rsõe s m a is “ a rca ica s” u m p a p e l m u ito m a is a tivo, com o u m a e sp é cie d e ve n tre g e ra d or d a im a g e m , ou com o va g a s m e ton ím ia s d e e sp íritos flore sta is; ou se vê e m in scrita s e m u m a m itolog ia im p lícita d o m e l e d a s a b e lh a s n ã o tã o d ista n te d a q u e se p od e e n con tra r e n tre os a m e rín d ios (Lé vi-Stra u ss 1982 [1966]); a u rsa q u e re sg a ta a Sa n ta C olo-m a d os se u s tortu ra d ore s é u olo-m a u rsa , se olo-m q u e n in g u é olo-m le olo-m b re d e fa ze r d e la u m a n jo d o cé u ; e n ã o h a ve ria com o fa ze r a n jos d o cé u d e ssa s le oa s e tig re sa s q u e a ssiste m à s p re g a çõe s d e Sã o Form é rio n o d e se rto e d e -p ois o a lim e n ta m com se u le ite .

(10)

p re se rva çã o d e ve lh os d e u se s; m u ito p e lo con trá rio, e n q u a n to n a á re a d os sa n tos m a n té m -se p a cifica m e n te b oa p a rte d os ve lh os a trib u tos, o m u n d o d os d e m ôn ios é su b m e tid o a u m a m a ior in te rve n çã o p or p a rte d a Ig re ja , e se vê su je ito a ra d ica is tra n sform a çõe s e m p ou cos sé cu los; e m ce rto se n tid o, o in fe rn o é a m a is cristã d a s re g iõe s d o cosm os ca tólico.

Re strin g in d o-n os a e ssa p a rte m a ld ita (C a la via Sá e z 1991), p od e m os p e rce b e r q u e d u ra n te lon g o te m p o (e n tre a é p oca ta rd o-rom a n a e a a lta Id a d e M é d ia ) o d ia b o se m a n ife sta com o u m a a lte ra çã o corp ora l d o p os-se sso, p re so a u m a e sp é cie d e a n tid iscip lin a fe ita d e m a u s g e stos, g ritos, e sp a sm os e su jid a d e . É o se u in g re sso n o corp o h u m a n o q u e d á re a lid a -d e a o -d ia b o, m u ito a n te s q u e se com e ce a lh e a trib u ir u m a form a corp o-ra l e sp e cífica — fe ita d a a cu m u la çã o d e e xtre m id a d e s a n im a is sob re u m tron co h u m a n o — e a n te s q u e o m u n d o d ia b ólico com e ce a con stitu ir-se com o e sse u n ive rso a u tôn om o, com su a s le is, su a s h ie ra rq u ia s e tc. q u e já e n con tra m os n a lite ra tu ra d o sé cu lo XIII. Tra n sp la n ta d o a ssim p a ra u m a d im e n sã o sob re n a tu ra l, o d ia b o d e ve re d e fin ir su a s re la çõe s com o n a tu -ra l, e a q u i, n a s n a r-ra çõe s q u e já n o sé cu lo XVII se d e d ica m à p osse ssã o d ia b ólica , se ob se rva u m a cu riosa m u ta çã o: o e sp a lh a fa to e a violê n cia d os a n tig os p osse ssos con tin u a m , m a s a g ora sã o cla ssifica d os com o m e lan colia, e n te n d a se , com o o e fe ito a n ím ico d e u m d e se q u ilíb rio d os h u -m ore s corp ora is. A p osse ssã o d ia b ólica , p or su a p a rte , n ã o e stá a u se n te , m a s se u s re su lta d os sã o a g ora d ia m e tra lm e n te d ife re n te s: e la p rod u z p e rtu rb a çõe s in te riore s, d e lírios, triste za s, a fliçõe s d a a lm a , e m som a . N o p a n ora m a d a s a fliçõe s con te m p orâ n e a s d o Q u ixote e n con tra m os vá rios e le -m e n tos n ovos: a a p a riçã o d e u -m d o-m ín io in te rior, o d a a l-m a , e o d e fin iti-vo e sp ólio d a a tivid a d e d e u m in vólu cro, o corp o, cu ja s m a n ife sta çõe s a p a rtir d a í d e corre rã o d e con d içõe s p u ra m e n te física s. O triâ n g u lo ortod o-xo d e n a tu re za , sob re n a tu re za e h u m a n id a d e e stá b e m tra ça d o, e m b ora a p a re ça b orra d o n a s p re cá ria s ve rsõe s “ p op u la re s” .

(11)

-q ü ê n cia in in te lig íve l. A p a rtir d a í in icia -se o m on op ólio d o p od e r p or u m ú n ico su je ito d ivin o: a p otê n cia d os sa n tos ou m e sm o d e N ossa Se n h ora , lim ite d o m on ote ísm o p ré vio à Re form a , se ve rá re d u zid a a con se q ü ê n cia d o ú n ico p od e r re a l, o d ivin o, d o q u a l tod os e le s sã o, n o m á xim o, m e d ia -d ore s. O -d e stin o -d o Dia b o é m a is -d e lica -d o, m a s, e m ú ltim o te rm o, n ã o -d i-fe re n te : e le a g irá sob su a p róp ria re sp on sa b ilid a d e m a s com a “ p e rm is-sã o” d e De u s, e o m a l d e ve rá se r e n te n d id o com o n e g a tivid a d e , n ã o com o u com a re a lid a d e con siste n te . As ob ra s d ia b ólica s d e ve com se r p or isso ilu -sória s, e rros d e p e rce p çã o se m su b stâ n cia13. Por volta d o sé cu lo X, e ssa d ou trin a já e sta va b e m d e fin id a n o cé le b re Can on Ep iscop i, q u e , e m sín te se , d e sca rta com o h e ré tica s a s d ou trin a s q u e ou torg a m re a lid a d e à s m e ta m orfose s e ou tra s ob ra s d ia b ólica s, le va n d o m u ito p e rto d a su a con clu -sã o a op osiçã o e n tre n atu ra n on n atu rata n atu ran s (ou se ja , De u s) e a n a-tu ra n aa-tu rata (n aa-tu ran s ou n on n aa-tu ran s; ou se ja , a s cria a-tu ra s viva s ou n ã o) d e q u e fa la va Escoto Eríg e n a ; o p a sso se g u in te se rá e ssa n a tu re za d e te rm in a n te m a s in e rte d a visã o p ositivista e m se n tid o la to. C om o b e m m ostrou Ke ith Th om a s (1991), a re lig iã o tom ou a si o tra b a lh o d e e rra d i-ca r o p e n sa m e n to m á g ico — u m tru n fo q u e d e p ois a Ilu stra çã o u su rp ou —, d e ixa n d o com o h e ra n ça a d icotom ia e n tre h u m a n id a d e e n a tu re za e con ve rte n d o a sob re n a tu re za e m u m re síd u o.

N a é p oca d e Dom Q u ixote , q u a n d o a C on tra -Re form a com e ça a d i-vu lg a r p or tod os os m e ios e ssa d icotom ia e ru d ita e n tre p op u la çõe s d e fi-cie n te m e n te ca te q u iza d a s, a m a g ia p op u la r a te m a ssim ila d o já e m b oa m e d id a , e n q u a n to a m a g ia cu lta se a p roxim a n o p ossíve l d os re cu rsos d a ciê n cia (C a ro Ba roja 1990). A rig or, a m a g ia n ã o d e clin a : tra n sform a -se e m m a g ia “ n a tu ra lista ” . C orp o e a lm a sã o e n tid a d e s b e m se p a ra d a s, e tod a u m a m itolog ia te cid a n a s re la çõe s e n tre h u m a n os e os se re s d e a í e m d ia n -te “ n a tu ra is” d e ve se r re le g a d a a o â m b ito d o a b su rd o, d a cre n d ice e d o e ro p op u la r (ou d o m ila g re a con te cid o lá e q u a n d o De u s te ve p or b e m p e r-m itir ta is coisa s). Tru n fo d a Ra zã o av an t la p ag e , e ssa re org a n iza çã o d o m u n d o sim b ólico te m o in con ve n ie n te d e u m a ra d ica l con ce n tra çã o d o p o-d e r sim b ólico e cog n itivo e m p ou ca s m ã os, p re fe re n cia lm e n te cle rica is; u m a con ce n tra çã o p ou co a lvissa re ira p a ra os g ostos n ôm a d e s d o ca va le iro. Às volt as com o recalcado

(12)

n u n ca se con form ou tota lm e n te com o m on op ólio cle rica l, p od e se r ra s-tre a d a , p or e xe m p lo, n a s m itolog ia s d a s ca sa s n ob iliá ria s, q u e e xib e m m u ito à von ta d e su a vin cu la çã o com se re s p ré vios à con sa g ra çã o d a s d i-cotom ia s, d o tip o d a s se re ia s, q u e d e sd e a lite ra tu ra e a a rte d isp u ta rã o o lu g a r com a cosm ovisã o te ológ ica (Le G off 1977; Prie to La sa 1994). Essa s a p a riçõe s d e M e lu sin a s ou An d ra m a ris (se re s m istos d e h u m a n o e a n i-m a l, ou ve g e ta l, ou i-m in e ra l) p re lu d ia i-m , d e re sto, o u so q u e d ois sé cu los m a is ta rd e se d a rá à s fig u ra s d a m itolog ia clá ssica .

(13)

d os d a Ig re ja C a tólica . Du ra n te u m te m p o, os ca ça d ore s d e b ru xa s con -se g u e m im p or u m a in te rp re ta çã o d u ra n te sé cu los b a n id a d a ortod oxia , a trib u in d o re a lid a d e à ca p a cid a d e d e tra n sform a çã o, à s via g e n s n otu rn a s e à s a çõe s m á g ica s, e le m e n tos q u e a lg u m a ve z, p rova ve lm e n te , fize ra m p a rte d o u n ive rso sim b ólico p ré -cristã o, e q u e tin h a m sid o a b olid os n o p roce sso a n te s d e scrito.

(14)

te ste m u n h a s frá g e is ou d e sq u a lifica d a s, in tim id a çõe s e tc. — q u e tin h a m com o fon te d e in sp ira çã o a p róp ria p rop a g a n d a in q u isitoria l. A e p id e m ia d a s b ru xa s e ra d ifu n d id a p e los m e sm os p re g a d ore s q u e te n ta va m e rra d icá la , e o se u re m é d io e sta va sim p le sm e n te n a n e u tra liza çã o d e ssa s fon -te s d e in form a çã o. O p on to d e vista d e Sa la za r im p ôs-se com o d ou trin a oficia l e , d e fa to, o p roce sso d e Log roñ o foi o p on to fin a l d a p e rse g u içã o à s b ru xa s n a p e n ín su la . À in q u isiçã o e sp a n h ola — rig orosa m e n te ce n tra -liza d a , à d ife re n ça d e ou tra s in q u isiçõe s e u rop é ia s — a trib u iu -se ju risd i-çã o e xclu siva sob re a ssu n tos d e b ru xa ria . N a p rá tica , isso sig n ificou q u e a s b ru xa s, su b tra íd a s à ju stiça civil (on d e se u d e lito e ra m otivo d e p e n a ca p ita l), e sca p a va m com p e n a s le ve s d e p e n itê n cia ou d e ste rro; u m m é ri-to q u e n ã o se p od e n e g a r a u m trib u n a l q u e , d e re sri-to, con tin u ou su a p e rse g u içã o im p la cá ve l a h e ré ticos (b e m p ou cos já , n a q u e le m om e n to) e ju -d a iza n te s (ca -d a ve z m e n os)15. Ta lve z se p ossa e xtra ir d e sse con tra ste e n -tre o a p e tite d ife re n cia d o d os in q u isid ore s d e u n s e ou tros p a íse s u m a con clu sã o q u e p a ira e n tre Dou g la s e Fou ca u lt: e m q u a lq u e r ca so, h a via a n e ce ssid a d e d e m a g n ifica r u m in im ig o q u e , se n a Esp a n h a já e sta va cla ra m e n te d a d o p e la s su a s m in oria s é tn icore lig iosa s (ca d a ve z m a is im a -g in á ria s), n a Eu rop a — u m ta n to m a is tole ra n te com a s d ife re n ça s d e con sciê n cia — d e via se m a n ife sta r ta m b é m e m u m a a b solu ta e n te lé q u ia . Por a ssim d ize r, o ve lh o xa m a n ism o foi re ssu scita d o e m tod o o se u vig or n a Eu rop a p a ra ju stifica r u m a p e rse g u içã o cru e l d os se u s m irra d os h e r-d e iros e a g lorifica çã o in g lória r-d os n a sce n te s a p a ra tos r-d e p or-d e r.

(15)

re le itu ra p e rsp e ctivista n ã o se p rod u z e m q u a lq u e r te rra in cóg n ita , se n ã o, p or a ssim d ize r, n as v iz in h an ças d a ra zã o: o ca va le iro lou co é ta m b é m u m h om e m se n sa to; os in q u isid ore s e ca ça d ore s d e b ru xa s sã o ta m -b é m a g e n te s d a e xp a n sã o d o p od e r d o Esta d o, e e la -b ora m se u s d e lírios se g u in d o os m é tod os e scolá sticos. As se m e lh a n ça s p a ra m p or a í: o Q u i-xote a ca b a se n d o u m a d e m on stra çã o d a con ve rsib ilid a d e d a s visõe s d e m u n d o, e n q u a n to a n e fa sta e p op é ia d a ca ça à s b ru xa s, re a liza d a e m p le -n o a lvore ce r d a Era d a Ra zã o, a ca b a se -n d o fa -n ta sia d a d e p a ra d ig m a d a irra cion a lid a d e , e a trib u íd a p e los ra cion a lista s, a n a cron ica m e n te , à Id a d e M é d ia . M a s a s id a d e s n u n ca e stive ra m tã o se p a ra d a s q u a n to o g ra n d e re la to m od e rn o p re te n d e .

(16)

É e ste u m m od o, com o ta n tos, d e sin te tiza r, n e ste ca so e m torn o d o p a r su je ito-ob je to, o con tra ste e n tre d ois tip os d e p e n sa m e n to, ch a m a d os, re sp e ctiva m e n te , d e “ m á g ico” (ou “ p rim itivo” , ou “ p ré -lóg ico” , ou u m lon g o e tc.) e “ ra cion a l” (ou “ p ositivo” , ou “ cie n tífico” e tc.). A m u d a n ça d o p rim e iro p a ra o se g u n d o ob je to d e n a rra çõe s b e m con h e cid a s, e m q u e os ca sos q u e n os ocu p a ra m a q u i costu m a m se r cita d os e m d e sta q u e : o d e clín io d a m a g ia , o d e se n ca n ta m e n to d o m u n d o, o a d ve n to d a s lu ze s e tc. Tod os e sse s g ra n d e s re la tos costu m a m coin cid ir n o se n tid o d a n a rra -çã o, q u e se m p re com e ça n a m a g ia e a ca b a n a s lu ze s; coin cid e m ta m b é m n a fu n d a m e n ta l irre ve rsib ilid a d e d o p roce sso (cu ja s re vira volta s n ã o p a s-sa m d e e p isód ios a n ôm a los). O u tro tra ço com u m é a lon g u e d u ré e a trib u íd a a o p roce sso, a d e q u a d a a u m a tra n sform a çã o cu jos p a ssos con cre -tos n ã o e stã o cla ros (h á e xce çõe s, com o a d o e stu d o já cita d o d e Ke ith Th om a s) e q u e , p orta n to, re su lta m a is ve rossím il q u a n d o a p re se n ta d a co-m o u co-m a le n ta e xp a n sã o ca p ila r, coco-m o u co-m a co-m a tu ra çã o con stitu íd a d e ín fim a s fim u d a n ça s. C ofim o ch e g a r d o p e n sa fim e n to p ré lóg ico a o ra cion a l? Afim -b os e stã o d ista n te s, a via g e m d e ve te r sid o lon g a . O s ca sos q u e te m os e xa m in a d o a q u i n os in d ica m , p oré m , q u e os su p ostos p on tos d e p a rtid a e d e ch e g a d a con vive m n a sin cron ia (a lg o q u e te m sid o m ostra d o à e xa u stã o n a lite ra tu ra a n trop ológ ica ); m ostra m ig u a lm e n te (e m te rm os h ip oté -ticos n o ca so d o Q u ix ote , h istóricos n o d a ca ça à s b ru xa s) q u e o ca m in h o p od e se r re ve rtid o, o q u e ta m b é m n ã o é a rig or u m a n ovid a d e . M a s m os-tra m , sob re tu d o, a e con om ia d e m e ios com q u e , n o ca so, u m u n ive rso p e rsp e ctivista p od e se r fe liz ou in fe lizm e n te re e rg u id o a p a rtir d e u m u n i-ve rso já con siste n te m e n te org a n iza d o e m torn o d a d icotom ia n a tu ra l/ so-b re n a tu ra l. Se o p e rsp e ctivism o p od e se r (p a ra fra se a n d o livre m e n te Vi-ve iros d e C a stro 1996) e n te n d id o com o u m a e p iste m olog ia , e n ã o n e ce s-sa ria m e n te com o u m a e p isté m e , ou com o u m a visã o d e m u n d o, é p orq u e su g e re a lg o m u ito m a is a u tôn om o e p ortá til, p oré m socia lm e n te m a is d e n -so (u m a e p iste m olog ia p re cisa d e a g e n te s e d e le g itim a çã o) q u e u m a a l-te rn a tiva cog n itiva (Sp e rb e r 1982).

(17)

Coda ameríndia

Volta n d o o olh a r p a ra o m u n d o a m e rín d io, q u e a té a g ora só foi cita d o co-m o u co-m p a n o d e fu n d o ico-m p e rce p tíve l, e ssa a u ton oco-m ia d e q u e a ca b a co-m os d e fa la r n os a n im a a e xa m in a r a s m ú ltip la s va ria n te s e m q u e e sse p e rsp e ctivism o se m a n ife sta , e ta m b é m a s su a s tra n sform a çõe s q u a n d o con -fron ta d o a p roce ssos d e cristia n iza çã o ou d e folcloriza çã o d os u n ive rsos sim b ólicos in d íg e n a s. N ã o p od e re i a q u i se n ã o re tom a r e xe m p los q u e já tra te i e m ou tros e scritos: se m sa ir d e u m ca m p o cu ltu ra l e lin g ü istica m e n -te m u ito h om og ê n e o, e p ovoa d o p or u m a m e sm a m itolog ia , se rá p ossíve l e n con tra r con tra ste s e p istê m icos m u ito con sid e rá ve is. Du a s m itolog ia s tã o p róxim a s com o a d os Ka xin a w á d e com e ços d e sé cu lo (Ab re u 1941) e a d os Ya m in a w a d os fin a is d e sse m e sm o sé cu lo (C a la via Sá e z 2001; 2002a ; 2002b ; 2004) p od e m , se n d o a s d u a s p e rfe ita m e n te “ p e rsp e ctivis-ta s” , d a r ve rsõe s d ive rsa s d e ssa m e sm a te oria .

N o ca so k a xin a w á , a s re la çõe s e n tre os d ive rsos d om ín ios (h u m a n os e n ã o h u m a n os) a p a re ce m d e fa to com o m e tam orfose s: os h u m a n os q u e , p or u m m otivo ou ou tro, d e cid e m vira r a n im a is, con se g u e m -n o se tra n s-form a n d o fisica m e n te , a d ota n d o p ostu ra s e h á b itos a lim e n ta re s a n im a is, ou fa b rica n d o p a ra si m e m b ros a n im a is — ca u d a s, focin h os, ca scos d e q u e lôn io —, a p a rtir d e g a lh os, a rg ila ou tin ta s. O m otivo d a tra n sform a -çã o é , e m tod os os ca sos, u m ce rto h ia to corp ora l q u e já e xiste e n tre o p rota g on ista e o se u g ru p o, e n te n d e n d o a q u i a corp ora lid a d e e m u m se n -tid o a m p lia d o p a ra in clu ir a s troca s d e su b stâ n cia . Assim , u m a le ija d o q u e n ã o con se g u e d e sloca r-se se n ã o ra ste ja n d o se tra n sform a e m ja b oti, d e p ois d e p in ta r n a s costa s o p a d rã o d o ca sco d o a n im a l; ou u m a viú va com filh os, e se m h om e m q u e p ossa lh e p rove r a lim e n tos, se tra n sform a e m ta m a n d u á com os se u s re b e n tos, in se rin d o n o â n u s u m g a lh o d e p a l-m e ira q u e il-m ita a ca u d a d o a n il-m a l, h a b itu a n d o-se à su a d ie ta sób ria ; ou tod o u m g ru p o fru stra d o p e la a titu d e d e u m d os se u s m e m b ros (u m a jo-ve m q u e se n e g a a ca sa r) se tra n sform a e m va ra d e q u e ixa d a s, com e n d o u m cozid o d e p a xiu b in h a e con stru in d o com a a ju d a d e b a rro e p e d a ços d e p a n e la corp os e ca b e ça s d e p orco se lva g e m . Em q u a lq u e r ca so, tra ta -se d e corp os q u e , p or m e io d e p roce ssos d e scritos com u m ce rto d e ta lh e , a d q u ire m n ova s form a s e n ova s ca p a cid a d e s, ou , m a is e xa ta m e n te , q u e e la b ora m p ositiva m e n te u m a d ife re n ça física q u e já m a rca va n e g a tiva -m e n te su a situ a çã o a n te rior. O s a rtifícios a p lica d os n o corp o con stroe -m a p a rtir d e u m a p ré via d ive rsid a d e d e n a tu re za s.

(18)

e sse n cia lm e n te tran slad açõe s d a visã o, ob tid a s m e d ia n te o u so d e u m a e sp é cie d e colírio m á g ico e a im e rsã o e m u m d om ín io a lh e io — via d e re -g ra , o fu n d o d a s á -g u a s, m a s ta m b é m e ve n tu a lm e n te o in te rior d a flore ta , ou o cu m e d a s á rvore s —, ou e m u m ca so m e d ia n te o u so d a a ya h u a s-ca16. O p rota g on ista , com a a ju d a d o re m é d io p in g a d o n os olh os, p e rce b e a s cob ra s, a s q u e ixa d a s ou os m a ca cos com o h u m a n os, p e rce b e os p o-çõe s d o rio ou os b a rre iros com o a ld e ia s h u m a n a s, se m q u e a rig or n a d a a con te ça com os corp os ou os lu g a re s e m q u e stã o... Pod e ría m os a té d ize r q u e e ssa d ife re n ça e voca ria a d ife re n ça cristã e n tre tra n sform a çõe s re a is e ilu sória s, n ã o fosse p or e sse “ re síd u o” corp ora l q u e d e tod o m od o p e r-siste n os re la tos: o colírio m u d a o m od o d e ve r, m a s ta m b é m p e rm ite a o p rota g on ista re sp ira r sob a s á g u a s. O p rota g on ista d e u m d os m itos m a is p op u la re s “ vira q u e ixa d a ” só p orq u e o colírio lh e d e ixa ve r a s q u e ixa d a s com o p e ssoa s; m a s d e p ois d a lon g a con vivê n cia q u e lh e é a ssim p e rm itid a , su a s costa s com e ça m a fica r p e lu itid a s e a su a p ostu ra cu rva itid a . O p on -to d e vista lig a -se a o corp o, e m b ora d e sse m od o tê n u e , com a m e sm a fi-d e lifi-d a fi-d e q u e , e m ou tro se n tifi-d o, fa z com q u e n os con tos fa n tá sticos e u ro-p e u s u m a ro-p rin ce sa ou u m e m ro-p re g a d o d e com é rcio tra n sform a d os e m a sn o ou b a ra ta cosn se rve m , m a l q u e p e se a su a sn ova form a física , su a s m a -n e ira s ou se u s a fe tos d e p ri-n ce sa ou d e e m p re g a d o, m a -n te -n d o e stá ve l a re la çã o e n tre o su je ito e o q u e d e n tro d e ssa tra d içã o con stitu i su a su b je -tivid a d e . Em b ora situ a d a s in e q u ivoca m e n te n o re g istro d a p e rce p çã o — e n ã o n o d a m e ta m orfose —, a s n a rra tiva s ya m in a w a sã o p or isso u m a ve rsã o “ óp tica ” d o p e rsp e ctivism o à a m e rín d ia , e n ã o u m a ve rsã o a m a -zôn ica d o id e a lism o. A d ife re n ça e n tre a s tra n sform a çõe s k a xin a w á e a s tra n sla d a çõe s ya m in a w a é con siste n te com u m ou tro con tra ste e n tre a m -b os os p ovos, -b e m con h e cid o p e los e sp e cia lista s e m e tn olog ia p a n o ou p e los in d ig e n ista s d o Acre : os Ka xin a w á e n tre g a m -se a u m cu ltivo socia l d o corp o p or m e io d e p in tu ra s e ritu a is q u e fa lta e n tre a os Ya m in a w a17. Essa d ife re n ça n ã o p od e se r fa cilm e n te re d u zid a a u m a op çã o d e p re se r-va çã o ou p e rd a d e a ce rvo cu ltu ra l; d e fa to, os Ya m in a w a tê m u m tip o d e p in tu ra corp ora l — ch a m a d a p re cisa m e n te d e y am in aw a k ë n e p e los vizin h os Ka xivizin a w á — re d u zid a a p e q u e vizin os g ra fism os sob re o rosto, cu ja re -la çã o com a s p in tu ra s k a xin a w á , q u e te n d e m a cob rir o corp o com a su a m a lh a , é a m e sm a q u e os re síd u os d e corp ora lid a d e d os m itos ya m in a w a tê m com a con stru çã o d e corp os tra n sform a d os n a m itolog ia k a xi. A ê n -fa se n a a çã o sob re o corp o é a m e sm a n a m itolog ia e n a a tivid a d e ritu a l.

(19)
(20)
(21)

m a to, m a lg ra d o a re sistê n cia d e su a s com p a n h e ira s. O s a tos d e lice n ça se xu a l q u e a p a re n te m e n te se se g u ia m , in te rp re ta d os n a le m b ra n ça com o oca siã o p a ra os d e se jos e xce d e n te s d e h om e n s ou m u lh e re s, m a s q u e e ve n tu a lm e n te p od ia m ta m b é m d a r lu g a r a m a trim ôn ios, im p lica va m q u e a b rin ca d e ira só p u d e sse se r re a liza d a com p rop rie d a d e e n tre g ru p os d i-fe re n te s, ise n tos d e vín cu los d e con sa n g ü in id a d e . Ad ve rso a o g osto d os ve lh os m ission á rios e d os n ovos a lia d os n o m u n d o d a s O N G s e d o e co-b u ssin e ss, e ta m co-b é m , ta lve z, a lh e io à n oçã o d e u m a e tn ia d iscre ta q u e a p róp ria m e tá fora d a va ra d e q u e ixa d a s se rvia p a ra ilu stra r, o a n im a d o jo-g o ficou fora d a cu ltu ra in d íjo-g e n a re cu p e ra d a20. C om su a in trin ca d a p rod u çã o rod e e q u a çõe s e vín cu los sim b ólicos (h om e n s e m u lh e re s com o re -p re se n ta n te s d e e s-p é cie s d ife re n te s; a fin s e m -p osiçã o re la tiva d e ca ça e ca ça d or; a s q u e ixa d a s, ca rn e d e ca ça e m se n tid o a lim e n ta r, torn a d a s ca ça d ora s e m se n tid o se xu a l; a tra n sform a çã o ritu a l d u p lica n d o e in ve rte n -d o a tra n sform a çã o n a rra -d a n os m itos e tc. e tc.), a “ b rin ca -d e ira -d e q u e i-xa d a ” e ra u m b om e xe m p lo d o a lto re n d im e n to d e u m a cosm olog ia p e rsp e ctiva q u e tin h a n os corrsp os se u rsp rin cirsp a l ca m rsp o d e orsp e ra çã o. Alte ra -çõe s m u ito e con ôm ica s, n o e n ta n to, con se g u ira m fa ze r d e ssa cosm olog ia a lg o a ssim com o u m tote m ism o n o se n tid o clá ssico lé vi-stra u ssia n o: m a is u m re cu rso cla ssifica tório q u e u m d iscu rso sob re a con e xã o e n tre os se -re s. Pa ra fra se a n d o o q u e d iz Fou ca u lt n o fin a l d o ite m d e d ica d o a o Q u ix ote e m A s p alav ras e as coisas, a q u e stã o n ã o se rá m a is a d e ssa s con e xõe s (Fou ca u lt d iz “ sim ilitu d e s” ), m a s a d a s id e n tid a d e s e d a s d ife re n -ça s. A p a rtir d a í, os m e sm os sím b olos p a ssa m a se r lid os d e m od o b e m ou tro: os m oin h os se rã o g ig a n te s p orq u e , com o su p u n h a Un a m u n o, re -p re se n ta m a força h e rcú le a d a m od e rn id a d e ; e a s q u e ixa d a s se rã o se re s h u m a n os p orq u e re p re se n ta m a u n id a d e tra d icion a l d e u m p ovo in d íg e n a .

Re ce b id o e m 15 d e d e ze m b ro d e 2003

Ap rova d o e m 15 d e fe ve re iro d e 2004

(22)

Not as

* N o q u e se re fe re à su a “ cod a a m e rín d ia ” e ste te xto e stá b a se a d o e sse n cia l-m e n te n a s l-m in h a s p e sq u isa s d e ca l-m p o e n tre os Ya l-m in a w a e l-m 1993, a u sp icia d a s p e la Fa p e sp , e e n tre os Ya w a n a w a e m 1998, d e n tro d o p roje to TSEM IM fin a n cia -d o p e la Un iã o Eu rop é ia . A M ig u e l C a ri-d e La u ra Pé re z, a lu n os -d o PPG AS-UFSC , d e vo va liosa s in form a çõe s com p le m e n ta ria s e m a m b os ca sos. Ag ra d e ço ta m b é m a M C N su a le itu ra , se u s com e n tá rios e corre çõe s à p rim e ira p a rte d o a rtig o.

1A le itu ra d o Q u ixote q u e a p re se n to a q u i d e ve m u ito a u m a d e ssa s g u ia s, a d e M a rtín d e Riq u e r (1970) q u e , a p e sa r d e se r e n fá tica n e ssa in te rp re ta çã o d o Q u ixote com o sá tira q u e e stou a re je ita r, ofe re ce u m ú til rote iro d e le itu ra , ofe re -ce n d o a p rofa n os e m filolog ia (com o o a u tor d e sta s p á g in a s) in form a çõe s sob re o con te xto, sob re a s su tile za s d o te xto, e tc. Evita re i cita r a ca d a m om e n to, n o m e u re su m o d o Q u ixote , e ssa fon te , q u e d e ou tro la d o, d e vid o à fid e lid a d e a o te xto q u e se su p õe p róp ria d a p rofissã o, e vita n o g e ra l e xe g e se s m ira b ola n te s. N ã o é e sse o ca so d e Am é rico C a stro (2002) filólog o ta m b é m , m a s filólog o ta lve z p or fa l-ta d e u m a a n trop olog ia e sp a n h ola con d ize n te com a su a im a g in a çã o. De le e stá ti-ra d a a ê n fa se n a su b je tivid a d e com o cla ve d o Q u ixote , e su a in te rp re ta çã o se e s-te n d e ta m b é m sob re q u e stõe s q u e a p e n a s se rã o su g e rid a s a q u i, com o a in se rçã o d e ssa lite ra tu ra e d e ssa su b je tivid a d e n o u n ive rso d os ou tca st con ve rsos e sp a -n h óis. De re sto, e a b u -n d a -n d o -n a i-n te rp re ta çã o sa tírica d o rom a -n ce , q u e com o d is-se m os n ã o é in fe rid a , m a s tom a d a lite ra lm e n te d e ste , d e ve ría m os le m b ra r q u e e la n ã o p a re ce se r in com p a tíve l com o a b e rto e log io (cf. ca p ítu lo VI) d e a lg u m a s d a s ob ra s m a is ca ra cte rística s d o g ê n e ro d e ca va la ria , in clu íd o o se u p a ra d ig m a , o Am a d is d e G a u la , q u e d e ve ria se r o ob je to p or e xce lê n cia d o a ta q u e .

2O ê xito e d itoria l d o p rim e iro Q u ixote su scitou a a p a riçã o d e u m a con tin u a -çã o, cu jo a u tor (sob re o q u a l te m se te cid o h ip óte se s in fin d á ve is) a ssin a va com o p se u d ôn im o d e Alon so d e Ave lla n e d a . O e p isód io foi im p orta n te , sob re tu d o p orq u e e m p u rrou C e rva n te s a e scre ve r a se g u n d a p a rte d o livro, m u ito m a is com p le -xa e e n riq u e cid a , n u m tra ço “ va n g u a rd ista ” , com os com e n tá rios d o p e rson a g e m à su a fa lsa b iog ra fia .

3É in te re ssa n te le m b ra r q u e a a va lia çã o sa tírica foi ta m b é m fe ita d e u m ou

-tro p on to d e vista , e ve n tu a lm e n te rom â n tico, com o n o ca so d e Lord Byron : a irrisã o ce rva n tin a se ria re sp on sá ve l p re cisa m e n te d a d e ca d ê n cia d o h e roísm o e sp a n h ol... A m in h a rá p id a a va lia çã o n ã o fa z, n e m a sp ira a fa ze r, ju stiça a o rico e com -p le xo m u n d o d a in te r-p re ta çã o rom â n tica d o Q u ixote . O s in te re ssa d os n e sse a s-su n to p od e m re corre r a C lose 1978, Be rtra n d 1914 e 1953.

(23)

Dom Q u ixote a g e com u m ce rto siste m a . Sob re os a n te ce d e n te s d a p a ród ia ce r-va n tin a cf. M a n cin g 1975.

5O p e n d an t ortod oxo d e Dom Q u ixote é Ig n á cio d e Loiola , q u e d e cid e se r sa n to le n d o vid a s d e sa n tos: o p a ra le lo n ã o p a ssou d e sa p e rce b id o a os com e n ta rista s, e sp e cia lm e n te o b a sco e ca tólico Un a m u n o. As vid a s d e sa n tos –u m a lite ra tu ra , a liá s, n ã o m e n os d e sca b id a q u e a q u e se cou o cé re b ro d o ca va le iro–, sã o o a n -tíd oto q u e a lg u n s p e rson a g e n s d o livro re com e n d a m p a ra a in toxica çã o lite rá ria d e Dom Q u ixote . Sob re Loyola e a é p ica cf. G a rcia M a te o 1991.

6As e xce lê n cia s re n ova d ora s d o Q u ixote , a q u i re su m id a s, se g u in d o a O rte -g a e C a stro, a o se u “ p e rsp e ctivism o” te m sid o d e sd ob ra d a s p e la m a ior p a rte d os críticos –n e m se m p re se d u zid os p or e ssa d é m a rch e “ filosófica ” - e m u m a p lu ra li-d a li-d e li-d e a ch a li-d os sob re o e sta tu to li-d a ficçã o n a ob ra , sob re o u so li-d a lín g u a e li-d a p sicolog ia , e tc. O Q u ixote a q u i a p re se n ta d o é u m Q u ixote ob via m e n te re d u zid o p a ra o u so com p a ra tivo q u e se g u irá .

7Dig a se d e p a ssa g e m , u m e stím u lo in icia l d e ste a rtig o foi u m a lon g a e n tre

-vista ofe re cid a p or e sse a u tor (Erib on 1989), on d e Lé vi-Stra u ss e sp e cu la sob re a p ossib ilid a d e d e e scre ve r u m livro in sp ira n d o-se n o Q u ixote . In fe lizm e n te , e ssa re fle xã o n ã o viu p or e n q u a n to a lu z, e , e m b ora d ista n te d a s lin h a s g e ra is q u e Lé -vi-Stra u ss su g e re a se g u ir, e stá e m a lg u m a m e d id a in sp ira d a p or e la s.

8As p á g in a s q u e Fou ca u lt d e d ica a o Q u ixote –ca p ítu lo III, ite m I, d e stin a m se a ilu stra r a tra n siçã o e n tre d u a s e p iste m e s, e p a ra isso u tiliza u m a ve rsã o sim -p lifica d a d o -p e rson a g e m , se m -p re e m -p e n h a d o e m d e sve n d a r, n a re a lid a d e o-p a ca , os sig n os d a é p ica m orib u n d a , e m b ora ta m b é m , n a se g u n d a p a rte d o livro, e n ca r-n e o p od e r sob re e ssa re a lid a d e d os sig r-n os, a g ora e m form a d e lite ra tu ra . O p ro-p ósito d e ste a rtig o é e m su b stâ n cia o oro-p osto, isto é , m ostra r a lte rn a tiva s q u e ro-p e rp a ssa m a s g ra n d e s rp e riod iza çõe s, e rp a ra e sse fim é va lioso ob se rva r, com o já fize -m os, q u e Do-m Q u ixote p od e se -m ostra r ta -m b é -m ca p a z d e in te rrog a r os sig n os a p a rtir d a e xp e riê n cia ; ou q u e o d e ste rro d os sig n os a u m e sp a ço virtu a l n ã o os p ri-va tota lm e n te d e e ficiê n cia .

9C om o C a ro Ba roja in d ica , a m a ior p a rte d e ssa m a g ia e stá lig a d a à re solu -çã o d e q u e stõe s e rótica s, ou d e m od e stos ca sos d e m icro-p olítica .

10De fa to, M a rtin h o d e Bra g a (Ba rlow 1950) a firm a q u e fora m os d e m ôn ios

os q u e ocu p a ra m a m a té ria d e sse s e n te s n a tu ra is, in d u zin d o os h u m a n os a re n -d e r-lh e s cu lto.

11N o sé cu lo XVI, o p rim e iro m a n u a l d e e xtirp a çã o d e id ola tria s, o d e An

d ré s d e O lm os, d e d ica d o a os ín d ios m e xica n os, é u m a a d a p ta çã o d ire ta d o m a -n u a l d e Fra y M a rtí-n d e C a sta ñ e g a d e d ica d o já à b ru xa ria se te -n trio-n a l e sp a -n h ola .

12As re fe rê n cia s a o m ila g re se e n con tra m sob re tu d o e m d ois te xtos, De

(24)

13N u m a p a ssa g e m m u ito con h e cid a d e A Cid ad e d e De u s (XVIII) Sa n to Ag ostin h o n a rra o ca so d e u m a s m u lh e re s q u e , n a Itá lia , e ra m ca p a ze s d e tra n s-form a r se u s h ósp e d e s e m ju m e n tos, su g e rin d o, p oré m , q u e e ssa tra n ss-form a çã o n ã o d e ve ria se r física , m a s u m a ilu sã o cria d a p e lo d ia b o.

14G in zb u rg (2001) re a liza a m e lh or in d a g a çã o sob re a s n u m e rosa s fon te s d o

sab b ath e u rop e u , e o e n con tro ou con flito e n tre tra d içõe s p op u la re s e e ru d ita s

q u e o su ste n ta .

15O d ia a d ia d o fa m oso trib u n a l, e m u m p a is on d e a su a a çã o h a via ch e g a

-d o já a re su lta -d os con tu n -d e n te s, e sta va -d e -d ica -d o a a ssu n tos m a is p rosa icos, com o a b la sfê m ia : n ã o e sta n d o a lia d a à h e re sia ou à con d içã o d e con ve rso, e ste d e lito típ ico d e cristã os ve lh os e ra tra ta d o com m u ita le n iê n cia . Vá rios a u tore s te m e la b ora d o ce n sos d a s vítim a s d a ca ça à s b ru xa s. Por e xe m p lo, Ba rstow (1995, a p ê n -d ice B) p a ra o p e río-d o -d e 1500-1650, e stim a u m a s 50.000 e xe cu çõe s (e n tre 100.000 a cu sa çõe s) n o Sa cro Im p é rio G e rm â n ico, u m a s 5.000 (e n tre 10.000) n a Fra n ça , 2372 e n tre 5403 n a G rã Bre ta n h a (m a is a N ova In g la te rra ) e tc. e tc. N o e xtre m o op osto, n a Esp a n h a a p a re ce m a p roxim a d a m e n te 100 e xe cu çõe s p a ra u m tota l d e 3687 p roce ssos; n a Itá lia , a p e sa r d os m a is d e d ois m ilh a re s d e a cu sa çõe s, a p a re n -te m e n -te n in g u é m é e xe cu ta d o p or b ru xa ria , o q u e su g e re q u e a p roxim id a d e d o p a p a d o le va va a os p od e re s a u m p on to d e vista m a is con se rva d or n e sta q u e stã o.

16Prin z (2003), re tom a n d o ob se rva çõe s d e Ka rl von d e n Ste in e n , re fe re -se ta m b é m à “ fa lta d e d e ta lh e ” d a s m e ta m orfose s xin g u a n a s, q u e p õe m se m p re e m jog o d u a s form a s d iscre ta s, orig in a l e fin a l, se m con te m p la r u m con tin u u m d e tra n sform a çã o.

17O s ritu a is Ka xin a w á sã o d e scritos, com ê n fa se e sp e cia l n a su a ca p a cid a d e con stru tiva , p or Ke n sin g e r (1995), M cC a llu m (2001) e La g rou (1998)

18O g e sto a g re ssivo d o ve lh o xa m ã , q u e m u ita s ve ze s vi se r im ita d o p e los Ya m in a w a , con siste e m re colh e r d o corp o, e e sp e cia lm e n te d a s a xila s, h u m ore s q u e , a cu m u la d os n a s m ã os, sã o e n tã o a ssop ra d os e m d ire çã o a o in im ig o. Se g u n d o os Ya w a n a w á , é a p im e n ta in te n sa m e n te in g e rid a p e lo xa m ã a su b stâ n cia b a -se d e s-se s h u m ore s.

(25)

20As se ssõe s d e se xo se q ü e n cia l q u e e ve n tu a lm e n te d e corria m d a b rin ca -d e ira n ã o tin h a m o ca rá te r e xp licita m e n te p u n itivo q u e a ssu m e m a lh u re s, p or e xe m p lo, q u a n d o a ssocia d a s a os ta b u s sob re a s fla u ta s sa g ra d a s (G re g or e Tu zin 2001). M e sm o a ssim , p od ia m e m a lg u n s ca sos se r d irig id a s a m u lh e re s “ org u lh o-sa s” , e n ã o é p or a ca so q u e e m vá ria s ve rsõe s d o m ito d e orig e m d a s q u e ixa d a s a tra n sform a çã o se p rod u za p re cisa m e n te com o re a çã o à a titu d e d e u m a jove m q u e re cu sa o m a trim ôn io. Em q u a lq u e r ca so, p a re ce te r sid o d e cisiva , n a a b oliçã o d a

b rin cad e ira, a op osiçã o d e m u lh e re s a in d a lig a d a s a o cristia n ism o d os m ission á

(26)

Ref erências bibliográf icas

ABREU, J oã o C a p istra n o d e . 1941 [1914]. Rã-tx a h u -n i-k u -i: g ram m

ati-ca, te x tos e v ocab u lário Cax in au ás.

Rio d e J a n e iro: Socie d a d e C a p istra -n o d e Ab re u .

ALO N SO , Dá m a so. 1970. “ Pre fa cio” . In : M . Riq u e r, A p rox im ación al “ Q u ijote ” . Ba rce lon a : Te id e . BARSTO W, An n e Lle w e llyn . 1995.

W itch craz e : a n e w h istory of th e Eu -rop e an w itch h u n ts. Sã o Fra n cisco,

C A: Pa n d ora .

BERTRAN D, J .-J . A. 1914. Ce rv an te s e t

le rom an tism e alle m an d . Pa ris: Fé

-lix Alca n .

___ . 1953. “ G é n e sis d e la con ce p ción rom á n tica d e Don Q u ijote e n Fra n -cia [Prim e ra p a rte ]” . A n ale s Ce

r-v an tin os, 3:1-41.

C ALAVIA SÁEZ, O sca r. 1991. “ La in -ve n ción d e l e n e m ig o” . Re v ista d e

Diale ctolog ía y Trad icion e s Pop u la-re s, XLVI:117-145.

___ . 1997. “ N a tu ra le za , re lig ión y cu l-tu ra tra d icion a l” . Re v ista d e Diale

c-tolog ía y Trad icion e s Pop u lare s,

LII:133-176.

___ . 2001. “ El ra stro d e los p e ca ríe s: va ria cion e s m ítica s, va ria cion e s cosm ológ ica s e id e n tid a d e s é tn ica s e n la e tn olog ía Pa n o” . Jou rn al d e la

S ocie té d e s A m é rican iste s,

87:161-176.

___ . 2002. Las form as locale s d e la v

id a re lig iosa. M a id riid : C on se jo Su p e

-rior d e In ve stig a cion e s C ie n tífica s. ___ . 2002a . “ A va ria çã o m ítica com o

re fle xã o” . Re v ista d e A n trop olog ia, 45(1):7-36.

___ . 2002b . “ N a w a , In a w a ” . Ilh a, 4(1):35-57, Floria n óp olis.

___ . 2004. “ Extra n je ros sin fron te ra s. Alte rid a d , n om b re e h istoria e n tre

los Ya m in a w a ” . In d ian a, 19-20:73-88, Be rlin .

C ARID N AVEIRA, M ig u e l. 1999. Ya -w a n a -w a : d a g u e rra à fe sta . Disse r-ta çã o d e M e stra d o, PPG AS-UFSC . C ARO BARO J A, J u lio. 1973. La s b ru

-ja s y su m u n d o. M a d rid : Alia n za Ed itoria l.

___ . 1990 [1967]. Vid a s m á g ica s e in -q u isición . Ba rce lon a : C írcu lo d e Le ctore s.

C ASTAÑ EG A, M a rtín d e . 1946.

Tratad o Tratad e las su p e rsticion e s y h e ch ice -rias (1529) (e d ita d o p or. A.G . d e

Am e zú a ). M a d rid : Socie d a d d e Bi-b liófilos Esp a ñ ole s.

C ASTRO , Am é rico. 2002. C e rva n te s y los ca sticism os e sp a ñ ole s y otros e s-tu d íos ce rva n tin os. M a d rid : Trotta . C LO SE, An th on y. 1978. Th e rom an tic

ap p roach to “ Don Q u ix ote ” . C a m

-b rid g e : C a m -b rid g e Un ive rsity Pre ss. C O H N , N orm a n . 1980. Los d e m on ios

fam iliare s d e Eu rop a. M a d rid :

Alia n za Ed itoria l.

DESH AYES, Pa trick . 2003. “ L’Aya -w a sk a n ’e st p a s u n h a llu cin og è n e ” .

Psy ch otrop e s, 8(1).

FO UC AULT, M ich e l. 1966. Le s m ots e t

le s ch ose s. Un e arch é olog ie d e s scie n ce s h u m ain e s. Pa ris: G a llim a rd .

G ARC ÍA M ATEO , Rog e lio, S. J . 1991. “ Ig n a cio d e Loyola y e l m u n d o ca -b a lle re sco” . In : J . C a ro Ba roja e A. Be rista in (e d s.), Ig n acio d e Loy ola,

M ag iste r A rtiu m e n París 1528-1535. Don ostia -Sa n Se b a stiá n :

So-cie d a d G ip u zk oa n a d e Ed icion e s y Pu b lica cion e s. p p . 293-302. G IN ZBURG , C a rlo. 1988 [1966]. O s an

-d arilh os -d o b e m . Fe itiçarias e cu ltos ag rários n os sé cu los X V I e X V II.

(27)

___ . 2001. H istória n otu rn a: d e cifran

-d o o S ab á. Sã o Pa u lo: C om p a n h ia

d a s Le tra s.

G REG O R, Th om a s e TUZIN , Don a ld . 2001. “ Th e a n g u ish of g e n d e r: m e n ’s cu lts a n d m ora l con tra d iction in Am a zon ia a n d M e la n e sia ” . In : T. A. G re g or e D. Tu zin (e d s.), G e n d e r

in A m az on ia an d M e lan e sia. A n e x p loration of th e com p arativ e m e -th od . Be rk e le y: Un ive rsity of C a

li-forn ia Pre ss. p p . 309-336.

H ALKA, C h e ste r S. 1981. “ Don Q u ijote in th e lig h t of h u a rte ’s e x am e n d e

in g e n ios; a re e xa m in a tion ” . A n ale s Ce rv an tin os, 19:3-13.

H ARN ER, M ich a e l. 1973. “ Th e role of h a llu cin og e n ic p la n ts in Eu rop e a n w itch cra ft” . In : H allu cin og e n s an d

sh am an ism . Lon d on : O xford Un

i-ve rsity Pre ss.

H EIPLE, Da n ie l L. 1979. “ Re n a issa n ce m e d ica l p sych olog y in Don Q u

ijo-te ” . Id e olog ie s & Liijo-te ratu re ,

9:65-72.

H EN N IN G SEN , G u sta v. 1983. El ab

o-g ad o d e las b ru jas. Bru je ría v asca e in q u isición . M a d rid : Alia n za Ed

ito-ria l.

KEN SIN G ER, Ke n n e th . 1995. H ow re al

p e op le ou g h t to liv e . Th e Cash in a-h u a of Easte rn Pe ru . Prosp e ct H e ig h ts: Wa ve la n d Pre ss.

LAG RO U, Eljse 1998. C a m in h os, Du -p los e C or-p os. Te se d e Dou tora d o e m An trop olog ia , DA/ FFLC H / USP. ___ . 2000. “ Tw o a ya h u a sca m yth s

from th e C a sh in a h u a of N orth w e s-te rn Bra zil” . In : L.E. Lu n a e S. F. Wh ite (e d s.), A y ah u asca re ad e r. Sa n ta Fe : Syn e rg e tic Pre ss. p p . 31-35.

LE G O FF, J a cq u e s. 1977. “ M é lu sin e m a te rn e lle e t d é frich e u se ” . In : Pou r

u n au tre M oy e n A g e . Te m p s, trav ail e t cu ltu re e n occid e n t: 18 e ssais.

Pa ris: G a llim a rd . p p . 307-331.

___ . 1985. “ El d e sie rto y e l b osq u e e n e l occid e n te m e d ie va l” . In : Lo m

ara-v illoso y lo cotid ian o e n e l occid e n te m e d ie v al. Ba rce lon a : Ed . G e d isa .

LÉVI-STRAUSS, C la u d e . 1968 [1964].

M itológ icas I. Lo cru d o y lo cocid o.

M é xico: Fon d o d e C u ltu ra Econ ó-m ica .

___ . 1982 [1966]. M itológ icas II. De la

m ie l a las ce n iz as. M é xico: Fon d o

d e C u ltu ra Econ óm ica .

___ . 1985. “ O fe itice iro e su a m a g ia ” . In : A n trop olog ia Estru tu ral. Rio d e J a n e iro: Te m p o Bra sile iro. p p . 193-213.

M AN C IN G , H ow a rd . 1975. “ C e rva n te s a n d th e tra d ition of ch iva lric p a -rod y” . Foru m for M od e rn Lan g u

a-g e S tu d ie s, 11:177-191.

M AN DRO U, Rob e rt. 1968. M ag istrats

e t sorcie rs e n Fran ce au X V II.e siè

-cle . Pa ris: Plon .

M C C ALLUM , C e cilia . 2001. G e n d e r

an d sociality in A m az on ia. H ow re al p e op le are m ad e . O xford : Be rg .

O RTEG A Y G ASSET, J osé . 1914. M e

d itacion e s d e l Q u ijote . M a d rid : Pu

-b lica cion e s d e la Re sid e n cia d e Es-tu d ia n te s.

PÉREZ G IL, La u ra . 2004. “ C h a m a n is-m o y is-m od e rn id a d : fu n d a is-m e n tos e t-n og rá ficos d e u t-n p roce so h istórico” . In : O . C a la via Sá e z (e d .), Paraíso

ab ie rto, jard in e s ce rrad os. Pu e b los in d íg e n as y b iod iv e rsid ad . Q u ito:

Ab ya -Ya la .

PRIETO LASA, J . Ra m ón . 1994. Las le

-y e n d as d e los se ñ ore s d e Viz ca-y a -y la trad ición m e lu sin ian a. M a d rid :

Fu n d a ción M e n é n d e z Pid a l. PRIN Z, Ulrik e . 2003. “ Tra n sform a tion

u n d M e ta m orp h ose : Üb e rle g u n g e n zu m Th e m a d e r `Be k le id u n g ´ im sü -d a m e rik a n isch e n Tie fla n -d ” . In : B. Sch m id t (org .), Fe stsch rift fü r M ark

M ü n z e l. M a rb u rg : C u ru p ira Ve rla g .

(28)

RIQ UER, M a rtín d e . 1970. A p rox im

a-ción al Q u ijote . Ba rce lon a / M a d rid :

Sa lva t/ Alia n za Ed itoria l.

SPERBER, Da n . 1982. “ Le s croya n ce s a p p a re m m e n t irra tion e lle s” . In : Le

sav oir d e s an th rop olog u e s. Pa ris:

H e rm a n n . p p . 49-85.

TH O M AS, Ke ith . 1991. Re lig ion an d

th e d e clin e of m ag ic. Lon d on : Pe n

-g u in Book s.

TREVO RRO PER, H u g h . 1985. “ La ca -za d e b ru ja s e n Eu rop a e n los sig los 16 y 17” . In : Re lig ión , re form a y

cam b io social y otros e n say os. Ba

r-ce lon a : Arg os. p p . 77-152.

UN AM UN O , M ig u e l. 1987. V id a d e

Don Q u ijote y S an ch o. M a d rid :

Alia n za Ed itoria l

VIVEIRO S DE C ASTRO , Ed u a rd o. 1996. “ O s p ron om e s cosm ológ icos e o p e rsp e ctivism o a m e rín d io” . M

(29)

Resumo

O a rtig o p a ssa e m re vista u m a sé rie d e con fron tos e n tre o q u e p od e ría m os ch a m a r d e p e rce p çõe s “ p e rsp e ctivis-ta s” e “ n a tu ra lisctivis-ta s” d o m u n d o: o p ro-ce sso d e cristia n iza çã o d o ocid e n te m e d ie va l, o d e clín io d a m a g ia e u rop é ia , o a rop og e u e crise d a ca ça à s b ru -xa s n o in ício d a Id a d e M od e rn a e o a r-g u m e n to d e u m clá ssico, o Dom Q u ix

o-te d e M ig u e l d e C e rva n o-te s. Tra ta -se ,

e m ca d a ca so, d e m otivos ca ra cte rísti-cos d a g ra n d e n a rra tiva d o triu n fo d a ra zã o e d o con tra ste e n tre o p e n sa -m e n to ra cion a l e se u s con trá rios q u e , e xa m in a d os e m d e ta lh e , m ostra m p o-ré m a coe xistê n cia d e p e n sa m e n tos, o ca rá te r im e d ia to e re ve rsíve l d e su a s tra n sform a çõe s. A n oçã o d e p e rsp e cti-vism o p e rm ite a ssim a g iliza r a d e scri-çã o h istórica d a s re form a s e p iste m oló-g ica s e d e ssu b sta n cia liza r a s n oçõe s a n trop ológ ica s d e “ ra cion a l” e “ n ã o-ra cion a l” . N o fin a l d o te xto sã o su g e rid a s a lg u m a s via s rid e e stu rid o sob re o e n con tro e n tre os xa m a n ism os a m e rín -d ios (o u n ive rso -d o q u a l é tom a -d a a n oçã o d e p e rsp e ctivism o ta l com o a p a re ce n o a rtig o) e su a s re e la b ora çõe s re -ce n te s.

Palavras-chave Pe rsp e ctivism o, Lite ra

-tu ra , C e rva n te s, C osm olog ia , O cid e n te

Abst ract

Th e a rticle re vie w s a se rie s of con fron -ta tion s b e tw e e n w h a t w e cou ld d u b ‘p e rsp e ctivist’ a n d ‘n a tu ra list’ p e rce p -tion s of th e w orld : th e p roce ss of C h ris-tia n iza tion of th e m e d ie va l w e st, th e d e clin e of Eu rop e a n sorce ry, th e a p o-g e e a n d crisis of w itch -h u n tin o-g a t th e d a w n of th e M od e rn Ag e a n d th e p u -b lica tion of M ig u e l d e C e rva n te s’ Dom

Q u ix ote . Ea ch ca se d e a ls w ith th e m e s

ch a ra cte ristic of th e g ra n d n a rra tive of th e triu m p h of re a son a n d th e con tra st b e tw e e n ra tion a l th in k in g a n d its op p osite s w h ich , w h e n e xa m in e d in d e -ta il, a ctu a lly re ve a l th e co-e xiste n ce of m od e s of th in k in g , a s w e ll a s th e im -m e d ia te a n d re ve rsib le ch a ra cte r of th e ir tra n sform a tion s. Th e n otion of p e rsp e ctivism th u s e n a b le s a m ore n u a n ce d a n d ve rsa tile h istorica l d e s-crip tion of th e se e p iste m ic re form s a n d th e d e -su b sta n tia liza tion of a n th rop o-log ica l n otion s of th e ra tion a l a n d th e irra tion a l. Th e te xt con clu d e s b y su g g e stin g som e w a ys to stu d y th e e n cou n te r b e tw e e n Am e rin d ia n sh a m a -n ism s (th e u -n ive rse from w h ich th e -n o-tion of p e rsp e ctivism a s it a p p e a rs in th e a rticle is ta k e n ) a n d th e ir re ce n t re -e la b ora tion s.

Key w ords Pe rsp e ctivism , Lite ra tu re ,

Referências

Documentos relacionados

Ref erências bibliográf icas.. ALVES-SILVA, J ., SAN TO

Tempo de Brasília: etnografando lugares-eventos da polít ica.. Rio de Janeiro:

Poder, hierar- quia e reciprocidade: saúde e harmo- nia ent re os Baniw a do Alt o Rio Ne- gro. Rio de Janeiro: Edit ora Fiocruz (Coleção Saúde dos

Th e social org an iz ation of cu ltu re d iffe re

Rio de Janeiro: Edit ora Fiocruz (Coleção Saúde dos

Esta in clu sã o... Pa

Int ri- gas e questões: vingança de família e t ramas sociais no sert ão de Pernam- buco.. Rio de

Int ri- gas e questões: vingança de família e t ramas sociais no sert ão de Pernam- buco.. Rio de