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2.2 APRESENTAÇÃO DE EXCERTOS DE DISCURSOS DE GEORGE W BUSH

2.2.2 Um único discurso, a mesma fala

Embora as citações anteriores tenham sido intencionalmente escolhidas, tornando, portanto, necessário que viessem acompanhadas de texto completo, para que uma análise mais criteriosa pudesse ser aferida, mesmo assim não deixaria de ser legítimo afirmar que um leigo em história estadunidense, caso desconhecesse o emissor de tais frases, provavelmente atribuiria a autoria a uma pessoa com algum tipo de vínculo ou compromisso religioso como, por exemplo, um padre ou um pastor. Entretanto, longe do que uma primeira impressão mais precipitada pudesse levar qualquer imaginação a supor, a notoriedade da autoria causa estranheza e curiosidade investigativas.

Mostramos, valendo-se dos tópicos elencados, aspectos que se repetem nos discursos de Bush, os quais serão relevantes para a análise a ser feita ao longo dos capítulos da presente dissertação.

Vale enfatizar que alguns dos tópicos levantados não estão diretamente ligados à religião; porém, eles são peças de uma construção ético-religiosa dos discursos e serão imprescindíveis para a futura análise. Embora o objeto a ser discutido dê maior ênfase à explícita aparição religiosa em meio aos discursos políticos de Bush, o estudo não se restringirá apenas a esse critério.

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Ibid., Bush afirma que libertação... Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/iraq/?action=a rtigo&idartigo=963>. Acesso em: 22 nov. 2005.

Posto isso, neste momento seria de bom tom apresentar algumas passagens de um único discurso para verificar se alguns dos pontos acima, colhidos em fontes diversas, também apareceriam em um só texto.

O discurso a seguir foi pronunciado por Bush em ocasião de uma convenção nacional dos difusores religiosos no Opryland Hotel, em Nashville, Tennessee no ano de 2003, um evento provavelmente importante para o presidente, visto que as Iniciativas Baseadas na Fé foram por ele anunciadas como uma das iniciativas mais importantes de seu governo. Trata-se de um incentivo político criado pelo governo Bush chamado faith-based initiative (Iniciativas Baseadas na Fé), que permitem dotar de subvenções federais as organizações religiosas para que as destinem aos seus programas de assistência social. Apenas em 2003, o governo federal destinou US$ 1,1 bilhões do orçamento social para as ONGs ligadas ao Escritório de Iniciativas Comunitárias e Baseadas na Fé.291

É preciso salientar que a escolha do ambiente religioso desse discurso é proposital pelo motivo óbvio de que é esperado que Bush, diante de um público religioso, fique mais à vontade em revelar uma faceta religiosa mais enfática em seus discursos. Assim, será possível observar como se revela o comportamento discursivo de Bush na pluralidade das situações anteriores com essa situação particular.

Para dar maior coerência ao texto, a organização das citações foi disposta na ordem corrente da fala. Portanto, os elementos dos assuntos temáticos estarão inevitavelmente sobrepostos.

Logo na abertura do discurso, as atitudes dos cidadãos estadunidenses são exaltadas e mescladas ao campo religioso:

Desejo agradecer em especial aos quatro companheiros que saíram da condição de sem-tetos e se recuperaram do vício das drogas e do álcool, pela coragem de contar suas histórias ao presidente. É muito inspirador ver a coragem de vocês, bem como ver a grande obra de nosso Senhor em seus corações.

Ao aterrissar hoje, também conheci uma mulher extraordinária de Nashville, chamada Sherry Jean Williams. Ela está sentada bem aqui - Sherry Jean, você se importaria de levantar só por um segundo? Obrigado por vir. (Aplausos.) Vocês vão ouvir eu falar dos exércitos da compaixão na América – ela é um soldado dos exércitos da compaixão. 292

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Em 29 de janeiro de 2001, Bush anuncia as Iniciativas Baseadas na Fé e faz a seguinte declaração: “Esta será uma das mais importantes iniciativas que minha administração não somente discute, mas implementa.” Cf. THE WHITE HOUSE. Remarks by the President in announcement of the faith-based initiative. Disponível em: <http://www.whitehouse.gov/news/releases/20010129-5.html>. Acesso em: 22 nov. 2005. (tradução nossa) 292

Doravante as citações desta seção pertencerão ao mesmo discurso. Cf. Ibid., President Bush discusses faith-

based initiative in Tennessee. Disponível em:<http://www. whitehouse.gov/news/releases /2003/02/20030210- 1.html>. Acesso em: 22 nov. 2005. (tradução nossa)

Aproveitando o ensejo dos bons exemplos, inclui um chamado e convoca a todos: “Meu chamado aos nossos concidadãos é, ainda que uma pessoa não possa fazer tudo, ela pode fazer algo para tornar nossa sociedade um lugar mais compassivo e decente.”

Diante disso, também enaltece o trabalho dos difusores religiosos e, assim, atribui uma missão:

Há mais de 80 anos que os difusores religiosos da América transmitem o evangelho no ar. Vocês levam palavras da verdade, consolo e incentivo para dentro de milhares de lares. Para vocês, a difusão é mais do que um trabalho. É uma grande missão. Vocês oferecem um serviço com todo o coração e alma e a América é grata.

A fé, um assunto obviamente em evidência, com certeza não poderia deixa de ser um dos atores principais naquela manhã. No entanto, suas vestes entravam em cena utilizando costumes variados.

A primeira aparição veio em tom de recado afirmativo convocando os difusores para uma missão um tanto difícil:

Cada um de vocês sabe que o poder da fé pode transformar uma vida. As pessoas de fé, bondade e idealismo também têm o poder de transformar os próximos e nossa nação.

[...] Estabeleci um grande objetivo para a América. Devemos dedicar a grande compaixão de nosso povo aos problemas mais profundos deste país.

Mas, isso não demonstra ser um grande problema; afinal de contas, Bush conta com um apoio extra:

Este país é abençoado com praticamente milhões de voluntários de bom coração que realizam milagres diários nas vidas de seus compatriotas. E hoje peço aos difusores religiosos, aqueles que se comunicam com todos os cantos da América, que reagrupem os exércitos da compaixão para que possamos transformar a América em um coração, uma alma por vez. (Aplausos.)

E, mais do que rápido, retorna à fé e passa o bastão ao povo:

O povo americano possui crenças religiosas profundas e diversas, certamente uma das maiores forças de nosso país. E a fé dos nossos cidadãos está nos ajudando a passar por momentos difíceis. Estamos sendo desafiados. Conseguimos enfrentar esses desafios por causa de nossa fé.

Em estilo de grand finale, a multifacetada fé vai além dos homens:

Nos momentos de tragédia, a fé nos tranqüiliza de que a morte e o sofrimento não são a palavra final; que o amor e a esperança são eternos. A fé religiosa não somente consola; desafia. A fé ensina que todas as pessoas são iguais aos olhos de Deus, e devem ser tratadas com a mesma dignidade aqui na Terra.

Na seqüência, de modo peculiar, menciona o 11 de setembro para falar de perdas de homens bravos e valentes:

Depois que fomos atacados em 11 de setembro, levamos nossa dor a Deus Todo Poderoso por meio da oração. À semana passada, nossa nação perdeu sete bravos americanos − almas valentes−, seis americanos e um cidadão israelense, a bordo do ônibus espacial Columbia. Laura e eu fomos a Houston. Ficamos muito honrados em conhecer as famílias. Não tenho nenhuma dúvida que a família está encontrando força e consolo graças às orações de vocês e graças ao Deus Todo Poderoso.

Porém, Bush não pára por aí, e volta a enfatizar o caráter de seu povo atrelado à fé e à compaixão: “E, atualmente na América, as pessoas de fé estão realizando o trabalho da compaixão. Há tantas pessoas ajudando aos próximos porque eles amam a Deus. O espírito de ajuda é vital porque a necessidade na América é grande.”

Afinal, à revelia do que o mundo pensa há um trabalho a ser cumprido: “Nosso trabalho como americanos não estará completo até que construamos uma única nação de justiça e uma nação de oportunidade.”

E, assumindo os limites de seu governo, indica o caminho da superação:

A função do governo é limitada, pois o governo não consegue levar esperança ao coração das pessoas, ou um propósito às suas vidas. Isso pode acontecer quando alguém coloca um braço no ombro do próximo e diz, Deus ama você, eu amo você, e você pode contar com nós dois. (Aplausos.)

A fé persiste e, desta vez, ele próprio a ratifica: “Eu acolho a fé. Acolho a fé para ajudar a resolver os mais profundos problemas da nação.”

Próximo do fim, sem perder o humor, expõe o motivo dos ataques terroristas e reafirma que seu povo não irá mudar:

E, atualmente, a paz está ameaçada. Enfrentamos uma ameaça contínua de redes terroristas que odeiam a própria idéia de um povo poder viver em liberdade. Eles odeiam a idéia do fato de que neste grande país, podemos adorar o Deus Todo Poderoso do modo que nós consideramos mais apropriado. (Aplausos.) E o que provavelmente o deixa ainda mais nervoso é que nós não vamos mudar. (Risos e aplausos.)

Com pesar, justifica a inevitabilidade da guerra e seus porquês são claramente elucidados, embora deixe claro que não é sua vontade:

Se nos forçam a uma guerra – e eu disse ‘nos forçam’, porque o uso das forças armadas não é minha primeira escolha. Abraço as mães e viúvas daqueles que perderam a vida em nome da paz e da liberdade. Assumo a responsabilidade sobre o compromisso das tropas muito seriamente. Mas, caso tenhamos de usar as tropas, para o bem das futuras gerações dos americanos, as tropas americanas agirão conforme as tradições honráveis de nossas forças armadas e as mais altas tradições morais de nosso país. Tentaremos poupar vidas inocentes de todas as maneiras possíveis. O povo do Iraque não é nosso inimigo. (Aplausos.)

Mais adiante anuncia um inimigo: “O verdadeiro inimigo do povo iraquiano, Saddam Hussein, tem uma estratégia diferente.”

A liberdade fica para o fim, junto com a lembrança do chamado:

Como disse em meu discurso sobre o Estado da União, a liberdade não é um presente da América ao mundo. A liberdade é um presente de Deus a todos os seres humanos do mundo. (Aplausos.) A América enfrenta grandes desafios, desafios no país e desafios no exterior. Fomos chamados para estender a promessa deste país às vidas de cada um dos cidadãos que vivem aqui. Fomos chamados para defender nossa nação e conduzir o mundo à paz, e lograremos êxito nos dois desafios com coragem e confiança.(Aplausos.)

Finalmente, um adágio e a benção de Deus para fechar a cena:

Há um velho ditado, ‘Não rezemos por tarefas semelhantes a nossas forças. Rezemos por forças semelhantes a nossas tarefas.’(Aplausos.) E essa é nossa oração hoje, pela força em cada uma das tarefas que enfrentamos.

Quero agradecer a cada um de vocês por suas orações. Quero agradecê-los por suas devoções. Quero agradecê-los pelos seus bons serviços. E quero agradecê-los por amar seu país.