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2.2 APRESENTAÇÃO DE EXCERTOS DE DISCURSOS DE GEORGE W BUSH

2.2.1 Diferentes discursos, uma só fala

Há duas semanas do início da guerra contra o Iraque, ao notar a iminência de inevitável desfecho, uma repórter, em conferência de imprensa na Casa Branca, indaga Bush sobre a orientação de sua fé e qual rumo o povo de seu país deveria tomar dali para frente (06/03/03):

Uma das melhores coisas de nosso país, April268, é que existem milhares de pessoas que rezam por mim269, pessoas que nunca verei e a quem nunca serei capaz de agradecer. Mas é uma experiência estimulante pensar que existem pessoas, que eu nunca conheci, que rezam por mim e pela minha família. Sou muito grato por isso. Tem sido uma sensação reconfortante saber disso. Rezo pela paz, April. Rezo pela paz.270

Havia pouco menos de um mês de combate. Sete homens, antes desaparecidos em ação no Iraque, foram encontrados. Bush faz um breve comentário sobre esse assunto antes de iniciar outra entrevista coletiva na Casa Branca (13/03/03):

Hoje é um grande dia para as famílias, os companheiros e entes queridos dos sete desaparecidos em ação que foram libertados. Fiquei realmente feliz por todos que rezaram pela sua segurança, eles estão a salvo.

Ainda temos desaparecidos no Iraque e continuaremos a procurá-los. Rezamos para que eles também sejam salvos e libertados um dia desses.271

Então, um repórter o questiona como o papel da fé interveio no resgate dos soldados:

Vocês sabem, visitei o hospital na sexta-feira para ver alguns de nossos corajosos militares e suas famílias. E muitos deles disseram que estavam sendo sustentados através da oração, recebendo alívio no senhor durante momentos que devem ter sido dificílimos para eles. [...] A fé é poderosa. Uma das coisas maravilhosas deste país é que muitas pessoas rezam e sei que muitas pessoas rezam pelas famílias que estão em luto e que não sabem se seus entes queridos algum dia voltarão.272

268

Prenunciando a guerra do Iraque, que começaria dali há menos de duas semanas, April, uma repórter, indaga Bush sobre qual seria a orientação de sua fé diante da possibilidade de uma guerra e o que os Estados Unidos deveriam fazer coletivamente.

269

Doravante, todos os grifos serão nossos. 270

Ibid., Bush diz que EUA pedirão votação para nova resolução sobre o Iraque. Disponível em: <http://www. embaixada-americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=896>. Acesso em: 22 nov. 2005.

271

Ibid., Presidente Bush promete segurança e ordem aos iraquianos. Disponível em: <http://www.embaixada- americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=960>. Acesso em: 22 nov. 2005.

272

Uma semana é passada, contavam-se exatos 30 dias de guerra. Bush deixa a capela da 4a Divisão de Infantaria em Fort Hood, no Texas, onde participava de uma missa por ocasião da Páscoa e, em curto pronunciamento antes de dar entrevista, faz referência a dois subtenentes, pilotos de helicóptero, capturados no Iraque, que haviam recém chegado aos EUA (20/04/03):

Rezamos pela paz e pedimos força, pelas muitas bênçãos. Eu agradeci especialmente o fato desses dois homens estarem conosco hoje. Agradeço a Deus por suas vidas. Espero que todos os cidadãos dos EUA percebam que vivemos em um grande país, repleto de grandes pessoas. E hoje é um dia de dar graças pelos EUA, assim como a um Deus todo-poderoso e misericordioso.273

Em uma situação anterior a essa, próximo do começo da guerra, em Camp Lejeune, Carolina do Norte, Bush faz um discurso de encorajamento aos fuzileiros navais, por meio do qual se refere a uma tradição (03/04/03):

Há uma tradição no corpo de fuzileiros navais, de que nenhum fuzileiro naval que morre é abandonado no campo de batalha. (Aplausos.) Nenhum dos mortos será esquecido por esta nação grata. Honramos seus serviços aos EUA e oramos para que suas famílias recebam o conforto e a graça de Deus. (Aplausos.)274

Em instantes seguintes, fala, entre outras coisas, de uma missão e da promessa da fundação dos EUA:

Esses são os sacrifícios de uma missão importante − a defesa de nossa nação e a paz do mundo. Superar o mal é a causa mais nobre e o trabalho mais difícil. E a libertação de milhões é a realização da promessa da fundação dos EUA. Os objetivos que estabelecemos nesta guerra são merecedores dos EUA, merecedores de todos os atos de heroísmo e generosidade que aconteceram antes.275

Desse modo, parecia que o apelo religioso, como a reza, o sacrifício e o agradecimento a Deus e variáveis como, por exemplo, o juramento, tornavam-se recorrentes conforme podemos observar a seguir, em pronunciamento à nação, no salão oval, ao mencionar os primeiros estágios das operações militares (19/03/03): “Milhões de americanos estão rezando

273

Ibid., Bush afirma que libertação do Iraque tornará mundo mais pacífico. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=963>. Acesso em: 22 nov. 2005.

274

Ibid., Bush diz aos fuzileiros navais que os dias de governo brutal no Iraque estão terminando. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=935>. Acesso em: 02 nov. 2005. 275

Ibid., Bush afirma que libertação... Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/iraq/?action= artigo&idartigo=963>. Acesso em: 22 nov. 2005.

com vocês pela segurança de nossos entes queridos e pela proteção dos inocentes. Pelo seu sacrifício, vocês têm a gratidão e o respeito do povo americano.”276

Também no já aludido discurso de Páscoa (20/04/03):

Rezamos pela paz e pedimos força, pelas muitas bênçãos. Eu agradeci especialmente o fato desses dois homens estarem conosco hoje. Agradeço a Deus por suas vidas. Espero que todos os cidadãos dos EUA percebam que vivemos em um grande país, repleto de grandes pessoas. E hoje é um dia de dar graças pelos EUA, assim como a um Deus todo-poderoso e misericordioso.277

E, igualmente mencionada, na conferência de imprensa próximo do eclodir da guerra (06/03/03):

Minha tarefa é proteger os EUA e é exatamente isso que farei. As pessoas podem atribuir todo tipo de intenções. Jurei proteger e defender a Constituição, isso foi o que jurei. Coloquei minha mão sobre a Bíblia, prestei esse juramento e é exatamente isso que farei.278

Aliás, nesse último discurso, há de se destacar que Bush aponta o porquê do ataque ao seu país (06/03/03): “Não fizemos nada para provocar esse ataque terrorista. Ele foi realizado porque existe um inimigo que odeia os EUA. Eles odeiam tudo que representamos. Amamos a liberdade e não vamos mudar isso.”279

Considerando que o intervalo de tempo entre os exemplos citados até aqui foi relativamente breve, talvez fosse interessante verificar se há ocorrências de repetições temáticas pertinentes ao objeto de análise durante períodos mais distantes entre si.

Para isso, destacamos uma seqüência com três exemplos, em ordem cronológica, a começar do ano da primeira posse, em 2001.

Em 07/12/2001, a bordo do U.S.S. Enterprise em Norfolk, Virgínia, durante as cerimônias que marcaram o 60° aniversário do ataque japonês a Pearl Harbor:

E aquela missão – nosso grande chamado – continua até agora, enquanto os bravos homens e mulheres de nossas forças armadas lutam contra as forças do terror no Afeganistão, e em todo o mundo.280

276

Ibid., Presidente Bush anuncia início de ação militar contra o Iraque. Disponível em: <http://www. embaixada-americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=910>. Acesso em: 22 nov. 2005.

277

Ibid., loc. cit. 278

Ibid., Bush diz que EUA... Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/iraq/?action=artigo& idartigo=896>. Acesso em: 22 nov. 2005.

279

Ibid., loc. cit. 280

Ibid., Presidente diz que a guerra no Afeganistão está longe de terminar. Disponível em: <http://www. embaixada-americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=351>. Acesso em: 22 nov. 2005.

Em 15/07/2002, quando participava de uma mesa redonda com jornalistas poloneses no salão Roosevelt o mesmo mote é retomado: “Seremos julgados pela história se perdermos este chamado para lutar pela liberdade.”281 E, no ano seguinte, em entrevista concedida ao jornal The New York Times (26/04/03): “Tenho uma missão a realizar e com os joelhos dobrados peço ao bom Senhor que me ajude a cumpri-la com sabedoria.”282

Palavras com significados opostos também se tornam uma prática comum, consoante percebemos no pronunciamento aos militares na Base Aérea de Travis, Califórnia, em 17/10/01: “... do mal emerge o bem.”283 Fato, inclusive, que parece ter levado Bush a assumir um posicionamento frente a esse tópico, como pode ser confirmado em seu discurso de cerimônia de formatura da academia militar dos EUA em West Point, Nova York (01/06/2002):

Alguns se preocupam com o fato de que de certo modo não é diplomático ou educado falar em termos de certo ou errado. Discordo. (Aplausos.) Circunstâncias diferentes exigem métodos diferentes, mas não uma moral diferente. (Aplausos.) A verdade moral é a mesma em todas as culturas, em todos os tempos e lugares. [...] Não pode haver neutralidade entre justiça e crueldade, entre inocentes e culpados. Estamos vivendo um conflito entre o bem e o mal, e os EUA chamarão o mal por seu próprio nome. (Aplausos.)284

Em 15/03/02, no global Complexo de Cumberland County Fayetteville, na Carolina do Norte, Bush anuncia o término da primeira fase da guerra contra o terrorismo e delineia a segunda fase e, por outro viés, novamente, o mal ressurge: “E a melhor forma de combater o mal em casa é amar o próximo como você gostaria de ser amado. (Aplausos.) A melhor forma de enfrentar aqueles que seqüestraram uma religião boa é viver uma vida ajudando as pessoas necessitadas.”285

281

Ibid., Bush promete consultas antes de mudanças nas frentes de batalha contra o terror. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=668>. Acesso em: 22 nov. 2005. 282

BUSH apud BOFF, L. Extremismo Mundial. JB online. São Paulo, 09 jan. 2004. Disponível em: <http//jbonline.terra.com.br/jb/papel/colunas/boff/2004/01/08/jorcolbof20040108001a.html>. Acesso em: 22 nov. 2005.

283

EMBAIXADA DOS EUA. Bush afirma haver progresso... Disponível em: <http://terrorismo.embaixada- americana.org.br/?action= artigo&idartigo=169>. Acesso em: 22 nov. 2005.

284

Ibid., Bush diz que guerra contra o terror “não será vencida na defensiva”. Disponível em: <http://terrorismo.embaixada-americana.org.br/?action=artigo&idartigo=609>. Acesso em: 22 nov. 2005.

285

Ibid., Bush delineia a segunda fase da guerra... Disponível em: <http://terrorismo.embaixada- americana.org.br /?action=artigo&idartigo=512>. Acesso em: 22 nov. 2005.

E, continuando, agrega mensagens contendo valores religiosos: “E você pode ajudar o próximo286 de muitas formas. Você pode atravessar a rua e perguntar, o que posso fazer para ajudá-lo? Ou você pode cuidar de uma criança ou ensinar em uma escola. (Aplausos.)”287 Eram valores, diga-se de passagem, freqüentemente usados, conforme podemos notar no já referido discurso da Base dos fuzileiros navais de Camp Lejeune (03/04/03):

Quero agradecer às milhares de pessoas que estão aqui, e que entendem que podemos salvar a vida de alguém mostrando amor. Podemos ajudar alguém, simplesmente, abraçando o próximo que precisa. (Aplausos.)

Com nossas ações, estamos servindo a uma causa justa e grande [...]

[...] Estamos levando ajuda e estamos levando algo mais – estamos levando esperança. (Aplausos.)

[...] Mais uma vez, estamos usando o poder do nosso país para garantir nossa segurança e servir à causa da justiça. E venceremos. (Aplausos.)

Por fim, a liberdade, um ponto muito evocado por Bush que, não fugindo à regra, penetra o campo da religião. Haja vista a declaração de Bush informada por Wendy S. Ross, uma correspondente do Washington File na Casa Branca (20/02/2003): "Não acreditamos na liberdade como presente dos EUA para o mundo, acreditamos que ela seja o presente do Senhor para a humanidade."288

Pode ser que a pequena diferença de uma semana entre as entrevistas de Camp David e a de Fort Hood tenha contribuído, mas o fato é que, retomando-as, entre outros detalhes destacados, encontramos um mesmo adjetivo atribuído à liberdade, respectivamente: “Vocês estão livres. E a liberdade é linda. E levará algum tempo até restaurarmos o caos e a ordem – isto é, trazer de volta a ordem ao invés do caos atual. Mas conseguiremos.”289

A liberdade é linda e quando as pessoas são livres, exprimem sua opinião. Vocês sabem, elas não podiam expressar suas opiniões antes de irmos até lá, agora podem. Sempre afirmei que a democracia seria difícil. Não é fácil passar do estado de um ser escravizado para o de um cidadão livre. Mas isso acontecerá, porque o instinto básico da humanidade é ser livre. Eles querem

286

Na tradução original, o substantivo em inglês neighbor foi traduzido por ‘vizinho’. Porém, acreditamos que o emprego da palavra ‘próximo’ seria mais acertado conforme o contexto da frase; uma acepção também correta da mesma palavra. Portanto, dado o contexto, onde encontramos ‘vizinho’, substituímos por ‘próximo’.

287

Ibid., loc. cit. 288

Ibid., Confiar em Saddam Hussein não é uma opção, afirma Bush. Disponível em: <http://www.embaixada- americana.org.br/iraq/?action=artigo&idartigo=891>. Acesso em: 22 nov. 2005.

289

Ibid., Presidente Bush promete segurança... Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/ iraq/?action=artigo&idartigo=960>. Acesso em: 22 nov. 2005.

ser livres. Portanto, é claro que haverá pessoas exprimindo suas opiniões e nós saudamos isso, assim como aqui nos EUA as pessoas podem exprimir suas opiniões.290

Dispomos, portanto, de material suficiente para ilustrar o caráter da religião misturado a variadas entrevistas e discursos políticos.

Neles, é fácil notar a religião sob diferentes nuances e vertentes, seja pela declaração explícita da fé, por meio da oração, no conforto da graça divina e no auxílio de Deus, por intermédio do sacrifício dos soldados ou em valores exaltados pela religião cristã como, por exemplo, a compaixão, ou pelas representações antagônicas como o bem e o mal.

Da mesma maneira, conseguimos identificar temas como a missão e a promessa da fundação do país, a esperança, a justiça, a moral, a inocência face ao ataques, a existência do herói e a luta contra o inimigo e a liberdade; valores esses que se fazem relevantes pelo vínculo que possuem com a história dos EUA.