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2.1 O GOVERNO BUSH

2.1.2 Ano 2001: uma tragédia anunciada

Bush mal havia tirado o smoking e as botas de cowboy que o embalaram nos passos da dança Country durante a festa de comemoração da posse quando, já em seu primeiro dia, na Casa Branca, desafios políticos difíceis o aguardavam entremeio a um Congresso dividido.207

Após rezar208, primeira atitude no governo, organizou sua agenda política começando por alguns dos desafios: o corte de US$ 1,3 trilhão em arrecadação de impostos e a promoção de uma reforma na educação.209 Depois disso, em continuidade à estréia presidencial, declara àquele, o dia de oração nacional e de ação de graças.210

Estava por completar um mês de mandato quando o presidente, cumprindo a promessa de campanha, anunciou sua pretensão em contratar organizações religiosas para auxiliar o trabalho do governo na assistência social. Nesse dia, assinou dois decretos: um que dispunha sobre a criação de um escritório na Casa Branca para atender as iniciativas das organizações religiosas e outro que instituía, em cinco departamentos federais (Educação, Trabalho, Saúde, Habitação e Justiça), centros de coordenação de ação com os órgãos religiosos.211

Entretanto, a ânsia em ajudar entidades religiosas não parou por aí; o líder estadunidense criou um programa para que as entidades religiosas pudessem receber ajuda do Estado, conforme ocorria com as entidades laicas. As críticas não tardaram a chegar e, Bush,

206

Bush estava pronto a assumir, mas a população parecia não esquecer o trauma eleitoral. Uma pesquisa, no início do ano, revelou que 40% dos entrevistados não acreditavam na legitimidade da vitória do presidente recém-empossado. Porém, 70% das pessoas aceitavam os nomes indicados ao gabinete, bem como o processo de transição presidencial. A economia foi revelada como o item mais importante para nove em cada dez entrevistados. O temor à recessão chegou ao índice de 55%. Cf. EUA espera que economia seja prioridade...

Folha Online, São Paulo, 18 jan. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u

17739.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005. 207

Cf. BUSH veste smoking com bota... Folha Online, São Paulo, 21 jan. 2001. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/folha/mundo/ult94u17977.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005.

208

“Nas escadas do Congresso norte-americano, o reverendo fez uma oração a Deus ‘rezando pelo presidente eleito George W. Bush e pelo vice-presidente’. O reverendo pediu a união do país depois da disputa eleitoral que durou semanas entre republicanos e democratas.” Cf. COMEÇA a cerimônia de posse de Bush... Folha Online, São Paulo, 20 jan. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha /mundo/ult94u17933.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005.

209

Cf. BUSH enfrenta duros desafios... Folha Online, São Paulo, 22 jan. 2001. Disponível em: <http://www1. folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u18045.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005.

210

Cf. BUSH reza e estabelece agenda... Folha Online, São Paulo, 18 jan. 2001. Disponível em: <http://www1. folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u17983.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005.

211

Cf. BUSH quer contratar organizações religiosas... Folha Online, São Paulo, 29 jan. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u18557.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005.

por vezes, veio a público declarar que suas concepções religiosas não iriam ser impostas ao povo:

‘Nosso país, desde seu nascimento, reconheceu a contribuição da fé. Não impomos nenhuma religião. Nós damos as boas-vindas a todas as religiões. Não proibimos nenhuma fé. Recebemos todas as fés. Essa é a tradição de nosso país. E será a regra para o meu governo.’212

À medida que Bush indicava os membros para participarem de seu governo, uma configuração − diga-se de passagem, esperada − formava aos poucos um desenho governamental que não agradava a muitos setores.213 Entre os nomes que receberam severas críticas e rejeição, destacam-se: Gale Norton, secretária do Interior; Tommy Thompson, secretário de Saúde e Serviços Humanos; John Ashcroft, secretário de Justiça; Donald Rumsfeld, secretário de Defesa; Paul Wolfowitz, vice-secretário de Defesa e Mark Weinberger chefe do Departamento do Tesouro.

Então, com a equipe encaminhada, algumas políticas começaram a tomar corpo e dar forma ao governo como, por exemplo: aumento do gasto orçamentário para o pagamento de salários e benefícios dos militares; investimentos em tecnologia de armamentos mais potentes e letais; apoio aos recorrentes bombardeios na zona de exclusão do Iraque; missivas dirigidas a Saddam Hussein; continuidade nas sanções internacionais contra o Iraque; contrário ao prometido em campanha, a recusa em regulamentar as emissões de dióxido de carbono (CO2); desenvolvimento de um novo sistema de defesa antimíssil; suspensão do pagamento de US$ 224 milhões à ONU em represália à perda da vaga na Comissão de Direitos Humanos; obrigatoriedade dos funcionários da Casa Branca a passarem por testes antidrogas – uma forma de enfatizar sua política antidrogas; retirada definitiva dos EUA do protocolo de Kyoto; e, por fim, rejeição do protocolo sobre armas biológicas, o único de 56 países.214

Porém, o panorama para Bush não parecia ser dos melhores: os democratas conquistavam maioria no Senado; a economia demonstrava sinais de fraqueza e a política externa era marcada por fiascos. O resultado é que tanto o governo quanto a imagem de Bush começavam a esboçar certo desgaste, evidenciado pelo resultado das pesquisas de sua

212

BUSH promete não impor suas concepções religiosas. Folha Online, São Paulo, 01 fev. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u18835.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005.

213

Um exemplo foi o pedido do jornal The New York Times para que os representantes democratas votassem unidos contra a indicação de John Ashcroft. Cf. JORNAL dos EUA pede voto contra John... Folha Online, São Paulo, 23 jan. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u18144.shl>. Acesso em: 01 nov. 2005.

214

Cf. FOLHA ONLINE. Mundo online. Governo Bush (2001). São Paulo. Disponível em:

popularidade.215Entretanto, talvez o fato mais dramático e importante da história dos EUA estava por acontecer. Eram passados quase oito meses da celebração da posse quando inesperadamente algo inimaginável acontece em uma terça-feira do dia 11 de setembro de 2001.

Um avião da American Airlines atinge a torre norte do World Trade Center às 8h46 e, após 16 minutos, outro avião da mesma companhia aérea colide contra a torre sul.

Bush, que um dia antes descansava no luxuoso The Colony Beach and Tennis Resort, localizado em Longboat Key, uma ilha paradisíaca afastada da Flórida, no Golfo do México, sequer imaginava seu dia seguinte.

Lá, bem-humorado, teve, inclusive, a oportunidade de desfrutar um agradável jantar e rever velhos amigos republicanos, entre eles o governador da Flórida, seu irmão Jeb Bush.

Por ter sido o estado definitivo para sua vitória, sua presença na Flórida, planejada em sua agenda presidencial desde agosto, era simbólica. Estava lá para tentar reafirmar uma das metas mais populares, porém fantasiosas, de sua política de reforma educacional, difundida durante sua campanha com o slogan “nenhuma criança ficará para trás.”

Assim, na manhã de 11 de setembro, Bush dirigiu-se para a escola de ensino fundamental Emma E. Booker Elementary, em Sarasota, na Flórida.216

Fontes alegam que, embora Bush tenha sido notificado do acontecimento − primeiro ao sair do hotel a caminho da escola e depois por volta das 9h quando lá chegava −, mesmo assim preferiu dar prosseguimento a sua agenda prevista para o dia.217

215

O Instituto Gallup apontou a maior queda da popularidade do presidente G. W. Bush desde que assumira o governo. O índice de sua aprovação primeiro caiu de 62% para 55% e, finalmente, em 03/07/2001 chegou ao seu índice mais baixo: 52%. Cf. PESQUISA revela tendência de queda... Folha Online, São Paulo, 03 jul. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u26130.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005. Em nova pesquisa, feita dez dias depois, Bush recupera 5%de sua popularidade, embora metade das pessoas entrevistadas à época tenha alegado que o presidente não estava interessado nos problemas do cidadão comum dos Estados Unidos. Cf. BUSH completará 6 meses de mandato com... Folha Online, São Paulo, 13 jul. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u26478.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005. 216

Cf. BALZ, D.; WOODWARD, B. America’s chaotic road to war. Washingtonpost.com. Washington, 27 Jan. 2002. p. A 01. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A427542002Jan26.html?%20 referrer=emailarticle >. Acesso em: 01 nov. 2005. (tradução nossa)

217

Tudo indica que Bush − ao voltar de sua costumeira corrida matinal − leu, por volta das 8h, sobre a constatação de um elevado risco de terrorismo relatado em documento que recebe rotineiramente do Serviço de Inteligência, mas não julgou necessário tomar qualquer atitude como, por exemplo, ligar para Condoleezza Rice, conselheira de Segurança Nacional à época. Cf. LANGLEY, W. Revealed: what really went on during Bush’s ‘missing hours’. News.telegraphy, [S.I.], 12 Dec. 2001. Disponível em: <http://www.telegraph. co.uk/ news/mainjhtml?xml=/news/2001/12/16/wbush16.xml>. Acesso em: 01 nov. 2005. O repórter, John Cochran, da ABC News, cobrindo a visita do presidente à escola, relatou ao âncora Peter Jennings que Bush havia sido indagado se sabia do que estava acontecendo em Nova York por um repórter quando estava prestes a sair do hotel na Flórida. Em resposta afirmativa, o presidente disse que falaria do assunto mais tarde. Cf. PLANES crash into World Trade Center. ABC News' Special Report, Sarasota, 11 Sept. 2001. Disponível em: <http://emperor.vwh.net/9-11backups/abc911.htm#mybust>. Acesso em: 01 nov. 2005.

Na escola, cumprimentou os funcionários e entrou em uma sala com 16 alunos secundaristas para ler a história My Pet Goat218. Foi, então, às 9h05 que lhe veio em sussurro aos ouvidos, desta vez de maneira mais incisiva, o recado do chefe da Casa Civil da Casa Branca, Andrew Card: “Sr. presidente, o país está sob ataque.” A isso se seguiram 7 minutos em que o presidente da nação mais potente do mundo ficou nitidamente atônito, paralisado e aparentemente saber o que fazer.219

Finalmente, próximo das 9h30, menos de dez minutos antes de o terceiro avião cair sobre o prédio do Pentágono, Bush ausenta-se da sala para, em breve declaração, avisar que um ataque terrorista à América tinha ocorrido. E, demonstrando carinho e proximidade, agradeceu as pessoas ali presentes, chamando-os de folks220, o mesmo adjetivo que, quase imediatamente, em provável lapso, utiliza para chamar os terroristas ao dizer que havia tomado providências para ajudar as famílias e achar os folks que tinham cometido aquele ato.221

Posteriormente, às 9h59 a torre sul desmorona e, às 10h28, foi a vez da torre norte desabar. As imagens televisionadas e reproduzidas no mundo foram vistas por um número incontável de pessoas, “quase todos nós sabemos responder onde estávamos no meio da manhã do dia 11 de setembro de 2001 [...] e isso significa que a globalização é fato assimilado e que a História não mais espera pelos historiadores para ser escrita”. Quiçá, pela primeira vez na história, pôde-se acompanhar em tempo real um acontecimento catastrófico como aquele: estávamos “quase todos nós, diante da televisão; buscávamos uma explicação do mundo no assassino que, segundo Baudrillard, matou a realidade”.222

O que segue a isso é uma verdadeira caça ao terrorismo. O Senado imediatamente autoriza Bush a “usar ‘toda força militar necessária e apropriada’ para revidar os atentados terroristas”.223

218

‘Meu Bode de Estimação’: uma história que faz parte de uma cartilha de alfabetização escrita por Siegfried Engelmann e Elaine Bruner.

219

As imagens desse momento foram captadas por pessoas da própria escola e posteriormente usadas pelo polêmico documentarista Michael Morre em seu documentário: “Fahrenheit 11 de Setembro.” Cf. D’ÁVILA, S. ‘Libelo’ de Moore é tendencioso e mentiroso, mas histórico. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 jul. 2004. Ilustrada, p. E1.

220

Uma palavra com denotação positiva que pode ser traduzida por: gente, pessoal, companheiros, amigos, família ou ainda parentes.

221

LANGLEY, W., loc. cit. 222

ZOJA, L; WILLIAMS, D. (Org.). Manhã de setembro: o pesadelo global do terrorismo. São Paulo: Axis Mundi, 2003. p. 11. Sobre a menção a Baudrillard, ver: BAUDRILLARD, J. O crime perfeito. Lisboa: Relógio D’Água, 1996.

223

SENADO autoriza Bush a usar força... Folha Online, São Paulo, 14 set. 2001. Disponível em: <http://www1. folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29014.shl>. Acesso em: 01 nov. 2005.

Bush atribui a responsabilidade dos atentados a Osama Bin Ladem e dá seu recado:

‘Nós vamos punir todos os culpados. Não posso dizer exatamente o que será feito, mas todas as forças serão usadas contra o terrorismo. É uma guerra longa, essa que vamos começar agora, mas vamos ganhar a primeira guerra do século 21 e vamos seguir o resto do século em paz.’224

Medidas que antes provavelmente seriam questionadas passam sem maiores problemas. Esse foi o caso da retirada dos Estados Unidos do Tratado Antimísseis Balísticos, que, segundo o comentário de Bush: “Não posso e não permitirei que os Estados Unidos permaneçam em um tratado que nos impede de desenvolver uma defesa efetiva.”225

E o mais surpreendente de tudo talvez pudesse ser resumido por meio do significado do resultado da aprovação de Bush divulgado em pesquisa pelo USA Today, pela CNN e pelo Gallup em menos de duas semanas após os ataques. Bush, que vinha obtendo considerável declínio antes de 11 de setembro elevara seu grau de aprovação ao maior percentual da história dos EUA.

Da população entrevistada, 90% disseram estar satisfeitas com o desempenho do presidente, 88% apoiavam uma ação militar, 58% acreditavam que as organizações terroristas seriam eliminadas, 76% confiavam na habilidade do governo em proteger a população de ataques terroristas e 93% na preservação do american way of life226. Até a desacreditada economia subiu ao patamar de confiança em 91%.227

Bush não parecia preocupado com um fato que só ele e os seus sabiam e ainda viria a ser revelado pela mídia, isto é, a informação prévia de que ele teve em poder um documento dos serviços de inteligência relatando que Osama Bin Laden poderia seqüestrar um avião e provocar uma colisão contra prédios.228

224

BUSH reafirma que atacará o terrorismo... Folha Online, São Paulo, 16 set. 2001. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29328.shl>. Acesso em: 01 nov. 2005.

225

BUSH anuncia retirada dos EUA de Tratado de Antimísseis Balísticos. Folha Online, São Paulo, 13 dez. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u34680.shl>. Acesso em: 01 nov. 2005. 226

Modo de vida americano. 227

Cf. GEORGE W. Bush obtém maior aprovação da história. Folha Online, São Paulo, 23 set. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29812.shl>. Acesso em: 01 nov. 2005.

228

Pouco mais de oito meses do 11 de setembro é confirmada a informação de que Bush recebeu memorandos da Inteligência dos EUA de que Bin Laden planejava seqüestrar aviões de passageiros para atacar os EUA Cf. BURKE, J.; VULLIAMY, E. Bush knew of terrorist plot to hijack. The Observer, New York, 19 May 2002. Disponível em: <http://observer.guardian.co.uk/bush/story/0,8224,718311,00.html>. Acesso em: 01 nov. 2005. US planes Cf. WHAT Bush knew before Sept. 11. CBS News, Washington, 17 May 2002. Disponível em: <http://www. cbsnews.com /stories/2002/05/16/attack/main509294.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2005.