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2 QUADRO REFERENCIAL TEÓRICO DO PENSAMENTO PÓS-META-

2.2 Aspectos sociológicos do agir comunicativo

2.2.2 Ação comunicativa versus teoria dos sistemas

De acordo com Habermas (1997b), a teoria dos sistemas observa com bastante ni- tidez a complexidade das sociedades atuais e o modo como o processo democrático é prejudi- cado pela pressão dos imperativos funcionais. Do ponto de vista da teoria de Luhmann, como demonstra Habermas, o modo de operação do sistema político, por exemplo, mede-se por uma racionalidade autorreflexiva, que bloqueia o conteúdo normativo da democracia, permitindo apenas uma distribuição alternada do poder entre governo e oposição.

Como em Luhmann, Habermas considera também o aumento significativo da complexidade sistêmica como característica do processo evolutivo da sociedade, sendo este um aspecto de comum análise dos dois autores. Entretanto, e aqui se mostra a diferença de- terminante entre os dois pensadores: Habermas critica a teoria dos sistemas de Luhmann, por esta ser incapaz de criar ou de sugerir qualquer outro tipo de moldura para uma nova teoria da sociedade, limitando-se apenas a analisar a política, tal qual um sistema funcional fechado recursivamente sobre si mesmo.

Uma das teses essenciais de Habermas no âmbito político que veremos no próxi- mo capítulo diz respeito à força que a esfera pública possui de modificar os rumos da política através dos movimentos sociais, indo contra a ideia central de Luhmann do fechamento dos sistemas. Para Habermas (2002c, p. 497), na teoria de Luhmann, o mundo da vida desinte- grou-se em sistemas parciais funcionalmente especificados:

De acordo com essa teoria, o mundo da vida desintegrou-se totalmente em sistemas parciais funcionalmente especificados, tais como a economia, o Estado, a educação, a ciência etc. Estas mônadas sistêmicas, que substituíram por nexos funcionais as re- lações intersubjetivas ressecadas, comportam-se de um modo simétrico entre si, sem que o seu precário equilíbrio pudesse ainda ser regulado pela sociedade global9.

Para Luhmann (1985), a política, dentro do quadro referencial sistêmico, tornou- -se um sistema específico e funcional, tirando sua legitimidade a partir de si mesmo, sem ne-

nhuma participação dos sujeitos nos processos decisórios. Porém, conforme Habermas

9 Ihr zufolge hat sich die Lebenswelt ohne Rückstände in functional spezifizierte Teilsysteme wie Wirtschaft, Staat, Erziehung, Wissenschaft usw. zersetzt. Dieses Systemmonaden, die die ausgedorrten intersubjektiven Verhältnisse durch funktionale Zusammenhänge substituiert haben, verhalten sich symmetrisch zueinander, ohne daß ihr prekäres Gleichgewicht noch gesamtgesellschaftlich reguliert werden könnte” (HABERMAS, 1983a, p. 415).

(1997b), a imagem luhmanniana da autolegitimação de uma política ancorada no aparelho do Estado começa a apresentar problemas, à medida que o princípio da teoria dos sistemas é con- frontado com a tarefa de pensar a teoria do Estado na perspectiva de uma sociedade eticamen- te responsável e responsável pela ética.

Na versão luhmanniana, o funcionalismo sistêmico assume, para Habermas, a he- rança da filosofia do sujeito, de modo que Luhmann substitui o sujeito autorreferencial por sis- temas autorreferenciais: no lugar da relação sujeito-objeto, aparece a relação sistema-ambiente, permanecendo ainda, como na filosofia da consciência, o problema da autorreferência. Para a teoria dos sistemas, o mundo da vida desfez-se em sistemas funcionais (economia e Estado), como se fossem agora apenas esferas isoladas uma da outra, de modo que as relações intersub- jetivas teriam sido totalmente substituídas por contextos funcionais.

Luhmann (1983) argumenta que, com a crescente diferenciação funcional da soci- edade, as expectativas que almejam uma validade universal comum de normas e princípios não fazem mais sentido. Para Luhmann (1983, p. 86), “[...] o sistema social, na medida em que aumenta sua complexidade, é reestruturado no sentido da formação de sistemas parciais funci- onalmente específicos”. Luhmann defende que o crescimento da complexidade social funda- menta, em última análise, o avanço cada vez maior do isolamento funcional dos sistemas. Nu- ma palavra, os sistemas funcionais “[...] não mais são integráveis por meio de crenças em co- mum ou por fronteiras externas da sociedade como um todo” (LUHMANN, 1980, p. 225).

No entanto, a teoria dos sistemas, diz Habermas (2002c), caminha para um beco sem saída, porque ela é incapaz de explicar como sistemas autopoieticamente fechados podem romper o círculo da regulação autorreferencial da autopoiesis e da autorreferência. Isto é, a teoria dos sistemas paga um alto preço por subestimar e rejeitar os saberes contidos no mundo da vida e surgidos da práxis argumentativa de seus membros, assim como também a comuni- cação existente entre as diferentes esferas, que, apesar de relativamente isoladas, comunicam- -se ainda entre si.

Segundo Habermas (1990), até mesmo os sistemas de ação especializados na re- produção cultural (escola), na integração social (direito) e na socialização (família), através da linguagem comum ordinária, mantêm relações entre si e com os mundos vividos. Habermas (2012c) explicita que a teoria dos sistemas renuncia a qualquer possibilidade de razão comu- nicativa, ao entender a razão apenas na sua dimensão estratégica, e não na comunicativa.

Na teoria de Luhmann, não há nenhum lugar nem espaço onde as questões possam ser percebidas e debatidas, como se os sistemas funcionais esgotassem por completo o mundo da vida e a capacidade crítica dos sujeitos. Luhmann pressupõe pura e simplesmente, diz

Habermas (2002c), que as estruturas da intersubjetividade se desmembraram, que os indiví- duos são dissociados de seus mundos vividos e que os sistemas sociais forjam mundos cir- cundantes uns para os outros.

Há, na perspectiva luhmanniana, uma total subordinação da integração social à in- tegração sistêmica. A contraposição de Habermas a Luhmann é mais acentuada aqui, porque no paradigma luhmanniano não há mais espaço para a ideia de uma integração da sociedade. Luhmann contraria qualquer pretensão de integração abrangente da sociedade moderna.

Exatamente porque Habermas caracteriza a modernidade também nos termos de uma esfera para além da dimensão sistêmica, a concepção luhmanniana apresenta-se, no final, como um paradigma contraposto à teoria da ação comunicativa. Na perspectiva luhmanniana, não é possível estabelecer um consenso efetivo numa sociedade cada vez mais complexa.

Segundo Habermas (2012c), há uma debilidade na teoria dos sistemas, quando es- ta se apresenta com pretensões absolutistas, negando qualquer possibilidade de comunicação entre os diversos sistemas. Ele aposta no caráter reflexivo da modernidade, no nível de justifi- cação das sociedades iluministas e pós-convencionais, algo que o diferencia radicalmente de Luhmann. Nas sociedades modernas, pretensões de validade até então inquestionáveis tor- nam-se abertas à acareação pública, argumentativa e crítica. Isto é, as normas podem ser acei- tas como válidas ou recusadas.

Como destacamos antes, a defesa de uma racionalidade comunicativa será o fio condutor de toda a filosofia política habermasiana. A modernidade é tida como um projeto ainda inacabado. Não se trata de proclamar o fim do projeto moderno ou da razão, e sim de ampliar o conceito de racionalidade, com referência na intersubjetividade e na comunicação entre os sujeitos, em que a predominância não seja mais a do dinheiro e a do poder.

Todavia, não está em questão uma pura negação da racionalidade instrumental, mas sim uma nova orientação dela, pois os processos sociais devem ser orientados pala razão comunicativa. A interpretação da modernidade, em Habermas, faz-se determinante para situ- armos o contexto em que emerge a racionalidade comunicativa.

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